Nem tão africanos assim
Em
palestra em São Paulo, o norte-americano Alan Templeton explica por que
combate a teoria de que o homem moderno descende de um único grupo
originário da África. Segundo ele, hipótese se baseia em estudos que não
respeitaram preceitos do método científica Todos descendemos de um único grupo de Homo sapiens que, há cerca de 130 mil anos, migrou da África para a Europa e para a Ásia, eliminando outras espécies de hominídeos. Essa é uma das hipóteses mais aceitas sobre a origem do homem moderno. Mas essa teoria, conhecida como out of Africa (“saída da África”), é falha e não segue os preceitos do método científico, de acordo com um dos principais cientistas na área de genética de populações e de evolução, o norte-americano Alan Templeton, da Universidade Washington em Saint Louis, Estados Unidos. De acordo com o geneticista, o problema com a teoria – também conhecida como hipótese da substituição – é que, embora seja compatível com os dados genéticos disponíveis, ela não inclui testes estatísticos que permitam desconsiderar outras hipóteses, como o surgimento simultâneo do Homo sapiens na Ásia. Templeton explicou seu ponto de vista no último sábado (29/3), na palestra A evolução humana nos últimos 2 milhões de anos: genes, apresentada no evento Revolução Genômica e organizada pela revista Pesquisa Fapesp no parque do Ibirapuera, em São Paulo. Segundo o pesquisador, a troca de material genético entre as populações é mais antiga do que a primeira leva de migração a partir da África. E não houve um processo de isolamento, mas uma miscigenação na troca desses genes. Ou seja, no lugar da substituição, houve um cruzamento do material genético desses povos. “Os africanos e eurasianos não eram simplesmente fragmentos separados, há evidências de que eles estavam geneticamente ligados. A hipótese mais compatível é de cruzamento entre homens da África e da Eurásia, e não que os da África arrasaram os da Eurásia. As populações da África dominaram os nossos genes, mas há a influência das trocas entre esses continentes. Nossos genes vieram de todas as partes”, disse Templeton à “Agência Fapesp”. Para provar sua teoria, o norte-americano desenvolveu uma técnica de análise genética que reúne grupos por proximidade genética e geográfica, e um método próprio que integra conhecimentos da biologia molecular, estatística, arqueologia e paleontologia. “Quando combinamos a genética, a arqueologia, a paleontologia e a antropologia, temos muito mais detalhes sobre a evolução humana. Elas se complementam, se integram. Nós precisamos de todas as fontes de informação para entender a evolução humana”, disse. O geneticista lembra que o estudo por meio dos genes das origens humanas começou efetivamente em 1987, com os trabalhos de uma equipe dirigida por Alan Wilson, na Califórnia. De acordo com o grupo, a mãe de todos os homens modernos seria uma “Eva” negra que teria vivido na África há cerca de 200 mil anos, e cujos descendentes teriam progressivamente ocupado o resto do mundo. Procedimentos questionáveis A pesquisa baseou-se na análise do DNA mitocondrial (transmitido aos descendentes apenas pela mãe) de 147 pessoas de diferentes regiões geográficas do mundo. A conclusão é que a mulher, conhecida como a “Eva mitocondrial”, que teria dado origem ao homem moderno, seria uma africana que viveu há 150 mil anos. Para Templeton, o ponto mais crítico desse trabalho é que o DNA usado nas amostras analisadas foi retirado das mitocôndrias e não do núcleo das células humanas. O DNA mitocondrial é menor e não se recombina, como ocorre com o do núcleo. Só que ninguém provou até agora, segundo ele, que esse tipo de DNA de um homem é capaz de refletir a árvore genealógica de uma população ou de toda a humanidade. “Eles simplesmente assumiram isso como verdade, ou seja, um procedimento altamente questionável. Mas esses métodos nunca provam que as coisas são verdadeiras. É mais fácil provar que é falso. Eu provo o que está errado, esse é o limite”, disse. O erro desse estudo, segundo Templeton, foi não levar em consideração uma infinidade de alternativas. O programa de computador usado era perfeito, mas somente quando aplicado na análise de seres mais simples. Diante da complexidade do DNA humano, a máquina simplesmente não consegue alcançar todas as possibilidades, e acaba gerando resultados ilusórios, destacou. Como teste, o cientista usou o mesmo programa com os mesmos dados moleculares do DNA. Mudando a ordem dos dados, ele obteve uma origem asiática para o homem. “Se o processo for repetido aleatoriamente, certamente se chegará também a origens européias ou a outros resultados”, disse. A hipótese de que, após deixar a África, entre 100 mil e 50 mil anos atrás, o Homo sapiens eliminou outras espécies sem deixar descendentes não se confirma, uma vez que o material genético dos seres humanos atuais deveria ter origem exclusivamente africana. Ao analisar 25 trechos do material genético de populações atuais de diferentes partes do mundo, Templeton constatou que alguns desses trechos apresentavam contribuição de ancestrais que viveram na Ásia, em um período anterior a 130 mil anos atrás, antes de o Homo sapiens deixar a África pela primeira vez. A partir da tese da coalescência (fusão), as misturas genéticas que foram mapeadas por ele levantam fortes indícios de que os grupos humanos que povoaram sucessivamente o planeta souberam, pelo contrário, misturar-se uns com os outros, dando origem a populações mestiças das quais “todos nós derivamos”. Para o pesquisador, os dados mostram que há quase 2 milhões de anos o Homo erectus deixou a África pela primeira vez, rumo à Ásia. Depois dessa primeira migração, ocorreram mais duas, há 650 mil anos e há 130 mil anos. Cada nova leva encontrava, no caminho, as populações mais arcaicas que haviam migrado antes. E se misturava com elas. A tese de Templeton indica o quanto é arbitrário o conceito de raça, uma vez que o conceito não é biológico, mas cultural. O paleontólogo afirma que, do ponto de vista estritamente biológico, as diferenças de cor, estatura e feições são meros detalhes. “Os nossos genes vêm de todas as partes. O histórico dos genes é mais antigo do que o histórico das populações”, afirmou.
Fonte: Ag. Fapesp, Alex S. Alcântara, 1/4/2008.
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