Muito dinheiro e pouca explicação
Investimentos sociais Qual o argumento de José Múcio? A exploração desse detalhe seria instrutiva. Também para a educação se prevê a destinação obrigatória de uma parcela do Orçamento, mas sem vinculação direta com um tributo. A história toda fica mais enrolada quando a receita reestimada é bem maior que a anteriormente prevista – e o governo alardeia um "excedente do superávit primário" e promete aplicá-lo num fundo soberano até hoje mal explicado. A própria noção de "excedente", nesse caso, deve ser uma licença poética: só haveria sobra de excedente primário, de fato, se o dinheiro fosse mais que suficiente para cobrir as despesas financeiras do ano. Nesse caso, o resultado nominal seria superavitário, como foi no primeiro trimestre, mas não nos últimos 12 meses. Os jornais têm conseguido, em alguns assuntos, ir além das declarações oficiais e oferecer ao público um bom contraponto informativo. Qualquer leitor razoavelmente atento deve ter notado, nos últimos dias, o noticiário sobre a difusão dos aumentos de preços. Um bom exemplo foi a matéria do Estadão de domingo (18/5), com o título "Inflação se espalha e atinge 61% dos itens do IPC-Fipe". Nem a velhinha de Taubaté, nesta altura, leva a sério a tese da inflação do feijãozinho, defendida há algumas semanas pelo ministro da Fazenda. Mas a imprensa continuou devendo, até o último fim de semana, uma boa matéria sobre os programas sociais do BNDES, as ações correspondentes à última letra da sigla. Para atender ao desenvolvimento social, o banco deve ter – supõe-se – linhas de crédito para investimentos em escolas, transporte de estudantes, centros de saúde e infra-estutura de saneamento. Governos estaduais e prefeituras podem fazer muita coisa útil com esse dinheiro. Talvez façam. Mas o BNDES entrega recursos a organizações não-governamentais, como indicaram as investigações sobre o possível envolvimento do deputado Paulo Pereira da Silva, líder da Força Sindical, em desvio de recursos do banco. Para quê? A Força e o FAT Investigações e provas são necessárias para se decidir se o deputado cometeu alguma falta. Autoridades terão de cuidar do assunto. Mas a imprensa, além de acompanhar o caso, poderia ir mais fundo no exame das políticas sociais do BNDES, um tema quase inteiramente desconhecido. Seria preciso mostrar as formas de acesso ao dinheiro, os critérios de concessão, as condições de financiamento (há, por exemplo, operações a fundo perdido?) e os agentes qualificados para pleitear a ajuda. Quais dessas condições foram preenchidas pela organização dirigida pela mulher de Paulo Pereira da Silva? O BNDES é um banco estatal e opera com recursos públicos. O Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) é parte desse dinheiro. A revista Veja trouxe dados interessantes sobre a influência da Força Sindical na gestão do FAT, mas há muito mais para ser contado. A mera explicação de como funcionam as operações do BNDES com prefeituras e, de modo especial, com ONGs já seria uma excelente contribuição e renderia uma história provavelmente muito divertida.
Fonte: Observatório da Imprensa, Rolf Kuntz, 20/5/2008.
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