Novo Código Civil altera regras para fundações

 

Juristas afirmam que a nova lei, que entrou em vigor no sábado, traz sérios problemas para as fundações mantenedoras (ou de apoio) de IES


A
s fundações privadas mantenedoras (ou de apoio) de Instituições de Ensino Superior terão uma grande dor de cabeça, a partir de agora, com a entrada em vigor do novo Código Civil Brasileiro. O parágrafo único do artigo 62 da nova lei estabelece que elas "somente poderão constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência", o que exclui as de fins educacionais. 

Este dispositivo, assim como vários outros do código, tem causado divergência entre especialistas. A maior dúvida é quanto à sua abrangência: se deve ser obedecido apenas pelas fundações que se formarão a partir de agora ou também pelas já existentes. "Entendo que as que serão criadas devem se enquadrar em uma das quatro finalidades dispostas no código. As já existentes devem se adaptar apenas ao resto das determinações, mas não se preocupar com o fim a que se destinam", afirma o consultor jurídico do GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), Eduardo Szazi.

O professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Carlos Silveira Noronha, também acredita que as novidades interferem apenas nas instituições que surgirão a partir desta segunda-feira, dia 13 de janeiro, primeiro dia útil após a entrada em vigor do novo Código Civil. "A nova lei não interfere nas já existentes, pois a antiga legislação deve ser respeitada. Independente da finalidade que possuam, elas podem continuar existindo e atuando sem problemas. Apenas suas normas de funcionamento devem ser modificadas", diz. 

Há os que discordam dessa posição. Entre eles, está um dos membros efetivos do Conselho Seccional da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil - São Paulo), Luiz Antônio Sampaio Gouveia. "Todas têm que se colocar em função do novo código. Os artigos 2.031 e 2.032 determinam que as fundações constituídas na forma das leis anteriores terão o prazo de um ano para se adaptar às disposições do novo Código. Como não há direito adquirido nesse caso, as fundações existentes precisam se adequar às normas novas, inclusive no tocante à finalidade", afirma. O professor de Direito Civil da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) e da FAL (Faculdade de Alagoas), Marcos Bernardes de Mello, é enfático: "as antigas fundações subordinam-se à nova lei e terão que adaptar até mesmo o fim a que se destinam às opções fornecidas. Mas, infelizmente, não vejo como operacionalizar isso".

Segundo os juristas que interpretam que as antigas fundações também são atingidas, o Código Civil traz um problema muito grande: as instituições precisariam ou transformar-se em sociedade, para poder continuar com fim educacional, ou modificar sua finalidade no estatuto. "Não temos como transformar uma fundação em sociedade. Para isso acontecer ela teria que encerrar suas atividades e, segundo o artigo 69 do novo código, se uma fundação é extinta, seu patrimônio é incorporado por outra fundação. Como o fim de uma fundação é imutável, o original deve sempre permanecer, e é exatamente aí que está o problema, estamos em um beco sem saída", afirma o professor da FURG (Fundação Universidade Rio Grande), e ex-assessor do MEC (Ministério da Educação), Sérgio Amaral Campello. "Foi criada uma situação muito difícil. Instituições como a FGV (Fundação Getúlio Vargas) estão de mãos atadas. Modificar o estatuto não é possível, transformar-se em sociedade, tampouco. Também não podem continuar como fundação com fim educacional. O que fazer então?", indaga o professor Mello, autor de parte do parecer encaminhado pelo Conselho Federal da OAB à Câmara dos Deputados questionando a redação final do código.

Mesmo sem haver um consenso quanto a quais fundações serão atingidas pela nova lei, os juristas concordam que o mais difícil será conseguir enquadrar o fim educacional nos itens estipulados pelo código - seja para as existentes, seja para as que serão criadas. "Na minha opinião, não é possível sequer conjugar dois fins, sendo um determinado pela nova lei, como o cultural, e um não, como o educacional. O código restringe apenas aos quatro, quaisquer outros estão fora. Além disso, as fundações mantenedoras possuem também fim econômico, pois têm receita, despesa e arrecadação. Isso complica ainda mais a situação", diz o professor da Ufal.

O consultor do GIFE entende que, da forma como está o Código, resta torcer para que os promotores de justiça considerem que o fim educacional possa ser encaixado em um dos quatro estipulados. Carlos Silveira Noronha afirma que não é possível ficar à mercê da opinião dos promotores. "Eu, por exemplo, entendo que iniciação científica e apoio à pesquisa são fins culturais, mas outro jurista pode entender que não. É muito complicado". O professor Sérgio Campello comprova a opinião de seu colega: "do ponto de científico, eu entendo que cultural e educacional são conceitos diferentes e que possuem objetivos diversos". 

"Só vejo duas soluções: mudar o código ou fazer com que a justiça interprete que dentro do moral ou do cultural cabe o educacional. Não acredito que seja tão complicado conseguir esta interpretação. O Direito sempre apresenta esses desafios e o bom senso costuma predominar. Uma maneira de alcançar uma interpretação favorável é buscar no judiciário, por meio de ações declaratórias ou de alguma outra modalidade processual, o reconhecimento da jurisprudência de que os fins que desempenham se integram à regra do artigo 62", sentencia Campello.

O GIFE, em conjunto com outras entidades representativas do Terceiro Setor, apresentou à Câmara dos Deputados um projeto de alteração do novo Código Civil, onde solicitava, entre outras coisas, a revogação do parágrafo único do artigo 62. Os questionamentos da organização foram incluídos em um projeto de lei mais amplo, que sugere a modificação de mais de 150 artigos dos 2046 que possui o novo código, e está em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Por causa de todos as dúvidas existentes, o Conselho Federal da OAB tentou até os últimos dias impedir, por meio do Ministério da Justiça, a entrada em vigor do código. "Há uma série de pontos que precisam de modificações e um esforço de vários segmentos para que o projeto de lei seja aprovado. Estou muito otimista e acho que será algo imediato. Da forma como está, impede-se a criação de fundações de amparo à pesquisa e de mantenedoras de IES. Se esta legislação vigorasse desde 1916, organizações como a FGV, não existiriam. O texto original de 1975 ficou sem atualização em muitos pontos, por isso estas lacunas estão abertas", afirma Szazi. 

Favorável a rápidas mudanças, Gouveia discorda da simples revogação. "O que existe é uma necessidade de ampliar os fins, pois o artigo está muito apertado". Sérgio Campello lembra que outra brecha pode ser aberta com a extinção parágrafo único. "Abre margem para que elas tenham fins lucrativos, o que contraria a idéia conceitual de fundação, que são patrimônios destinados ao interesse da sociedade. O ideal seria que o código determinasse que as fundações não podem ter fins lucrativos e devem ser de interesse da sociedade. O lucro não pode aparecer de forma alguma e seus instituidores, dirigentes, controladores e conselheiros não podem ser remunerados de jeito nenhum", diz.

Para o professor da UFRGS, que acompanhou a votação do projeto original na Câmara e no Senado como representante da IES, a impossibilidade de ter fins lucrativos não significa que uma fundação não possa ter finalidade econômica. "O pagamento de mensalidade, por exemplo, é uma contribuição, é uma das formas que estas entidades têm de se manter", explica. Noronha também afirma que a aprovação do projeto de lei é urgente e deve acontecer rápido. "No máximo até o meio deste ano deve ser efetivado. Precisam ser feitas profundas modificações em várias partes do código, não se pode deixar para depois". 


Fundações Públicas

As fundações públicas, ou seja, que são instituídas e mantidas pelo poder público, tanto as já existentes como as que serão criadas, não são atingidas pela nova lei. Estas organizações, como as Fapes (Fundações de Amparo à Pesquisa) e a FURG, são regidas pelo Decreto Lei 200/67, que criou as fundações públicas, e pelo artigo 37 da Constituição Federal de 1988, que o complementou. "Estas fundações, assim como as autarquias, são pessoas jurídicas de administração pública. O Código Civil abrange o direito privado. Só seria responsável por elas se houvesse omissão no direito público e faltasse uma legislação específica para elas. Mas não é o caso", explica Campello. 


Mesmo assim, o ex-assessor do MEC entende que as instituições públicas serão indiretamente atingidas pelo código por meio das fundações de apoio. "Estas instituições, criadas pela Lei 8.958 de 1994, são privadas e dão suporte a projetos e atividades extras das IES públicas, como pesquisa, consultoria, assessoramento e especializações. Como elas são atingidas pelo Código Civil, todas as IES públicas que se valem desse tipo de serviço, a maioria delas, serão atingidas".
 

 

Fonte:  Universia Brasil – 13/01/2003.


Veja na íntegra:
Novo Código Civil
Decreto-Lei nº 200/67 
Em:  Política Sindical / documentos


 

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