Ministro no valerioduto
Os papéis mostram que em setembro de 2002 Mares Guia sacou R$ 507.134 da conta da Samos Participações Ltda., sediada em Belo Horizonte, e depositou o dinheiro direto na conta de Marcos Valério. Toda a transação aconteceu na agência Assembléia do Banco Rural em Belo Horizonte, a mesma onde funcionou a central de saques milionários destinados a alimentar os políticos mensaleiros. Detalhe: a Samos, de propriedade do ministro, tem como endereço a sua própria residência em um bairro nobre da capital mineira e foi aberta oito meses antes. A operação fez parte de uma triangulação montada para quitar uma dívida do então candidato a senador Eduardo Azeredo (PSDB) com Marcos Valério. O empresário que mais tarde viria a se tornar o patrono do mensalão havia ajudado Azeredo. Na semana anterior ao depósito, Marcos Valério desembolsara R$ 700 mil para silenciar Cláudio Mourão, ex-tesoureiro do PSDB que ameaçava denunciar o caixa 2 montado pelo PSDB em 1998, quando Azeredo tentou, sem sucesso, ser reeleito governador de Minas Gerais. Coordenador da campanha do tucano, Mares Guia entrou em cena para acertar com Valério. Para isso, pegou um empréstimo no Banco Rural em nome da Samos Participações, tendo o próprio Azeredo como avalista, e repassou os R$ 507 mil a Valério. O restante, quase R$ 200 mil, Mares Guia quitou em seguida. Com dinheiro vivo. Em outubro passado, ISTOÉ revelou o socorro de Marcos Valério a Eduardo Azeredo, o que acabou tirando do tucano a presidência do PSDB. Os documentos agora descobertos desmentem o ministro. À época, Mares Guia admitiu apenas ter tomado o empréstimo no Rural como um favor ao “amigo Azeredo” e negou enfaticamente que tivesse repassado o dinheiro diretamente a Marcos Valério. Aliás, disse que nem sabia que o empresário estava na jogada. “Eu não me envolvi com nada disso”, disse. Agora, à Polícia Federal, o ministro terá de explicar qual foi seu verdadeiro papel na história e, principalmente, de onde veio o dinheiro usado para acertar os ponteiros com Valério. Os investigadores já sabem, por exemplo, que o empréstimo tomado pelo ministro no Banco Rural foi quitado. Mas com dinheiro de outro empréstimo, tomado em outro banco. Tanto na Polícia Federal quanto no Ministério Público Federal, que também investiga as operações, paira a suspeita de que os empréstimos serviram simplesmente para mascarar dinheiro de caixa 2. Em suma, uma simulação sucessiva de empréstimos para arrumar os recursos que compraram o silêncio de Cláudio Mourão.
Tanta preocupação não adiantou muito. O esquema que Mourão ameaçou denunciar acabou vindo à tona e, por ironia do destino, pode complicar a vida do ministro. Os originais do dossiê estão hoje nas mãos da Polícia Federal, em Brasília, e revelam que estatais mineiras e empreiteiras que mantinham contratos com o governo estadual ajudaram a abastecer um caixa informal de mais de R$ 100 milhões na campanha tucana de 1998. O valor, quase 12 vezes superior aos R$ 8,5 milhões declarados por Azeredo à Justiça Eleitoral, está num relatório assinado por Mourão. Os documentos já foram periciados pela PF e tiveram autenticidade comprovada. De acordo com o dossiê, Mares Guia era um dos responsáveis por administrar o caixa dois e recebeu R$ 24,5 milhões “para pagamento de despesas diversas”. Em depoimento à PF, Mourão afirmou que Walfrido era o responsável pela distribuição dos recursos da campanha. Apanhado pelas investigações, o ministro poderá ter seus desejos políticos comprometidos. Ele sonhava, por exemplo, em ser escolhido vice de Lula na campanha pela reeleição – o presidente quer um companheiro de Minas Gerais, o segundo maior colégio eleitoral do País, e o nome de Mares Guia era uma opção, ainda que remota. Agora, se torna quase inviável. Inevitavelmente, as investigações em curso cairão nas mãos do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza. A ele caberá o destino do ministro. Mares Guia já recebeu a intimação para depor, mas por ser ministro tem direito a marcar hora e local. Na sexta-feira 3, Mares Guia explicou que fez o depósito na conta que lhe foi indicada pelo senador Azeredo.
Documentos: o depósito feito na conta de
Valério e o saque
Fonte: Rev. IstoÉ, Amaury Ribeiro Jr. e Rodrigo Rangel, 08/03/2006. |