Multiplicando Competências

 

Entenda o conceito de metacapacitação

Metacapacitação é uma divisão metodológica ainda pouco abordada na Educação Superior. O conceito se refere à possibilidade de oferecer uma formação educacional que não privilegie apenas o conhecimento técnico ou científico, mas que também atue no desenvolvimento de diferentes competências sócio-profissionais - que estão ligadas não só ao domínio operacional da profissão, mas também a um melhor desempenho nas relações sociais do trabalho e a uma visão mais ampla e crítica do mercado em que se vai atuar.

No Brasil, a discussão desse tema teve iní cio na década de 1990, em torno das novas tecnologias e das suas conseqüentes transformações no mercado de trabalho. "Essa reflexão vai impactar na Educação, no sentido de organizar os currículos do Ensino Superior não mais em disciplinas, mas em competências , para acompanhar esse novo perfil de trabalho", afirma a Mestra em Educação e assessora pedagógica do Centro Universitário Senac Rosemary Roggero.  

A participação dos educadores e da sociedade nesse processo gerou a cobrança por políticas e ações públicas, que culminaram numa atualização das diretrizes curriculares ainda naquela década. "Mas ainda restou e resta uma dúvida: como vamos trabalhar isso pedagogicamente? Porque a sala de aula é sempre um laboratório. Por mais que se tente aproximar essa situação da realidade, ela nunca vai ser a situação concreta do mercado de trabalho." 

 

A grande influência na resposta dessa questão vem do sociólogo suíço Philippe Perrenoud, pioneiro de idéias sobre profissionalização de professores que levam em consideração a prática pedagógica e a avaliação dos alunos por meio de competências. O trabalho do sociólogo afetou as reformas educacionais por que o Brasil passou no final da década de 1990, com a intenção de desenvolver nos alunos as capacidades necessárias para compreenderem e atuarem criticamente no mundo em que vivem.  

Hoje, o docente está inserido num contexto em que crescem tanto a preocupação dos alunos com empregabilidade e inserção no mercado quanto a cobrança da sociedade pela formação de profissionais críticos, capazes de mover transformações sociais. Para responder a essas demandas, os professores precisam entender a necessidade de promover uma capacitação mais generalista, que não privilegie somente o ensino de uma disciplina específica, mas que também proporcione aos alunos uma visão ampla da sua atuação profissional. Veja no quadro ao lado algumas das competências cobradas pelo mercado que podem ser trabalhadas no seu plano pedagógico:

Metacapacitação 


No Ensino Superior, a idéia de "metacapacitação" refere-se à possibilidade de oferecer uma formação que não contemple apenas o conhecimento técnico-científico, mas que também se preocupe em abordar as seguintes competências sócio-profissionais:  

  • Redimensionamento do Pensamento Lógico-Abstrato: Visão generalizada e holística do processo de trabalho, criatividade e capacidade de resolver problemas

  • Comunicação e linguagens do Mundo Contemporâneo: Habilidade de compreender e se situar numa rede de comunicação e informação, conhecimento de outros idiomas, fluência da língua materna e domínio dos códigos relacionados às novas tecnologias

  • Trabalho em equipes multidisciplinares, multifuncionais e virtuais: Superação da especialização em prol de um novo tipo de relacionamento interprofissional capacidade de intercâmbio de informações, processos e conhecimentos transdisciplinares formação de equipes para desenvolver projetos específicos (equipes virtuais) e vocação para uma liderança educadora e servidora, que vá além da simples capacidade de mando

  • Capacidade de adaptação à mudança: Desenvolvimento do pensamento estratégico para identificar tendências, necessidades e potencialidades, com foco especial à responsabilidade social, resistência ao estresse da mudança profissional constante e capacidade de transitar por áreas afins.

Fonte: "A Idéia da Metacapacitação", Professora Rosemary Roggero,
Revista Ensino Superior, edição 95.
 

Levar esses conceitos para a sala de aula pode não ser uma tarefa fácil. A professora do setor de Educação da UFPR (Universidade Federal do Paraná) Acácia Zeneida Kuenzer também acredita que o docente do Ensino Superior deve adotar o ponto de vista de que apenas oferecer domínio teórico e conhecimento científico e tecnológico aos seus alunos não é suficiente: "é preciso estimular o aluno para que tenha uma atitude de compromisso com a transformação da sociedade, passando pela solidariedade e pelo pensamento crítico das estruturas de trabalho". Mas ela alerta para o fato de que as diretrizes curriculares da formação de professores até então têm sido opostas às demandas do mundo contemporâneo. "O docente tem que reconhecer que ser professor do Ensino Superior exige, além do constante resgate da formação na sua área específica, o estudo também constante da ciência especializada da educação."  

Segundo a professora, buscar cursos de atualização, criar estratégias de educação continuada e, principalmente, participar ou cobrar a existência de um espaço formativo de docentes dentro da universidade onde trabalha são maneiras de adaptar as práticas pedagógicas às novas tendências do mercado. "O professor não se educa refletindo sobre a sua própria prática, porque dessa maneira ele não escapa do senso comum. É preciso reforçar a necessidade dessa reflexão ser mediada pelo conhecimento teórico", afirma Kuenzer. 

 

A professora de Educação da UFPR Noela Invernizze, que é parceira de pesquisa da professora Acácia Kuenzer e também trabalha com formação de educadores, percebe na sala de aula as dificuldades de preparar os alunos para as múltiplas - e por vezes inesperadas - cobranças do mercado de trabalho: "muitos dos meus alunos que já estão atuando na área se sentem despreparados para enfrentar situações como violência doméstica, drogas e desemprego, problemas que atingem as comunidades em que trabalham. Além de tudo eles lidam com os salários baixos e com o pouco reconhecimento social do educador".  

Com a intenção de garantir que as perspectivas do curso sejam mais adequadas à realidade do mercado, os professores e coordenadores da UFPR estão trabalhando em uma reformulação do seu projeto pedagógico, para incluir no currículo disciplinas que façam uma contextualização social da educação.

"É muito difícil você formar um professor porque hoje a cobrança é que ele também seja um psicólogo, um assistente social. Os pais e a sociedade repassam toda essa responsabilidade para a escola", afirma a professora.

O olhar do docente sobre o mercado - Segundo a assessora pedagógica do Senac, o projeto pedagógico é uma ferramenta fundamental e de importância ainda pouco reconhecida na gestão estratégica dos cursos do Ensino Superior: "o projeto é o que relaciona o perfil de profissional que a instituição quer formar, as exigências curriculares do MEC e a realidade do mercado regional". Roggero atenta para o fato de que, quando o professor tem uma visão engessada dessa realidade, o aluno que já está atua na área se sente à margem das demandas do mercado, e não consegue associar as situações que vivencia no trabalho ao conhecimento que produz em sala de aula.  

Nesse contexto, a coordenação do curso também é uma peça importante para oferecer uma metacapacitação que seja contextualizada com as exigências reais de cada profissão. "Os coordenadores têm que cuidar para que o mercado não seja uma coisa da qual um professor está consciente e o outro não. Cabe a eles promover uma unidade dessa visão, e isso também tem que constar no projeto pedagógico", diz Rosemary. 

No curso de hotelaria do Senac, o professor de Planejamento Estratégico e gerente geral do Grande Hotel Senac São Pedro (hotel-escola do curso) Paulo Melega tenta guiar suas práticas profissionais de maneira a privilegiar não apenas o ensino técnico da sua disciplina, como também uma visão generalizada do negócio em hotelaria e das capacidades necessárias para geri-lo. Em suas aulas, ele costuma utilizar estudos de caso do mercado de trabalho, para estimular seus alunos a resolver problemas reais por meio de soluções inovadoras. 

Com a intenção de fixar conceitos teóricos - que muitas vezes já foram "poluídos" pela visão parcial que o aluno tem quando já atua no ramo hoteleiro -, o professor propõe que os estudantes apliquem a teoria aprendida em casos vindos de outras áreas - como utilizar conhecimentos de marketing e estratégia para resolver problemas da indústria, por exemplo. "Os professores deviam ter a visão do curso em que trabalham como um todo. As disciplinas não são gavetas independentes. É preciso haver uma ligação entre elas, a partir do trabalho conjunto de 2 ou 3 professores". Apesar dessa convicção, Melega afirma encontrar dificuldades na articulação do corpo docente em torno de atividades interdisciplinares. "Dá bem mais trabalho pensar sobre todo o curso do que apenas sobre a sua disciplina, e os professores infelizmente não têm essa preparação. Acredito que isso não deveria ser optativo, deveria ser uma diretriz educacional das instituições de ensino".  

A coordenadora do curso em que Melega atua, Renata de Andrade Alves, conta que desde 1999 a coordenadoria tem trabalhado progressivamente na implantação de um viés transversal de empreendedorismo no curso de hotelaria, que venha a influenciar todas as disciplinas. Esse pensamento deve funcionar no sentido de promover uma formação menos técnica e mais baseada nos comportamentos e atitudes necessários para obter sucesso no mercado de trabalho. Ela explica que a coordenação promove reuniões semestrais para envolver os professores do curso em projetos interdisciplinares - como por exemplo um estudo da viabilidade financeira de implantação de negócios hoteleiros, que articulou professores de todas as disciplinas do curso. "Nosso objetivo é, com isso, formar um aluno gerador de novos negócios, que construa a sua vida profissional a partir da vivência da universidade", afirma Alves.

 

Fonte: UniversiaBrasil, 25/09/2006.


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