TRANSIÇÃO
O nó górdio da educação
 

Victor Gentilli

O professor Newton Lima Neto costuma dizer que a educação brasileira é um drama. Ele tem toda a razão. O professor Newton foi um dos formuladores da proposta de governo para a educação do governo Lula. E atributos não lhe faltam. Graduado e pós-graduado em Química, foi presidente da AdUfscar (Associação dos Docentes da Universidade Federal de São Carlos) e logo em seguida da Andes (ainda não era Sindicato Nacional, era apenas Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior). Mais tarde, foi reitor da UFSCar, eleito pela comunidade acadêmica e nomeado pelo ministro da Educação. Aí tornou-se presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino, a entidade dos reitores das universidades federais). Hoje, é prefeito de São Carlos, pelo PT, claro.

O professor Newton Lima Neto fez uma conferência, seguida de debate, na terça-feira, 19 de novembro, numa iniciativa da Faculdade Salesiana de Vitória chamada Sala do Conhecimento.

Para ele, que já esteve em todos os lados do balcão, o drama da educação é aparentemente sem saída. O governo Lula deverá fazer com que o drama tome dimensões menores, mas não poderá fazer milagres. Os dados do ensino básico, fundamental e médio, divulgados recentemente pelos jornais, são terríveis e assustadores.

Mais da metade dos alunos que fizeram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) obtiveram conceitos insuficientes. Significa que mais da metade daqueles que conseguiram acesso a esse nível de ensino não conseguem, por exemplo, ler um texto e compreender o seu significado.

Mas vamos aqui ficar apenas com o ensino superior, ou terceiro grau, como Newton Lima Neto às vezes se refere. A média de população entre 18 e 24 anos que freqüenta ensino superior nos Estados Unidos é praticamente de 100%. É de 30% na América Latina. É de 11% no Brasil, segundo Newton. Conforme o programa de governo do PT, é de 7,7%.

Penso eu: portanto, para o PT, não se pode nem pensar em deixar de oferecer um curso por falta de mercado de trabalho. Isso é uma inferência minha, repito, mas parece ser o raciocínio de Newton Lima. Em outras palavras, não se pode negar um direito usando como justificativa a ausência de outro direito: não se pode negar ensino superior à população com a justificativa de que não há emprego. Se o direito ao emprego infelizmente ainda não pode ser um direito universal do brasileiro, tal circunstância não pode, em hipótese alguma, justificar a falta do direito à educação. Superior, também, por que não?

Aliás, o mesmo raciocínio já serviu para negar o voto ao analfabeto no Brasil. Por não ter tido o direito à educação, negava-se o direito à participação política pelo voto.

Sem autorização

Newton Lima critica duramente o ministro Paulo Renato pelo descaso com que tratou a universidade pública em seus oito anos como dirigente máximo da educação brasileira. Mas sabe, claramente, que nos próximos quatro anos os recursos, na melhor das hipóteses, farão com que a oferta de vagas nas universidades públicas dobre, multiplique por dois. A meta é que o ensino público ofereça, no fim da década, 40% da oferta de vagas no ensino superior.

Este foi um tópico vetado pelo presidente Fernando Henrique no Plano Nacional de Educação, que o PT considera fundamental. E, de fato, é fundamental.

Meta dificílima de alcançar. Tanto que uma das prioridades do novo governo e substituir o atual Financiamento Estudantil, conhecido como FIES por um Programa Social de Apoio ao Estudante, para o estudantado das instituições privadas e Programa Nacional de Bolsas Universitárias, para o estudante carente de instituição pública. Nenhum desses programas contaria com recursos provenientes das parcelas legalmente destinadas pela Constituição à educação.

Este programa de apoio ao estudante foi debatido pela equipe que formulou o programa de governo com a ABMES (Associação Brasileira das Mantenedoras do Ensino Superior) e, em certa medida, é uma demanda da entidade.

Afinal, hoje, a média de inadimplência é de 30%. Uma média de 30% significa algumas instituições ou cursos com 15% de inadimplentes, outras com 45%, por exemplo. Como o FIES é insuficiente e incapaz de suprir a demanda dos inadimplentes, a proposta deste programa vem atender a esta necessidade.

Isso significa que a chiadeira de integrantes da equipe de transição nos jornais da semana passada e a ameaça de não reconhecer as novas autorizações do MEC parecem mais um reflexo político da tensão maior que o processo de transição de governo enfrenta do que uma ameaça de fato.

É verdade que a SESu enrolou-se ao mudar o sistema e acabar com as comissões de especialistas, e hoje há mais de 2.600 pedidos de autorização de novos cursos pendurados na burocracia do MEC.

Mas é fato também que todos estes pedidos vêm de faculdades isoladas, em geral novas.

Os grandes já alcançaram o status de universidade, como a Unip, do grande amigo de ACM João Carlos Di Gênio, a Estácio de Sá do Rio de Janeiro, cujo proprietário considera pesquisa uma bobagem, a UniverCidade, do Ronald Levinsohn – aquele que se notabilizou no caso Coroa-Brastel –, a Uniban e tantas outras. Há quem diga que até bicheiros conhecidos de São Paulo são donos de universidades

Se o MEC atender ao pedido do PT, são essas que vão deixar de contar com concorrentes. Elas podem criar cursos e ampliar vagas sem pedir autorização.

Fonte: Observatório da Imprensa – nº 200.

 

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