Apertem os cérebros,
o emprego sumiu
Os
candidatos a empreendedor já descobriram que elaborar um plano de negócios é
Uma das heranças do já meio distante século XX é o hábito de intercambiar as palavras trabalho e emprego. Assim, por extensão e por negação, desemprego inspira automaticamente compaixão. Alguém sem uma atividade que lhe renda salário, sem ocupação que lhe permita sobreviver é visto como vítima de um sistema cruel. Foi assim que estar desempregado se tornou a pior fase da vida, equivalente a estar no limbo da sociedade, a se tornar um morto-vivo. Isso não era um problema tão grande enquanto as empresas alimentavam o mito da estabilidade no emprego. Mas aí, por volta dos anos 1980, pressionadas pela concorrência que se tornava global e auxiliadas pelos avanços da tecnologia em todas as áreas do conhecimento, as empresas deslancharam programas de aumento da produtividade, a maior parte deles conhecida como reengenharia. O objetivo básico da reengenharia é levar a empresa a fazer-mais-com-menos. Maior quantidade de produtos e serviços consumindo menos matéria-prima, menos energia, menos refugo e, claro, com menos esforço humano. Isso significa trabalho para menos gente, pelo menos nos empregos tradicionais. Nos anos 90, na esteira da globalização acelerada pela tecnologia da informação, aconteceu outra coisa inesperada: a possibilidade de contratar a mão-de-obra onde ela fosse mais barata. Exemplo: um trabalhador chinês no setor automotivo custa US$ 2 por hora e o americano US$ 60. Onde você acha que serão fabricados os carros do século XXI? Parece um cenário catastrófico, mas não é. Com maior produtividade, a sociedade libera recursos para investir em novas necessidades. É por isso que o setor de serviços cresceu tanto, no mundo inteiro – e finalmente passou, em número de trabalhadores, a agricultura, campeã da ocupação nos últimos 10 mil anos. O problema é que, neste mundo novo, as oportunidades não estão onde costumavam estar. E nosso sistema de formação dos jovens se encontra obsoleto e divorciado da realidade. Não se trata meramente de qualidade do ensino. O sistema está distante das demandas do mercado de trabalho e demora tempo demais para formar jovens nas atividades que vão sendo requeridas. Forma-se, então, um paradoxo. As empresas procuram trabalhadores, mas não aqueles que estão procurando as empresas. Só no setor de tecnologia da informação, tipicamente jovem, o Brasil tem 40 mil vagas que não consegue preencher, ao mesmo tempo que a taxa de desemprego entre jovens está por volta dos 30%, o dobro da média para a população inteira.
No setor de tecnologia
da informação, Neste mundo novo, mais dinâmico, o sistema de ensino superior mais atrapalha que ajuda. O vestibular obriga a maior parte dos jovens a fazer opções para a vida inteira aos 16, 17 anos, sem muita noção do que o mercado procura, de suas habilidades pessoais e das oportunidades que a faculdade oferece. Por isso, tantas desistências no meio do curso, um custo alto tanto para os indivíduos como para o país. E, por isso, tanta gente faz duas faculdades ao mesmo tempo, durante vários semestres. Pior, o ensino superior acaba se configurando como uma máquina de formar um exército de jovens que, no lugar de ter clareza, capacitação e competência para buscar ocupações produtivas, tornam-se zumbis procuradores de empregos, ocupados em panfletar seus currículos sem perceber onde estão as grandes oportunidades. Com esse diagnóstico, a Sociedade Brasileira de Física encaminhou recentemente ao MEC uma proposta de mudanças radicais no sistema educacional. “A especialização excessiva em cursos universitários tornou-se anacrônica no mundo de hoje, onde o recorte dessas profissões é cada vez mais dinâmico”, diz o documento. “O treinamento de profissionais para tarefas específicas tem sido feito freqüentemente nas próprias empresas, que procuram cada vez mais profissionais versáteis, com capacidade de resolução de problemas e boa formação.” Eles propõem uma formação mais geral. Seria um modelo parecido com o americano, em que os dois primeiros anos de formação superior são tão amplos que permitem ao aluno decidir, depois, entre áreas tão diversas quanto Psicologia ou Direito. Por causa das falhas na universidade, muitos jovens optam por empresas em vez de carreiras. Preferem estar num lugar que lhes dará oportunidades, sejam eles jornalistas, médicos, engenheiros etc. No entanto, nesse caminho não existe mais segurança. Nenhuma empresa, de qualquer porte ou setor, promete mais aos empregados mantê-los por toda a vida produtiva, como nas gerações passadas. E, claro, nas grandes empresas as vagas são ultradisputadas. Não há lugar para todos. A frustração que resulta dessa aritmética ajuda a levar ao sonho do emprego público.
Há poucas coisas mais tristes que ver um jovem tornar-se um ser humano de perspectivas curtas ainda na entrada da idade adulta. É na juventude que os indivíduos em geral sonham com vôos mais altos, que apostam suas energias para trazer à vida grandes projetos. Mas no Brasil vem-se formando uma indústria de empresas e escolas voltadas para preparar os jovens para concursos públicos. O prêmio a ser conquistado é, mais que realização profissional, segurança e estabilidade. Uma pesquisa feita em uma faculdade de Direito do Rio de Janeiro mostrou que 88% dos alunos pretendem fazer concurso público. Desses, 93% afirmam que o serviço público é melhor que a iniciativa privada simplesmente porque é mais seguro, tem menos estresse e eventualmente paga melhor. Será essa uma juventude que se tornará velha, conservadora e tacanha ainda aos 20 anos? O serviço público pode e deve atrair vocações, mas hoje interessa principalmente a quem tem horror ao risco. Felizmente, assim como há gente que busca a segurança, há aqueles que abraçam o sonho – e o risco. Muita gente começou a se inspirar na história de que o sucesso na vida vem de realizações, mais que de títulos. Essa comunidade é minoria, mas a história é uma festa em que as minorias animadas fazem sempre a maioria dançar sua música. Hoje em dia, são os empreendedores, e não instituições e governos, que estão revolucionando o planeta, desbravando o mundo digital. Os candidatos a empreendedor são influenciados pelas mais variadas histórias de sucesso, desde Bill Gates e Steve Jobs (Microsoft e Apple) até o comandante Rolim (TAM) e Alberto Saraiva (Habib’s). Eles entenderam duas regras inspiradoras. Primeira: descubra algo que adora fazer e você nunca mais vai ter de trabalhar. Segunda: elaborar um plano de negócios é mais importante que preparar um currículo.
Uma regra inspiradora:
descubra algo Um amigo me relatou que sua filha adolescente decidiu seguir a carreira artística. Talentosa em artes cênicas, ela não vê nenhum benefício em atrapalhar sua carreira nascente com um vestibular. Um anúncio desses pode provocar um cataclismo numa família de classe média. Meu amigo adotou postura diferente. Puxou na internet várias biografias de Shakespeare e Molière e começou a mostrar a sua filha que, mais que pensar apenas em escrever, ambos foram empresários e empreendedores. Molière não era apenas escritor, ator e diretor. Entendia como ninguém os desafios de montar uma turnê. Conhecia todos os pontos de troca de cavalos de carruagem – é o que hoje chamamos de logística – que permitiriam naquela época minimizar custos e deslocamentos atrás dos mais rentáveis palcos da França. Shakespeare não dependia de mecenas, tampouco de leis Rouanets, Embrafilmes ou Petrobras. Sabia, isso sim, fazer o marketing inovador, estratégico e adequado para tornar seu teatro o mais bem-sucedido empreendimento de entretenimento de alto nível da Inglaterra elisabetana. Projeto é o termo que sucederá a palavra emprego. Uma pesquisa do Instituto Cidadania, ONG ligada ao PT, mostrou que um de cada três jovens brasileiros gostaria de ter o próprio negócio. Sai Che Guevara e entram os modernos empreendedores? Provavelmente, os jovens do meio do século XXI estarão mais confortáveis num mundo onde o emprego, da forma como o entendemos, restará apenas de forma marginal. Terão aprendido a viver planejando e realizando projetos. Curtos, longos, sazonais, seriais e paralelos. De horário integral ou não. Porém projetos.
* Ricardo Neves - é consultor de empresas e
escreve quinzenalmente em ÉPOCA. É autor do livro Novo Mundo Digital. Fonte: Rev. Época, ed. 496, 16/11/2007.
|
|