Educação
A nova cara da ciência
Quem
são os três jovens brasileiros que aparecem na lista dos cientistas
mais influentes do mundo
Há
três maneiras de aferir o grau de relevância de um cientista numa
sociedade moderna. A primeira é saber quantos dos artigos publicados em
revistas de alto nível acadêmico levam o seu nome. A segunda mede o
número de vezes em que seu trabalho aparece citado por outros
pesquisadores. Por fim, são contabilizados os mestres e doutores
formados sob a batuta daquele cientista. Da combinação desses três
medidores surge um poderoso indicador – aplicado em países da Europa,
nos Estados Unidos e agora no Brasil – capaz de atestar não só o nível
de um especialista e sua obra mas também seu efeito
multiplicador.
Um novo |
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O mineiro Gazzinelli criou uma vacina
contra a leishmaniose: trabalho citado por 7 500 pesquisadores no mundo
todo. |
ranking revelou
que quinze cientistas brasileiros estão entre os mais influentes do
mundo, segundo esse critério. Três deles nunca haviam aparecido numa
lista desse tipo. Eles chamam atenção pelos feitos científicos, todos na
área da biomedicina, e pela faixa etária. Aos 40 e poucos anos, são
precoces em um ambiente em que o apogeu se dá, em geral, uma década mais
tarde. Por essa razão, despontam no levantamento feito pela Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o órgão de
apoio à pesquisa do governo federal, como expoentes de uma nova geração
de cientistas brasileiros. A pesquisa tomou como base o Scopus, banco de
dados com sede na Holanda, que reúne informações de 97 países e armazena
1% dos periódicos científicos – justamente aqueles de maior repercussão
internacional. É uma referência mundial. |
Foi nesse seleto
conjunto de publicações que o veterinário mineiro Ricardo Gazzinelli
apareceu no topo, ao lado dos especialistas mais influentes do mundo em sua
área: a imunologia. Pesquisador da Fiocruz e da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), Gazzinelli está entre os melhores por ter sido o
primeiro a desvendar a função de um hormônio na defesa das células contra
microrganismos causadores de doenças típicas de países pobres, como a
malária e o mal de Chagas. O fato lhe deu fama internacional e perspectiva
de utilização prática para algo que consumiu três anos consecutivos de sua
vida acadêmica. Na semana passada, Gazzinelli, cuja maior obsessão é ver sua
descoberta transformada em vacinas que previnam as doenças, recebeu a
notícia de que o governo federal destinará 4 milhões de reais para a
fabricação de uma delas, contra a leishmaniose (espécie de micose profunda).
Ele diz: "Produzir conhecimento que traga benefícios práticos às pessoas
deveria ser a ambição de qualquer cientista". É certamente uma prioridade
para Gazzinelli e seus dois colegas de ranking, a carioca Patricia Bozza e o
mineiro Mauro Teixeira: em comum, as pesquisas dos campeões reúnem
credencial básica para tomar o rumo do mercado – há demanda para elas. São
raridade no Brasil. Um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) dimensiona a distância que separa a academia do mundo
real. Apenas 7% das empresas no país recorrem à universidade. Nos países da
Europa esse número é quatro vezes maior.
A carioca Patricia Bozza, especialista em
inflamações: sua meta é formar novos cientistas. |
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Além de uma visão
mais pragmática da ciência, há outros pontos que unem o trio revelado no
levantamento da Capes – e eles ajudam a esclarecer os caminhos para o
sucesso acadêmico. Primeiro, depreende-se de sua trajetória a lição do
esforço (sim, todos varavam madrugadas em laboratórios e começaram a
aventurar-se como jovens cientistas ainda na graduação). Os três têm
ainda em comum passagens por universidades estrangeiras, o que lhes
proporcionou contato com alguns dos melhores especialistas do mundo em
suas respectivas áreas. De volta ao Brasil, até hoje eles se beneficiam
da experiência. Eis o exemplo do médico Mauro Teixeira, referência
mundial na pesquisa sobre processos inflamatórios, que se graduou na
UFMG e fez doutorado |
na Universidade de
Londres.
Ele não só mantém vivo o intercâmbio acadêmico com pesquisadores de
diferentes nacionalidades que conheceu em sua temporada fora do país – o
que claramente o ajuda a distinguir-se da média – como acabou descoberto
por empresas estrangeiras. Foi recentemente contratado por uma companhia
suíça para desenvolver um remédio para tratar a arteriosclerose. Ganhará
pelo trabalho 120.000 reais, quantia 40% mais alta do que a que recebe
hoje por ano como pesquisador da UFMG. Resume Teixeira: "Cientista
brasileiro precisa ser contorcionista". |
Os especialistas são
unânimes ao afirmar que a ciência brasileira carece de dois fatores básicos
para que avance: mais investimento e um sistema de distribuição de verbas
capaz de incentivar os melhores pesquisadores. Na comparação internacional,
o Brasil aparece em 37º lugar num ranking que mede quanto cada país gasta
com pesquisa: apenas 0,8% do PIB, no caso brasileiro, bem menos do que
outros países emergentes, como a Coréia do Sul, que destina à ciência 3% de
seu PIB. O segundo problema é que pesquisadores como Gazzinelli e Teixeira,
reconhecidos entre os mais influentes cientistas do mundo, recebem salários
semelhantes aos de pesquisadores que, do ofício, só preservam o título.
"Para o Brasil se tornar mais competitivo, precisa superar a visão
corporativista e atrasada de que o meio acadêmico é uma grande família",
afirma Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Os efeitos negativos
disso se refletem na produção acadêmica. Embora o país tenha melhorado em
alguns dos indicadores (veja quadro), os brasileiros ainda são bem menos
citados em publicações de relevo acadêmico do que os pesquisadores de países
como a China e a Índia: o Brasil ocupa a 22ª posição nesse ranking.
Nesse cenário,
surpreende o fato de a carioca Patricia Bozza ter-se tornado, com apenas
40 anos, uma das mais influentes farmacologistas do mundo. Formada pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), ela conta histórias
típicas da vida de qualquer cientista no Brasil, como os meses em que
passou à espera de um reagente, cujo pedido exigiu assinatura em cinco
vias, ou os leilões dos quais participou para comprar algumas das
máquinas que usa em sua pesquisa. Sobreviveu a tudo com um feito
extraordinário no currículo: Patricia desvendou um método para medir o
grau de evolução de diferentes tipos de inflamação, fundamental para o
diagnóstico e o tratamento de doenças. Com uma passagem de quatro anos
pela Harvard Medical School, nos Estados Unidos, onde completou o
doutorado, ela relevou esses e outros obstáculos ao tomar a decisão de
retornar ao Brasil. Como seus colegas de ranking, Patricia é menos
científica ao explicar sua escolha: "Acredito que a ciência brasileira
vá avançar". Ao divulgarem seus trabalhos e formarem novos pesquisadores
no país, Patricia, Gazzinelli e Teixeira dão sua contribuição para isso. |
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O médico Mauro Teixeira: ele conseguiu
vender sua pesquisa à iniciativa privada. |
Fonte: Rev. Veja, Camila Antunes, ed. 2021,
15/8/07.
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