O movimento
que se dissolveu
O
que aconteceu com o movimento contra a guerra, que explodiu em 2003
mobilizando
Foi concebido, por assim dizer, como um golpe preventivo contra uma guerra que as pessoas instintivamente sabiam que estava baseada em um monte de mentiras. No dia em que a guerra começou para valer, as mobilizações contra ela desapareceram. Os cidadãos, desmoralizados pelo próprio fracasso, ainda não encontraram novamente a força para sair às ruas em grande número. Da mesma maneira, no quinto aniversário desta ocupação cruel e imoral, os dados que nos chegam desde o Iraque são dramáticos: mais de um milhão de civis mortos e outros tantos feridos, três milhões de refugiados nos países vizinhos, uma completa destruição das infra-estruturas sociais do país e uma balcanização evidente. Diante de tudo isto, é muda a resposta dos cidadãos da América do Norte e da Europa. Por quê? Não existe solidariedade com os iraquianos. São árabes, na sua maioria islâmicos: e a onda de islamofobia que varreu o mundo ocidental levou à desumanização daqueles que perderam a vida. A mesma coisa ocorreu quando o colonialismo europeu dos séculos XVIII e XIX conquistou o Magreb. As atrocidades cometidas pelos italianos na Líbia e o enforcamento público do líder rebelde Sheikn Mukhtar não provocaram nenhuma emoção na Itália. Os franceses deixaram passar tempo demais antes de começar a protestar contra a guerra da Argélia. Exemplos há muitos. A "febre civilizadora", hoje, assim como ontem, desmobilizou a opinião pública ocidental. Além disso, os grupos que resistem à ocupação no Iraque tendem a ser religiosos (também há outros) e os movimentos dos trabalhadores, progressistas de qualquer matiz, na Europa Ocidental, cada vez mais em crise, mostram-se indiferentes ao destino dos iraquianos - assim como se mostram indiferentes ao destino dos palestinos. Tudo isto, em boa parte é um reflexo de tudo quanto está ocorrendo no Ocidente. Porque, apesar de que nos últimos quatro anos praticamente não se pode dizer que existiu um movimento contra a guerra, a maioria dos cidadãos da América do Norte e da Europa ainda é a favor da retirada das tropas estrangeiras do Iraque: mas o poder político estabelecido não escuta suas vozes. Há uma crescente crise que representa a política do Ocidente. A democracia fica esvaziada de significado. Na campanha eleitoral norte-americana ambos os candidatos democratas se manifestaram publicamente pela retirada das tropas, mas, privadamente, tranqüilizam os militares confirmando que, na verdade, não pretendem retirar-se, mas precisam dizer isso porque as pessoas estão descontentes. Finalmente, nos Estados Unidos não existe um serviço militar obrigatório, o que faz com que a guerra não toque diretamente a maioria da população. As famílias dos militares contrários à guerra são um sério grupo de pressão. Em vez das tropas regulares, os Estados Unidos recrutaram mercenários de todo o mundo: cinco mil da Uganda, milhões de centro-americanos, sul-africanos e outros tantos que são pagos segundo o preço do mercado para combater no Iraque. Quem vai se importar se eles morrerem? É um risco que eles assumem para conseguir dinheiro e a cidadania norte-americana. Trata-se de um quadro sinistro que deveria motivar alguma reflexão entre os cidadãos do Ocidente.
Publicado originalmente no Il Manifesto
(Itália). * Tariq Ali, escritor, é membro do Conselho Editorial da revista espanhola Sinpermiso.
Fonte: Ag. Carta Maior, 23/3/2008.
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