O pau vai comer
O chefe da Casa Civil, José Dirceu, não mediu as palavras ontem, mesmo admitindo já ter recebido puxões de orelha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva por ter falado o que não devia: o governo vai enfrentar as resistências e vai fazer uma revolução no ensino universitário público, disse ele. - Com relação à educação e à dívida interna, não quero queimar minha língua. Infelizmente, não posso falar o que penso, mas vou falar telegraficamente. O Brasil precisa enfrentar o problema da universidade pública. Como este é um tema muito polêmico, o pau vai comer, como aconteceu na reforma da Previdência. E vamos tomar partido porque gostamos, somos bons de disputa política e social - disse ele, sem entrar em detalhes sobre o modelo de revolução que o governo pretende fazer no ensino superior. Para Dirceu, se a situação da universidade pública no Brasil não for discutida seriamente e urgentemente, a instituição será ultrapassada pelas universidades particulares. Ao falar da necessidade de se rediscutir o papel da universidade pública no seminário "Desenvolvimento com distribuição de renda: este é o nosso desafio", no Palácio do Planalto, Dirceu tratou de lembrar que o ministro da Educação, Cristovam Buarque, já está discutindo a questão. Disse que a universidade pública precisa investir em pesquisa e se consolidar como a "coluna educacional do país": - Queremos manter a universidade pública gratuita, além de expandi-la, consolidá-la e transformá-la na coluna do sistema educacional do país. Porque ela é que faz pesquisa, ela forma os educadores, ela é o pensamento crítico, a consciência da nação. Temos que revolucionar. Se ela continuar como está, vai entrar em crise atrás de crise e será ultrapassada pelo ensino particular, que começará a investir em pesquisa e começará a melhorar sua qualidade pela exigência dos estudantes, que vão se recusar a ir para uma faculdade particular que não tenha qualidade, não tenha mestres, doutores, não tenha laboratórios - disse e;e. "Mão pesada contra o crime organizado" Num recado aos que resistem a discutir mudanças no ensino superior público, Dirceu disse que funcionários e estudantes também precisam participar do debate com coragem. Ao falar
de investimentos públicos em pesquisas, Dirceu afirmou que a Lei de
Inovações mudará totalmente a relação entre universidade e empresas ou
fundos de investimento. Essa lei estimula o investimento privado em
laboratórios e centros de pesquisa do ensino superior. O chefe da Casa Civil prometeu a revolução na educação ao responder a uma pergunta sobre as universidades. Minutos antes, porém, tinha dito que se limitaria a ler um texto para evitar discursos de improviso porque já levara puxões de orelha de Lula por causa disso. Em outra declaração forte, Dirceu disse que o governo vai enfrentar o crime organizado e o narcotráfico, que segundo ele se infiltraram nas instituições, "doa a quem doer". Afirmou ainda ser contra a redução da maioridade penal, mas alertou que o sistema criado pelo Estado brasileiro está se transformando numa fábrica de delinqüentes e criminosos. Segundo ele, isso não acontece apenas no sistema penitenciário, mas também nas "febens da vida": - Sabemos que o país precisa, e defendo uma mão dura do Estado, pesada, centralizada e organizada contra o crime organizado e o narcotráfico. Comigo não tem acordo. Agora, não acredito que apenas isso resolva qualquer problema do país. Se o país, a nação, a sociedade não tomarem consciência de que precisa haver uma revolução social, que é preciso incorporar esses milhões de deserdados, não vamos a lugar algum. Vamos gastar bilhões e bilhões de reais em repressão para nada. Ao dizer que o governo enfrentará o crime organizado "doa a quem doer", acusou. - Isso não significa que poderíamos continuar como estávamos. A União, o governo federal, não assumia suas responsabilidades no combate ao crime organizado e ao narcotráfico. Não assumia porque o crime organizado e o narcotráfico se infiltraram nas instituições políticas do país. E precisam ser enfrentados como estamos enfrentado. Doa a quem doer, como é o caso que estamos enfrentando agora em vários estados brasileiros. Em seguida, Dirceu disse, sem maiores explicações: - Para bom entendedor, meia palavra basta. "Tive o privilégio de sobreviver" Durante sessão solene na Câmara dos Deputados em homenagem aos advogados de presos políticos que atuaram nas auditorias militares, no período da ditadura, Dirceu afirmou que o governo tem o compromisso de devolver os corpos dos desaparecidos políticos às suas famílias. O chefe da Casa Civil fez breve discurso enaltecendo o trabalho de ex-governador do Rio Marcello Alencar, advogado de presos políticos, entre eles o ex-deputado petista Wladimir Palmeira; o seu próprio advogado, Aldo Lins e Silva; e o ex-governador Franco Montoro, pelo conforto que deu aos seus pais no período em que esteve na clandestinidade: - Tive o privilégio de sobreviver. Somos devedores de vocês (advogados), dos que morreram assassinados e dos que estão desaparecidos. E não teremos terminado nosso trabalho até que tenhamos recuperado a memória e, principalmente, os restos mortais de todos até hoje tidos como desaparecidos. Este é um compromisso de vida e um compromisso do governo do presidente Lula.
Fonte: O Globo, 15.12.2003 |