Cursos de mestrado e doutorado, contrabandeados do Paraguai

 

São de qualidade duvidosa, não valem nada no Brasil, mas já
atraíram  mais de mil brasileiros para Assunção

 

Mais uma modalidade de contrabando vem chegando do Paraguai ao Brasil. Dessa vez, são cursos de mestrado e doutorado que estão atraindo brasileiros para cruzar a fronteira e obter diplomas de pós-graduação mais facilmente do que em uma universidade brasileira.

Pelo menos três empresas do Brasil fizeram associações com universidades paraguaias para mandar estudantes a Assunção e estão deixando arrepiados os técnicos da Capes.

Os cursos, feitos com aulas de quatro a seis semanas por ano, não valem nada no Brasil e, de acordo com a Capes, têm qualidade bastante duvidosa, tornando quase impossível obter o registro no País. Mas já atraíram mais de mil brasileiros para Assunção.

A Capes, que cuida dos programas de pós-graduação no Ministério da Educação, emitiu uma advertência sobre os programas no Paraguai, alertando para a falta de qualidade dos cursos e para a possibilidade de prejuízo dos alunos, inclusive financeiro, já que os cursos são pagos, e bem pagos.

"Está havendo uma pressão violenta para convalidar esses diplomas. Recebemos inclusive uma carta muito agressiva do reitor de uma das universidades depois do alerta que fizemos, mas não há a menor condição", disse o diretor de avaliação da Capes, Renato Janine.

"É um problema que está se alastrando como rastilho de pólvora", afirmou Janine.

A advertência brasileira foi confirmada pela própria ministra da Educação do Paraguai, Blanca Ovelar de Duarte, em entrevista ao jornal ABC Color.

"Existem programas no Paraguai sem qualquer qualidade", confirmou a ministra, defendendo que seja criado um sistema de avaliação, que hoje não existe naquele país.

Os programas para brasileiros têm como agravantes, ainda, o fato de terem aulas por, no máximo, seis semanas por ano, em janeiro e julho, e dadas apenas por professores convidados.

Os alunos praticamente estudam e fazem suas teses sozinhos, o que fere completamente as regras de qualidade da Capes.

Um professor brasileiro convidado a dar aulas em uma das universidades paraguaias chegou a Assunção com todo seu material em espanhol, acreditando que daria aula para paraguaios.

Lá, só tinha alunos brasileiros em um programa com centenas de alunos que nem sequer fizeram um teste de seleção. O professor, que prefere não se identificar, ficou assustado com a situação dos brasileiros.

"São pessoas bem intencionadas, que estão pagando por um curso que não tem a menor chance de ser aceito no Brasil", diz.

O ‘Estado de SP’ fez contato com três empresas que estão arregimentando alunos para os cursos paraguaios nas universidades Autônoma de Assunção, Americana e Universidad del Norte.

O representante de uma delas, a Universo, Isaías Régis, disse que não poderia falar sobre a legalidade dos programas e que esse era o papel da Capes.

Na Educare, que trabalha com a Universidade Americana, o responsável pela empresa informou que não seria possível responder às perguntas ainda ontem. Apenas Sandra Nicolau, do Instituto Internacional de Planejamento Educacional, defendeu os programas.

"É um sistema como qualquer outro, em que uma pessoa faz o mestrado no exterior e depois convalida os diplomas no Brasil. Isso é preconceito da Capes porque as universidades são do Paraguai e medo desses doutores que aumente o número de pessoas com título no Brasil", alega.

"A Capes quer fazer confusão. Os cursos são regulares, os diplomas aprovados pelo Ministério da Educação do Paraguai", diz ainda, informando que sua empresa estuda a possibilidade de processar a Capes por causa do alerta.

Diplomas não têm valor legal

Os mestrados e doutorados paraguaios vieram substituir outro problema que a Capes conseguiu controlar há pouco tempo: as associações irregulares entre instituições e empresas brasileiras e universidades estrangeiras que criaram uma leva de mestres e doutores no país com diplomas impossíveis de serem validados.

O esquema era semelhante ao paraguaio, mas ainda mais complicado.

Algumas universidades brasileiras, como a Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), no Rio Grande do Sul, ofereciam os cursos em parceria com instituições estrangeiras.

A cada semestre, um grupo de professores dessa universidade do exterior vinha ao Brasil para apenas algumas semanas de aulas e orientação dos trabalhos de conclusão, usando a estrutura física da instituição brasileira.

No final do curso, o aluno brasileiro ia ao exterior defender a sua tese. O diploma era concedido por essa instituição estrangeira, como se o curso fosse feito no exterior.

No entanto, essa modalidade híbrida, nem presencial nem a distância, não existe na legislação brasileira e um número de brasileiros não calculado - mas que ultrapassa algumas centenas - pagou alguns milhares de reais por um diploma que não tem nenhuma validade no Brasil.

Mercosul

"Esse problema conseguimos resolver depois de muito trabalho, mas agora isso foi mudado por essas associações com instituições do Mercosul, com o que as instituições vendem a idéia de que os diplomas são válidos por serem do Mercosul", disse o diretor de avaliação da Capes, Renato Janine.

Uma resolução da Capes de 2001 tentou controlar o esquema de diplomas inválidos, mas foram ainda alguns meses para que as instituições suspendessem os seus cursos.

Os diplomas passaram a ser analisados caso a caso pela Capes. A assessoria da Ulbra, a instituição que mais possuía programas dessa natureza, informou que todos eles foram suspensos a pedido da Capes assim que todos os alunos inscritos terminaram seus cursos.

 

Fonte: O Estado de S. Paulo, Lisandra Paraguassú, 06/04/2005

 


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