NOTAS DA DIRETORIA DO ANDES-SN
I
Carreira, remuneração e
liberdade sindical:
Se, nos anos de chumbo da ditadura, o cerceamento à organização sindical era explícito e foi, bravamente, enfrentado pelos movimentos docentes, em suas associações, hoje o governo intervém na esfera específica da atuação sindical de maneira menos explícita, por meio de cooptação de lideranças e por regulamentações que, na prática, pretendem estrangular o espaço do sindicalismo autônomo e combativo. A edição da MP 431, em junho de 2008, caracterizou ato no sentido deste cerceamento, que a história, certamente, há de analisar e preservar em seus anais como dos mais deletérios praticados pelo atual executivo federal. Travestida como simples medida de reajuste salarial, segundo algumas lideranças e todos os grandes meios de comunicação, embute, na verdade, profundas mudanças no modo de gerenciar o serviço público, que, a médio prazo, podem ter conseqüências seriíssimas. Ademais, pretende manietar a atuação de quaisquer movimentos reivindicatórios, determinando, por até 5 anos, os valores nominais da remuneração dos servidores federais, a despeito de todas as incertezas, colocadas mais contundentemente nos últimos meses, a respeito da evolução inflacionária e isso, sem que perdas salariais passadas tenham sido repostas. A interferência mais séria sobre o serviço público federal é a estrutura de contrato de gestão por metas pré-definidas, que a MP e o PL nº 021/08, dela resultante, pretendem impor aos servidores do executivo federal. Se esta estrutura, quando aplicada no setor privado, com metas quantitativas centralmente determinadas, já demonstrou amplamente sua inadequação, mesmo em se tratando de produtos materiais, a queda na qualidade de atendimento público, em geral, será dramática. A Nota 2, anexa,“MP 431, contratos de gestão e acordos de metas”, desenvolve esta análise de modo mais profundo. A presente Nota atém-se, especificamente, às questões relativas às carreiras docentes que o instrumento legal pretende introduzir e às conseqüências daí resultantes. O movimento docente organizado no ANDES-SN, historicamente, vem analisando condições para o adequado desenvolvimento da Educação Superior neste país, que extrapolam, em muito, as simples questões salariais, como demonstram os documentos construídos, em especial, o “Caderno 2 do Andes” e o Plano Nacional de Educação: proposta da sociedade brasileira, para o qual o sindicato contribuiu de maneira decisiva. Depreende-se, de lá, que a adequada estruturação da carreira docente é fator determinante para o desenvolvimento positivo das atividades, no sentido de que sejam cooperativas e não focadas em uma ascensão individual predatória, especialmente danosa no ambiente educacional. Como corolário, a análise indica a isonomia salarial e a existência de uma carreira única de todos os docentes do mesmo sistema, submetida a regras claras e consensuadas, que levem em conta a especificidade da atuação docente. Na contramão destas análises e em contraposição aos objetivos sempre declarados pelo ANDES-SN, a MP 431, define três novas carreiras, além de uma em extinção, sendo: uma específica, a carreira do Magistério Superior (CMS), sem muitas alterações em relação à atual quanto à estrutura; outra, mista, a do Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (CMBT), que tem as maiores alterações; e, a terceira, específica dos docentes subordinados ao Ministério da Defesa, que se restringe ao ensino básico. Agredindo o próprio significado do termo “opção”, premidos pela perspectiva de uma situação, historicamente consolidada, de que não há possibilidade real de permanência em uma carreira “em extinção”, os professores da carreira de 1° e 2° grau foram forçados a se sujeitarem a tomar uma decisão, sem que, ao menos, o trâmite legislativo daquilo a que eles foram compelidos a aderir tivesse terminado. Mais dramática, ainda, configura-se a situação daqueles lotados em colégios de aplicação das universidades e dos Cefet que não aderiram à proposta dos IFET, pois os instrumentos legais em trâmite lhes suscitam inúmeras dúvidas. Em particular, se muitos já se dedicam ao ensino em cursos de graduação e pós-graduação, por terem a qualificação acadêmica para tanto, artigos do PL concernentes ao assunto deixam margem para variadas interpretações. Embora aparentem semelhanças, as duas carreiras vinculadas ao Ministério da Educação (MEC) diferem de modo a facilitar a introdução de modificações na estrutura remuneratória que as façam divergir. Por ora, o mecanismo já presente para tal é a separação de uma parte, denominada Retribuição por Titulação (RT). No futuro, deve-se considerar a possibilidade de que o governo pretenda substituir as Gratificações Específicas (GEMAS e GEDBT) por outras que dependam da “produção”, medida, de forma quantitativa, por índices numéricos, como já foi feito para a absoluta maioria das outras carreiras de que trata a MP (ver Nota 2 sobre a MP431). De fato, as semelhanças entre as duas carreiras mencionadas resumem-se a uma possibilidade de correlação imediata entre os vencimentos básicos, que não serão reajustados até 2012, e que, já hoje, constituem parcela bem abaixo da metade da remuneração total; para estes é possível fazer a correspondência, inclusive os valores em centavos, por exemplo: Aux.2 e D I.2; Assis.4 e D II.4; Adj.1 e D III.1; Adj. 4 e D III.4; e ambos os cargos de titular. Além disto, em ambas as carreiras foram criadas novas classes no topo, a de associado e a de D V, respectivamente. Entretanto, se, a depender da titulação, na CMS, o docente concursado entra em classe específica, na CMBT, ele, necessariamente ingressa na classe e no nível mais baixo, independentemente de sua titulação, e levará muito tempo, já que é determinado um interstício de 18 meses em cada nível até ascender à classe mais alta. Há, assim, um desestímulo à titulação na CMBT. Um grande vício da RT, em ambas as carreiras, é que ela se refere a valores numericamente fixos e não incorporados ao vencimento básico, sendo, em particular no caso do regime DE, a parcela maior do vencimento. Em não havendo mais uma correspondência em porcentagem do vencimento básico, a RT pode ser manipulada à vontade, de acordo com os “incentivos” que o executivo queira proporcionar. Assim, embora para a maioria dos níveis, os valores da RT não se diferenciem nas duas carreiras sob análise, já agora há significativas diferenças no topo, neste caso, com valores maiores sendo destinados à CMS. Quanto às “gratificações” (GEMAS e GEDBT), chamam a atenção os valores relativamente baixos e pouco diferenciados, constituindo, no caso dos regimes em DE, menos de 20% da remuneração total, com contraste marcante em relação às demais carreiras de que trata a MP431/08. Novamente, há igualdade para as duas carreiras, a menos das duas classes do topo, onde, neste caso, os valores superiores estão destinados à CMBT. Claramente, isto foi intencional, embora, por enquanto, a soma total, acabe sendo a mesma, para as duas carreiras. A análise desta estrutura, no contexto das outras iniciativas do executivo, no sentido de uma ampliação de vagas no ensino superior (não na educação superior de qualidade socialmente referenciada), sem o devido acréscimo no financiamento, permite antever que a “educação” a ser oferecida nos IFET acabe por assemelhar-se mais a um treinamento, para o qual titulação docente e vivência em pesquisa seriam luxos inapropriados. Mais grave ainda, pelos objetivos explícitos quanto a formação de professores da área das ciências nestes locais, tal visão do conhecimento, em vez de regredir a partir do ponto, já dramático, verificado na Educação Básica, provavelmente ainda se aprofundará. Como apenas gratificações e retribuições têm sido reajustadas, o fosso entre vencimento básico e remuneração total cresce ano a ano, colocando insegurança sobre as categorias do funcionalismo público federal, em particular, a dos docentes. O PL nº. 021/08 ainda tramita pelo Senado, entretanto não há sinais de que será substancialmente modificado. Na presente forma, a RT será “considerada” no cálculo de aposentadorias e pensões, expressão cujo significado precisa ser melhor especificado. Pelos argumentos apresentados, se não houver atenção e mobilização da categoria sobre as questões apontadas, o desvirtuamento ainda maior daquilo que, hoje, já se mostra inadequado, pode significar o fim da educação superior nos moldes preconizados pelo ANDES-SN: como direito universal de acesso ao conhecimento crítico acumulado pela humanidade e como instrumento de desenvolvimento pessoal e coletivo. A categoria, por certo, muito haverá a cobrar daqueles que, pretensamente em seu nome, ousaram apor à proposta do MEC o seu aceite, como aconteceu na farsa montada pela pseudo-entidade Proifes e pela CUT em fins de 2007 na consolidação daquilo que viria a se tornar a MP 431.
Diretoria do ANDES-SN Brasília, 14 de agosto de 2008
II MP 431, contratos de gestão e acordos de metas
Condicionar atividades humanas a metas quantitativas de “produção”, centralmente determinadas, desconsiderando possibilidades efetivas destas metas serem alcançadas com a devida qualidade, costuma resultar em ações robotizadas por parte de quem as executa. Há evidências fortes de que, neste caso, tais contratos de gestão, pactuados simplesmente entre um poder central e dirigentes, desencadeiam prejuízos ao trabalhador, que abdica da essência de sua condição humana, e, também, ao produto de seu trabalho, mesmo em se tratando de objetos materiais. Muito pior é a situação quando a atividade visa a produzir efeitos imateriais, como é o caso dos chamados “serviços”, em particular os da esfera pública. Partindo-se da concepção de que as atividades desenvolvidas pelos servidores constituem essencialmente um serviço do Estado, posto à disposição da população no sentido da garantia dos direitos constitucionais, fica inconcebível atrelar a execução de suas tarefas a metas quantitativas. Contudo, as últimas iniciativas de alguns Executivos, pertencentes às três esferas de governo, têm primado pela tentativa de dirigir a gestão pública exatamente segundo tais preceitos. Em particular, a MP 431/08, recentemente aprovada na Câmara dos deputados, por meio do PLV 021/08, estabelece um tipo de relação entre o executivo federal e os servidores da administração direta, das autarquias, como as universidades, e os das fundações públicas, como se, de fato, correspondesse a um contrato de gestão, segundo metas quantitativas. Desta forma, são desrespeitados os interesses maiores da população e, em última instância, comprometido o futuro da própria nação. Neste sentido ainda, as leis 11.739 e 11.740, ambas de 16 de julho de 2008, são extremamente elucidativas quanto ao tipo de gestão que também o MEC pretende impor às duas “redes” federais de ensino superior: foi criado um número elevado de cargos efetivos de administradores, e outros gerenciais, no topo da carreira dos técnico-administrativos. O texto da primeira destas leis, que diz respeito às universidades, simplesmente transforma 1.075 cargos existentes segundo as “novas” necessidades. Por exemplo: foram extintos, entre outros, 310 cargos de auxiliar de laboratório e 240 de mestre em edificações e infra-estrutura e criados cargos administrativos, sendo, 280 para administradores, 65 para economistas, no topo, e mais 190 para assistentes em administração.No caso da lei 11.740/08, que criou 3.780 novos cargos efetivos, ficou estabelecido que cada unidade descentralizada agregada a um IFET, dentro da nova conceituação para a “educação profissional e tecnológica”, deve contar com um administrador, um contador, um jornalista e, surpreendentemente, com um auditor. Todas estas providências oficiais significam uma clara inflexão na gestão destas duas “redes”, viabilizando a efetiva implantação de moderna sistemática de controle por aferição do cumprimento de metas, de acordo com a qual as novas funções administrativas, e provavelmente também de divulgação, ganham terreno em relação às atividades-fim, desempenhadas pelos docentes e técnicos, nas áreas de conhecimento especificas à atividade da instituição. Ademais, o administrador ocupa seu cargo por tempo indefinido, tornando-se, pois, depositório de informações privilegiadas e da história da instituição, enquanto o diretor, transmutado em Reitor-adjunto ocupa seu cargo por 4 ou, no máximo, 8 anos. Quem será o verdadeiro dirigente da unidade? Ao configurar como política de Estado algo que não passa de política de governo, impondo a todos os órgãos e instituições federais que se pautem, em estrita obediência, por metas pré-determinadas, permitindo, apenas, que cada órgão detalhe sua execução, a qual será monitorada externamente, ano a ano, o governo Lula da Silva pretende impor a vigência de suas propostas para além do período de sua gestão. Além disso, pela análise do conteúdo do Capítulo II da MP 431, que trata das avaliações de desempenho, com reflexos diretos e imediatos sobre carreira e remuneração do servidor federal, é possível constatar que o atual governo Lula da Silva tentou garantir que metas, objetivamente mensuráveis, quantificáveis, engendradas nos vários ministérios e em outros órgãos centrais, sejam efetivamente implementadas no serviço público, adequando-o aos marcos regulatórios e produtivistas de orientação internacional. Vale notar, que as conseqüências da lei, cuja votação está sendo finalizada no Senado, para além de todas as outras implicações, já analisadas pelas entidades dos servidores federais, em particular o ANDES-SN, podem ser ainda mais perversas do que as observadas no caso genérico do atrelamento a contratos de gestão: está sendo instituída uma vinculação direta da remuneração do servidor ao “desempenho”, não apenas aquele individual, mas, principalmente, o do órgão ou instituição no qual o servidor está lotado, desempenho este avaliado em termos de metas numéricas definidas, o que, quase certamente, levará a desvios de conduta, individuais e coletivos. Tomando, como exemplo, a situação de um servidor com nível superior, enquadrado no Plano Geral de Cargos do Poder Executivo federal, detalhado na lei, verifica-se a base de tal hipótese: bem mais de metade de sua remuneração está atrelada a gratificações, de acordo com metas quantitativas, que lhe permitem obter um máximo de 80 pontos, se o órgão conseguir cumprir todas, e, adicionalmente, um máximo de 20 pontos, se, dentro do panorama geral, o particular servidor for bem avaliado. Seu vencimento básico, de julho de 2009 a julho de 2010, será de apenas R$ 1.259 ou de R$ 1.746, a depender de ele encontrar-se no início ou no topo da carreira; entretanto, obtendo os 100 pontos “disponíveis”, a remuneração total transformar-se-ia em, respectivamente, R$ 2.989 ou R$ 4.355. A luta será feroz. Complementando, precisa ser destacado que ao servidor que tiver sido aposentado antes de 2004 aplicam-se apenas 50 pontos deste total, descaracterizando totalmente a paridade. Há 53 mil servidores ativos e, ao todo, 123 mil aposentados nesta carreira geral do Executivo federal. A carreira com o maior número de servidores em atividade é a dos técnico-administrativos em educação, com 100 mil trabalhadores, vindo a seguir a da Previdência, da Saúde e do Trabalho, com 82 mil ativos. A mesma lógica produtivista aplica-se a esta carreira; entretanto os vencimentos são ainda mais baixos do que aqueles destinados ao Plano Geral. Esta lógica, com a mesma distribuição da pontuação entre desempenhos, do órgão e individual, repete-se para praticamente todas as 16 carreiras atingidas pela MP 431: o vencimento básico representa, em geral, menos da metade da remuneração total. O mínimo da pontuação, que no texto original da MP foi definido como de apenas 30 pontos, pareceu inadequado até, mesmo, ao relator da Câmara dos Deputados, Geraldo Magela do PT, e, em sua proposta, foi aumentado para 50 pontos, mas nem, mesmo, isto foi aprovado. Vão vigorar os trinta pontos originais. No caso das duas carreiras docentes ligadas ao MEC, a distorção, que é verificada quando o vencimento básico não corresponde à maior parcela da remuneração, também se apresenta; contudo, diferentemente das demais, por ora, as “gratificações específicas” (GEMAS e GEDBT) aparecem como valores definidos, sem atrelamento a um sistema de pontos, e em valores relativamente baixos. Vale, porém, notar que foi instituída uma “Retribuição por Titulação”, em ambas as carreiras, que corresponde à parcela maior e exerce o papel discriminatório. Ela é ligeiramente mais alta na carreira do Magistério Superior e é nela que reside a maior diferenciação entre os regimes, em particular, entre o regime de dedicação exclusiva e o de 40 h. É necessário chamar a atenção para o fato de que, não mais sendo os acréscimos de remuneração, devidos à titulação e ao regime de DE, calculados como percentuais adicionais ao vencimento básico, a nova forma de remunerar o trabalho docente possibilita toda sorte de manobras futuras para adequar os “incentivos” e as “retribuições” aos desígnios de particular gestão do governo federal. As carreiras docentes vinculadas ao MEC, a do Magistério Superior e a que virá a ser do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, contam hoje, respectivamente, com 47 mil e com 15 mil, docentes ativos, e com 27 mil e com 8 mil, aposentados. Dada a organização em IFET e a intenção do governo de produzir, também neste sistema, uma significativa expansão, a análise permite antever que, em especial nesta nova carreira, a meta seja admitir em regime sem DE e sem ênfase na titulação. Neste cenário, não deve ser descartada a possibilidade de que haja a pretensão de introduzir uma gratificação acoplada a pontuações nas duas carreiras, resgatando a filosofia que permeia toda proposta. Neste caso, estaria reinstituída a diferenciação pretendida com a GED e a GID, que o movimento docente conseguiu praticamente neutralizar com as ações que promoveu, também internamente às instituições. Neste contexto, é essencial enfatizar que tanto o Acordo de Metas do Reuni, assinado pelos reitores em março do presente ano, pretensamente em nome das universidades federais, quanto o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), que está sendo elaborado a toque de caixa nos 38 IFET, são instrumentos já formatados para aperfeiçoar a gestão por contrato de metas quantitativas, aplicadas, no caso, também ao setor do ensino. Caso este procedimento se efetive, aprofundará o fosso, já existente, entre o papel que deveria ser desempenhado pela educação pública, com relação ao desenvolvimento da nação, e a realidade que se apresenta. O ensino básico público, em particular também o do Estado de São Paulo, onde metas são impostas às escolas, é um bom exemplo daquilo que não pode ser imitado.
Diretoria do ANDES-SN Brasília, 14 de agosto de 2008
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