João Ubaldo Ribeiro
"Não agüento a cara deles"
|
Totalmente desencantado com os políticos brasileiros,
o escritor baiano não consegue sequer assistir
aos debates eleitorais na tevê |
A
poucos dias do segundo turno das eleições presidenciais, o escritor baiano
João Ubaldo Ribeiro, 65 anos, ainda não sabe o que vai fazer quando estiver
frente a frente com a urna eletrônica. Quem lê seus artigos sabe que ele
tornou público o seu descontentamento com o presidente Lula, a quem ajudou a
eleger em 2002. “Não posso negar minha desconfiança de que Lula não é tão
verdadeiro quanto quer fazer parecer”, diz ele. João Ubaldo tampouco
considera a possibilidade de votar no tucano Geraldo Alckmin por total falta
de afinidade ideológica. A saída óbvia seria o voto nulo, mas o escritor
reluta: “Tenho espírito cívico.” Esse desencanto com o quadro político
brasileiro é a tônica de seu novo livro, A gente se acostuma a tudo (Nova
Fronteira), que reúne crônicas publicadas nos jornais O Globo e O Estado de
S. Paulo. Nessa entrevista a ISTOÉ, João Ubaldo fala de política, realça a
angústia de enfrentar diariamente a criminalidade carioca e revela como se
livrou do alcoolismo: “Deixei de beber por causa da reza.”
ISTOÉ – Já decidiu em
quem vai votar para presidente da República?
João Ubaldo Ribeiro – Eu não tenho em quem votar. Estou numa situação que me
deixa exasperado porque tenho senso cívico. Minha posição é pública e devo
dizer que agora estão inventando a moda de que Lula é um voto de esquerda.
Esse pessoal que vive falando de esquerda pertence a uma área meio
indefinida dos intelectuais, não faz idéia do que se seja isso.
ISTOE – Por quê?
João Ubaldo – Em primeiro lugar, Lula disse que não é de esquerda. Em
segundo, o que ele fez de esquerda em seu governo? Aí vem uma gente que se
acha cheia de razão e fala: você está por fora, você não sabe do plano que
está montado para um segundo governo. Ninguém esculhambou mais Fernando
Henrique do que eu. Agora, vamos botar o dedo em certas feridas. Não estou
julgando ninguém e muito menos condenando. Tampouco estou fazendo acusações.
Mas tem muita gente que armou uma boquinha de subsídio e financiamentos com
o PT e não quer que o governo mude.
ISTOÉ – O que o faz
criticar o governo Lula tão duramente em suas crônicas?
João Ubaldo – Eu estou, como a maioria dos brasileiros, com uma enorme
frustração em relação ao candidato em quem eu votei. No começo do governo,
eu apoiei e defendi Lula. Encontrava gente na rua querendo que eu o
esculhambasse e dizia: é muito cedo, vamos dar uma oportunidade ao homem.
Defendi Lula até na Europa. O problema não foi somente a corrupção não,
foram todas as grandes bobagens e erros do governo.
ISTOÉ – Como os seus
leitores reagem?
João Ubaldo – Tenho recebido e-mails dizendo que Lula fez um governo
extraordinário. Eu fico de queixo caído quando leio isso. Uns me chamam de
reacionário. Só não podem dizer, porque a documentação é púbica, que eu
elogiei Fernando Henrique. Cheguei a escrever que se ele (Fernando Henrique)
entrasse na academia (Academia Brasileira de Letras) eu não ia mais lá. Não
sou o único que tem razão no mundo, posso estar inteiramente sem razão. Mas
esse negócio de dizer que a opção de esquerda é Lula, ora vá para a...
ISTOÉ – O sr. viu o
debate?
João Ubaldo – Eu me recusei. Não agüento ver a cara deles.
ISTOÉ – Não teve
vontade de pelo menos conhecer a plataforma do candidato Geraldo Alckmin?
João Ubaldo – Não quis ver porque ele não tem.
ISTOÉ – O que esperava
de Lula?
João Ubaldo – Ele foi um presidente constitucionalmente eleito, não assumiu
o poder à testa de uma revolução. Então, o que ele pode fazer é muito
limitado. Inclusive, disse isso quando era hora de defendê-lo. O que vocês
querem que ele faça? Ele não é um ditador, foi eleito e tem de obedecer aos
limites constitucionais, que são difíceis. Mas o que não se esperava foi o
que aconteceu durante esse governo todo.
ISTOÉ – Refere-se às
acusações de corrupção?
João Ubaldo – Eu não comecei as críticas nem pela corrupção. Foi pelo
próprio governo dele, depois pintou a corrupção e eu critiquei também. O que
eu esperava de Lula era, em primeiro lugar, um programa político, um
programa de ação, que não há. O País não tem objetivo, é uma coisa pintando
aqui, outra ali. Não existe nem projeto e nem sequer um slogan que motive,
como “cinqüenta anos em cinco” ou como “a nova fronteira”, como houve lá nos
Estados Unidos.
ISTOÉ – Mas o que o
sr. esperava de fato?
João Ubaldo – Esperava que Lula partisse para um combate duro e esperava
votar nele na reeleição. Esse combate duro seria por uma reforma agrária
decente, uma reforma tributária decente, uma reforma administrativa decente.
Ele fala da educação, mas vá ao Fundão (onde se localiza a Universidade
Federal do Rio de Janeiro), de onde minha filha graças a Deus saiu. Minha
filha, no mesmo lugar onde circula estuprador, assaltante, matador. Assim
como a Saúde, que Lula diz que melhorou. Ora, vamos botar um limite nessa
conversa, eu não vou ficar ouvindo isso.
ISTOÉ – O sr. nem
chegou a considerar a possibilidade de votar no candidato do PSDB?
João Ubaldo – É uma coisa difícil, para mim, votar no Alckmin. Não por ele
pessoalmente, que nem conheço. Ele não me representa. Eu não tenho
candidato, eu não tenho em quem votar. Eu e milhões de brasileiros.
Fonte: Rev. IstoÉ, Eliane Lobato, 18/10/2006. |