Multiversos
Nosso Universo pode ser apenas um entre muitos numa sopa cósmica
Um exemplo famoso é o da gravidade: a lei da gravitação universal de Newton explica como uma maçã cai no chão e a órbita de planetas e cometas em torno do Sol. Que a queda de maçãs e a órbita de planetas resultem dos mesmos princípios físicos ilustra o poder e a mágica da ciência. A teoria de Newton, assim como todas as outras, usa "constantes fundamentais", números que regem o comportamento das forças e dos sistemas físicos, dos elétrons às galáxias. Existem apenas algumas constantes fundamentais. Uma delas é a constante gravitacional, "G", que estabelece a intensidade da força gravitacional; outra é a carga do elétron, "e", que estabelece a intensidade mínima da força elétrica entre objetos. Todas as constantes fundamentais têm seus valores medidos em laboratório. Físicos são ambiciosos; gostam de explicar tudo o que podem. Será possível construir uma teoria que explique o valor das constantes fundamentais? A possibilidade é sedutora. Em vez de simplesmente usarmos os valores de "G" e "e" medidos no laboratório, poderíamos explicar por que têm os valores que têm. Seria uma espécie de metateoria, a teoria que explicaria todas as outras teorias. Durante as duas últimas décadas, nosso conhecimento do Universo teve um salto. Sabemos qual a sua idade (cerca de 14 bilhões de anos) e sua geometria (plana, com 1% de precisão); sabemos que está em expansão acelerada, embora não saibamos qual é a causa dessa expansão. Uma das suas conseqüências, no entanto, é a criação de "horizontes". Dado que a velocidade da luz, "c", outra constante fundamental, é a velocidade máxima com que informação pode viajar, num Universo com um tempo finito de vida podemos apenas receber informação de uma porção limitada do espaço: fontes de luz além desse horizonte passam despercebidas. O mesmo ocorre com pessoas à beira-mar, que não podem ver além do horizonte. O Universo estende-se muito além do que podemos medir. Outra conseqüência da expansão cósmica é que, muito perto da origem do tempo, o universo era minúsculo, com proporções comparáveis às de um átomo. A física que descreve átomos é bem diferente da física do dia-a-dia. Elétrons nunca ficam parados: sua posição e, conseqüentemente, sua energia, flutua o tempo todo. Se o cosmo tinha dimensões atômicas, obedecia às mesmas leis; sua energia também flutuava. Flutuava tanto que poderia até gerar outro Universo. A imagem usada é a de uma sopa de Universos, o nosso sendo apenas um deles. Portanto, além do nosso horizonte, podem existir outros Universos. O conjunto desses Universos, o metauniverso, é o que chamamos de multiverso. É possível que as constantes fundamentais tenham valores diferentes em cada um deles. O nosso seria um exemplo em que os valores "deram certo", quer dizer, que permite que a vida seja possível. E em outros universos? O nosso é um caso especial? Ainda não sabemos. A metateoria que explica as propriedades do multiverso está nos seus primórdios. Seria bom se pudéssemos ter algum modo de testá-la. Só então metafísica poderia virar física.
* Marcelo Gleiser é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo".
Fonte: Folha de S. Paulo, 21/1/2007. |