Nota pública do ANDES-SN sobre a
Reforma da Educação Superior

 

O ANDES-SN defende com todas as suas forças o direito de todos os que possuem um rosto humano à educação pública, gratuita e de alta qualidade em todos os níveis. Mais do que um intangível bem público, a educação é um dever do Estado. É inadmissível, para o ANDES-SN, que o mercado seja convocado pelo governo federal para garantir esse direito humano fundamental. O mercado nunca socializou direitos e jamais poderá fazê-lo. A educação superior somente poderá ser assegurada a todos os milhões de jovens que a reivindicam – apenas 9 em cada 100 jovens de 18 a 24 anos estão matriculados em alguma instituição de ensino superior, destes menos de 3 estão em uma instituição pública – por meio de políticas públicas estatais. 

A defesa da tese de que o setor privado é “notoriamente mais eficiente” e que, portanto, a expansão deverá ter como eixo o fortalecimento das instituições particulares, por meio de parcerias entre o setor público e o privado (Parceria Público-Privada, PROUNI, Inovação Tecnológica, Documento II, Educação Profissional), apagando as distinções entre as esferas pública e privada é, para o ANDES-SN, o principal tema de discussão da agenda educação superior. 

Os docentes da educação superior representados pelo ANDES-SN entendem que a manifestação do povo no pleito eleitoral de 2002 corrobora uma agenda em favor da educação pública. Como protagonista das lutas antineoliberais das últimas décadas, o ANDES-SN contribuiu ativamente para a elaboração de alternativas às políticas educacionais neoliberais – participando das lutas do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública por uma LDB democrática e dos Congressos Nacionais de Educação em favor da construção do Plano Nacional de Educação da Sociedade Brasileira. Por meio de árduas lutas, combateu as tentativas de desregulamentação da autonomia encaminhadas por Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso. Todos aqueles que protagonizaram essas ásperas lutas têm a expectativa de que um amplo e democrático processo de discussão empolgue as instituições, os sindicatos, as entidades acadêmicas e os movimentos sociais do país e que, como resultado desse amplo debate, seja possível promover as profundas transformações que a educação brasileira necessita e reivindica. 

A Andifes promoveu importantes seminários temáticos em todo o país e elaborou suas propostas. O mesmo fizeram, em diferentes níveis, UNE, Fasubra, Contee, Sinasefe, CNTE, ABC e SBPC e diversos Conselhos Universitários. O MST discute, há mais de uma década, um projeto educacional para o campo. O ANDES-SN colocou em debate o seu Projeto para a Universidade Brasileira. Há significativos pontos de convergência entre essas proposições, mas também marcadas diferenças. Com democracia e, por conseguinte, com base no princípio de que esta requer direitos sociais e maior controle social da economia, as forças sociais que defendem a educação pública seguramente não irão se furtar a construir, em nome da nação brasileira, consensos que permitam a expansão do ensino superior público e de qualidade, o que requer políticas públicas que permitam a real democratização do acesso a esse nível de ensino em uma perspectiva de universalidade. 

Em nome dos milhões de jovens que sonham com o direito de acesso e permanência à educação superior e, mais amplamente, do povo brasileiro que pode ter sua vida melhorada com mais e melhores universidades públicas, o ANDES-SN envidará todos os seus esforços para não permitir que seja perdida essa oportunidade histórica em que a educação superior é repensada. O maior obstáculo para essa profunda transformação da educação superior reside no conteúdo e no método adotados pelo governo de Lula da Silva. Com efeito, o pressuposto fundamental de que a ampliação da oferta tem como eixo o setor privado, beneficiado por contratos de parcerias público-privadas, não levará à sonhada revitalização do setor público. Ao contrário, debilitará as instituições públicas que se esvaecerão na mesma intensidade do apagamento das fronteiras entre o público e o privado, como quer o Executivo ao tratar toda a educação como um etéreo bem público ou um interesse social sem os verdadeiros adjetivos: público e privado. 

Também o método compromete o necessário processo democrático. O exercício da democracia requer que as negociações sejam verdadeiras, o que pressupõe que todas as questões relativas ao futuro da educação superior sejam colocadas em discussão e não apenas o instrumento que lhes servirá de arremate final, como é o caso do Documento II “Reafirmando compromissos...”. Não há democracia se não é possível discutir os conceitos básicos das ações governamentais. Está em curso um conjunto de medidas que compõe um todo, constituído, em suas linhas gerais, além do referido Documento II, pelo PROUNI, pelo projeto de Inovação Tecnológica, pelo projeto de lei orgânica da educação profissional e tecnológica e pelo SINAES. 

De fato, o Executivo Federal colocou em marcha a sua controversa política para a educação superior como um fato consumado, com base no mote: “o governo tem de governar.” Não casualmente, reivindicou o uso generalizado de medidas provisórias. O ANDES-SN espera, sinceramente, que a defesa da crença de que a “soberania popular (está) expressa no Programa de Governo”, como quer o referido Documento II, seja apenas um deslize conceitual. Com efeito, o programa de governo não pode instituir uma nova ordem acima da constituição; somente o povo é portador de direito constituinte. A campanha salarial em curso é um importante contra-exemplo de procedimento que tem de ser abandonado. Impor uma alternativa contra as Assembléias Gerais, rompendo com princípios fundamentais da entidade, como a paridade entre os ativos e os aposentados, não é uma atitude de quem aposta na democracia. 

É necessária a criação de um espaço de discussão que inclua, além dos referidos instrumentos, a discussão das medidas heteronômicas criadas após 1988 que bloquearam o gozo efetivo da autonomia universitária. Igualmente, urge reverter, radicalmente, o laissez faire que caracteriza o funcionamento e a expansão de instituições privadas. Somente atendendo a consistentes condições prévias estabelecidas pelo Estado – não passíveis de serem reduzidas a indicadores pontuais que acabam legitimando a existência de instituições que comprometem a credibilidade do sistema de ensino superior – podem as particulares atuar na educação superior. É importante destacar que o atendimento aos critérios públicos é condição prévia para que uma instituição privada possa fazer jus ao status de universidade e, por conseguinte, para a autonomia universitária. 

O ANDES-SN propugna que o MEC tome para si a tese de que o eixo da expansão das vagas é o ensino público e gratuito e de que as polpudas verbas públicas que seriam repassadas para o setor privado, por meio das parcerias público-privadas, materializadas no PROUNI e no Documento II, sejam aplicadas nas instituições públicas, com o propósito de ampliar a oferta, um requisito necessário para democratizar o acesso em uma perspectiva universal. 

A década de 90 foi um período de democracia de baixa intensidade, incapaz de ampliar a esfera pública frente à esfera privada regida pelo mercado. A educação foi ainda mais privatizada e, cada vez mais, comodificada. As desigualdades educacionais entre os ricos e os pobres aumentaram drasticamente, assim como entre os países do G-7 e a periferia do capitalismo. Como sustentou Florestan Fernandes, para reverter esse trágico quadro, é necessário um novo ponto de partida. As proposições do Banco Mundial para a educação superior fracassaram em toda parte e é preciso superá-las e não recauchutá-las. Lamentavelmente, essas proposições continuam oprimindo os cérebros dos autores dos referidos projetos fundamentados nas PPP. Todo o esforço político do ANDES-SN nas assembléias, colóquios, mesas e nas ruas, estará dirigido para a concretização das condições para que a educação superior pública possa estar no rumo da universalização, na direção oposta à sua perversa mercantilização.  

Diretoria ANDES-SN
26 de agosto de 2004.


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