Ensino I
Medir, avaliar e premiar

 

O novo pacote de Lula para a educação promete resolver o atraso brasileiro de um
jeito sensato: premiando o mérito

 

Foto: Ricardo Stuckert/PR
Lula entre Calheiros, Chinaglia e Haddad: enfim, um plano para mais de um mandato 

 

Saiu, na semana passada, o pacote de 8 bilhões de reais a partir do qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva promete resolver em quinze anos o atraso secular da educação brasileira em relação aos países mais ricos. O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), concebido pelo ministro Fernando Haddad, abrange com 42 medidas todos os níveis de ensino – da pré-escola à universidade. Segundo especialistas de diferentes naipes ideológicos, seu principal mérito é implantar nas escolas públicas uma fórmula que deu certo em países de bom ensino: pela primeira vez, elas passarão a guiar-se por metas, às quais devem cumprir para receber mais recursos. Ao premiar a eficiência acadêmica, o governo cria um sistema para incentivar as escolas a dar um necessário salto de qualidade: de acordo com um ranking divulgado na semana passada pelo MEC, apenas dez dos 5.500 municípios brasileiros chegam ao patamar dos países desenvolvidos – o campeão é Barra do Chapéu, no interior de São Paulo (veja reportagem). Sobre o pacotão, restam ainda algumas indefinições. Cinco das medidas propostas precisam ser aprovadas pelo Congresso e outras carecem de detalhes, como a que trata do aumento do ensino técnico: nesse caso, falta dizer de onde sairá o dinheiro para dobrar as vagas. A seguir, a avaliação da viabilidade de sete medidas feita por especialistas ouvidos por VEJA.  

1. AVALIAÇÃO  

O QUE PROMETE O GOVERNO: criar a "Provinha Brasil", um teste para medir o desempenho dos estudantes da rede pública nas três primeiras séries do ensino fundamental – hoje a Prova Brasil, na qual o novo exame tem inspiração, é aplicada apenas a alunos de 4ª e 8ª séries. Ao avaliar as crianças mais cedo, poderá diagnosticar deficiências ainda na fase de alfabetização, a tempo de evitar o pior: a maioria dos brasileiros chega ao fim do ciclo fundamental sem saber ler.  

O QUE É PRECISO PARA DAR CERTO: as escolas devem usar o resultado da prova para traçar um projeto pedagógico que vá à raiz do problema – hoje isso não ocorre com outros exames do MEC.  

2. PREMIAÇÃO AO MÉRITO  

O QUE PROMETE O GOVERNO: dar mais dinheiro às escolas, aos estados e aos municípios que conseguirem elevar o nível de ensino. Para auferir o progresso acadêmico, foi criado o índice de desenvolvimento da educação básica (Ideb), indicador que sintetiza cinco dados objetivos sobre o desempenho escolar, entre eles os exames oficiais do MEC e a taxa de repetência. Escolas, estados e municípios receberão uma nota de zero a 10 no Ideb a cada dois anos. Por meio do novo incentivo, o governo espera que a média nacional suba dos atuais 3,8 para 6 (numa escala de zero a 10) até 2022. 

O QUE É PRECISO PARA DAR CERTO: estados e municípios devem usar o novo indicador como base para orientar as escolas na confecção de planos para melhorar o ensino.  

3. ENSINO TÉCNICO  

O QUE PROMETE O GOVERNO: dobrar o número de estudantes nas escolas de ensino técnico federal – o objetivo é chegar a 400.000 vagas até 2010. Formar profissionais de nível técnico, como quer o governo, foi uma das maneiras encontradas por países como a Coréia do Sul para massificar o ensino depois da educação básica.  

O QUE É PRECISO PARA DAR CERTO: os cursos devem afinar-se com as demandas do mercado de trabalho – hoje a maioria deles é despregada da realidade.  

4. SALÁRIO DOS PROFESSORES  

O QUE O GOVERNO PROMETE: oferecer em três anos um piso salarial de 850 reais a todos os professores, uma realidade ainda distante em estados do Norte e do Nordeste. A medida resultará em aumento de salário para 40% dos professores brasileiros em princípio de carreira.  

O QUE É PRECISO PARA DAR CERTO: nos casos em que o novo piso provocar o aumento dos salários, é recomendável que o MEC aplique uma prova para avaliar se os professores em questão têm domínio da matéria. Caso contrário, não merecem ganhar mais.  

5. ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS  

O QUE O GOVERNO PROMETE: trocar os atuais professores leigos por educadores com formação universitária. Eles receberão do MEC uma bolsa de 200 reais para dar aulas – hoje a maioria dos "professores" ligados ao programa oficial é de voluntários.  

O QUE É PRECISO PARA DAR CERTO: como o programa funciona por meio de ONGs, a quem o governo delega a tarefa de ministrar os cursos, o MEC deverá fiscalizar o cumprimento da nova regra.  

6. JORNADA ESCOLAR  

O QUE PROMETE O GOVERNO: esticar o período das crianças na escola por meio de atividades culturais e esportivas, medida que tem respaldo num sólido conjunto de pesquisas. Elas enfatizam ser a permanência na escola – mesmo fora da sala de aula – um fator positivo no desempenho dos estudantes.

O QUE É PRECISO PARA DAR CERTO: detalhar o projeto. Parece ter sido ignorado o fato de que a maioria das escolas públicas não dispõe de infra-estrutura básica e não se menciona quem ficará encarregado de dar as aulas extras.  

7. ENSINO SUPERIOR  

O QUE PROMETE O GOVERNO: dobrar as vagas nas universidades federais em uma década, até que absorvam 1,3 milhão de estudantes. Um detalhe: o número de professores não aumentará na mesma medida. Corrige-se com isso uma velha ineficiência dessas universidades. Em média, um professor universitário responde hoje por apenas dez alunos. Com o plano, passará a cuidar de dezoito estudantes.

O QUE É PRECISO PARA DAR CERTO: como cabe às universidades a palavra final sobre a abertura de vagas, o governo deverá convencê-las da medida. Ela afeta diretamente a vida dos professores – e por essa razão pode enfrentar resistências. Para sair do papel, espera ainda a aprovação do Congresso.

 

Fonte: Rev. Veja, Monica Weinberg e Marcos Todeschini, ed. 2006, 2/5/2007.

 

Ensino II
Luxo zero, ensino nota dez

 

Pesquisa mostra um fato surpreendente: as melhores escolas públicas do Distrito Federal
são também as mais pobres

Uma nova pesquisa sobre as escolas públicas do Distrito Federal chegou a uma conclusão que contraria o senso comum – e pode ajudar os pais a tomar uma difícil decisão: apesar de muita gente priorizar o conjunto de instalações e o estado do prédio ao optar por uma escola, esses são fatores que têm impacto modesto na qualidade do ensino ofertado em sala de aula. A pesquisa comprova isso por meio de um fato surpreendente: entre as dez escolas campeãs de ensino do Distrito Federal, segundo ranking do Ministério da Educação, sete não apresentam nenhum traço externo de modernidade. Ao contrário. São depósito de cadeiras sem encosto, acumulam goteiras e convivem com vidros (eternamente) quebrados. A mais pobre no grupo da excelência acadêmica, a escola 801 de Recanto das Emas é de longe o exemplo mais extremo: funciona em frágeis galpões de madeira, nos quais a temperatura no verão gira em torno de 40 graus Celsius – uma estufa sem direito a ventilador. A escola não tem sequer pátio para o recreio. Outras pesquisas já haviam encontrado bom ensino em meio a precariedades como as de Recanto das Emas. O mérito do atual estudo, conduzido pela Secretaria de Educação do Distrito Federal, foi mapear o que tais escolas têm em comum – e jogar luz sobre as soluções que elas dão à falta de recursos. Resume a secretária Maria Helena Guimarães: "As escolas campeãs apontam para o que de fato importa ao bom ensino".  

Um ponto que une as dez melhores escolas públicas do Distrito Federal é o foco que dão à leitura, um hábito raro entre os estudantes brasileiros – a maioria ainda apresenta dificuldade em chegar ao final de um bilhete, de acordo com os exames oficiais. Em Recanto das Emas, dá-se uma aula extra para exercitar nos alunos a capacidade de interpretar textos e contorna-se a pobreza do acervo local de modo simples: os professores emprestam seus livros aos estudantes. Eles adoram. "A melhor hora do dia é a da biblioteca", sintetiza Lucas Venâncio, 12 anos, da 6ª série. A experiência dessa e de outras escolas públicas do Distrito Federal enfatiza a eficácia de outra medida também rara na rede pública: a de se exigir de estudantes como Lucas a leitura de um número mínimo de livros por ano – prática ignorada pelos piores colégios do Distrito Federal, de acordo com o mesmo estudo. A definição de metas acadêmicas de uma forma mais geral tem demonstrado ser um motor para o sucesso escolar. Nas escolas campeãs, todos os professores seguem um detalhado roteiro para as aulas, estabelecido no princípio do ano. Faz-se o básico: com planejamento, não há lugar para o improviso, um hábito ruim em escolas como a 411 de Samambaia, entre as piores do Distrito Federal. Lá, os professores é que escolhem o que será assunto de sala de aula, sem se guiarem por meta alguma. "Ensino o que considero interessante aos alunos", diz a professora Nice Höhn. Não tem funcionado.  

A pesquisa do Distrito Federal chama atenção ainda para a eficiência de um tipo raro de escola no Brasil: a que aplica nas fronteiras acadêmicas alguns dos preceitos empresariais. É o caso das dez melhores escolas pesquisadas, nas quais o modelo de gestão tem pelo menos três características em comum. A primeira é que elas estão sob o comando de um diretor presente à vida escolar. O segundo ponto que as aproxima é a cultura de encontrar soluções caseiras para lidar com a crônica falta de dinheiro. Eis um exemplo: no ano passado, o geógrafo Marcos Antônio Farias, diretor em Recanto das Emas, liderou uma tropa de professores que foi aos vizinhos pedir doações para a construção de uma quadra esportiva. O geógrafo juntou mais dinheiro ao visitar, ele próprio, vinte empresas da região. O projeto logo saiu do papel.  

Por fim, as melhores escolas do Distrito Federal revelaram ser (quem diria) boas empregadoras. Seus professores têm cerca de cinco anos de casa – uma eternidade em comparação com a média nacional, de apenas um ano. O estudo esclarece o que os faz permanecer no emprego: eles recebem incentivos pelo bom desempenho dos estudantes em sala de aula. Em alguns casos, são presenteados com livros e material didático alternativo. Noutros, são aplaudidos em cerimônias públicas. Tudo simbólico. No fim do mês, ganham salários iguais aos do restante da classe. Conclui o especialista Claudio de Moura Castro: "A pesquisa traz mais uma prova de que o salário dos professores, assim como a infra-estrutura da escola, não é determinante do bom ensino". A excelência, como se vê, resulta de uma cartilha bem mais simples, aplicada à risca nos animados galpões de Recanto das Emas.

 

Fonte: Rev. Veja, Marcos Todeschini, ed. 2006, 2/5/2007.

 

Ensino III
Lição da roça
 

Barra do Chapéu, município campeão no novo ranking do MEC, dá uma aula de bom ensino

 

Foto: Jonne Roriz/AE
Alunos de Barra do Chapéu: dificuldades identificadas na primeira semana de aula 

 

O novo ranking que o Ministério da Educação (MEC) divulgou, na semana passada, revela que as melhores escolas públicas de ensino fundamental do país não ficam nas cidades mais ricas nem nas mais conhecidas, mas, sim, num município rural encravado no interior de São Paulo. Foi em Barra do Chapéu, onde apenas 25% das casas têm banheiro próprio e as ruas carecem de asfalto, que as crianças apresentaram desempenho nas disciplinas escolares comparável ao dos estudantes de países mais ricos. O fato é surpreendente – e bem-vindo – em meio a um péssimo resultado geral. (Outra reportagem desta edição, destaca o sucesso de escolas pobres do Distrito Federal.)  

De acordo com o MEC, enquanto a média alcançada pelos municípios foi de 3,8 – numa escala de zero a 10 –, o campeão Barra do Chapéu tirou nota 6,8. A avaliação tomou como base o índice de desenvolvimento da educação básica (Ideb), novo indicador que reúne dados objetivos de rendimento escolar. Uma das evidentes explicações para o sucesso de Barra do Chapéu é que o município cultiva, há cinco anos, um hábito que, só agora, o MEC promete difundir pelo país: nas escolas de lá, planeja-se tudo. Antes de prepararem o currículo para o novo ano letivo, por exemplo, as escolas submetem os estudantes a uma prova. Com base no resultado, fazem-se planos mais realistas. Resume a professora Neuza Ribas, secretária de Educação: "Professor sem meta de ensino é como cego em tiroteio".  

Outro fato que chama atenção sobre Barra do Chapéu é o pragmatismo diante das velhas mazelas da escola pública. Um exemplo: com as taxas de repetência beirando os 30%, índice de países africanos, decidiu-se esticar em uma hora o tempo dos alunos na escola. Eles ganharam aulas de reforço – e a repetência caiu para aceitáveis 5%. Numa rede de apenas 1.500 alunos, como a de Barra do Chapéu, tomar esse tipo de decisão é bem mais fácil. Prestar atenção na eficácia da medida, no entanto, pode ser esclarecedor aos municípios reprovados. O modelo implantado no interior de São Paulo enfatiza ainda a eficiência de parcerias com o setor privado e até com outras esferas públicas. Um convênio com a Universidade Estadual Paulista trouxe a Barra do Chapéu o primeiro curso de pedagogia. Ajudou a elevar o nível dos professores. Da Fundação Armando Álvares Penteado, faculdade particular de São Paulo, o município recebeu novas carteiras e computadores. Em troca, oferece estágios aos estudantes de lá. A fórmula funcionou em outros municípios aprovados pelo MEC – a maioria deles de São Paulo.  

No novo ranking oficial, nove dos dez municípios campeões de ensino são paulistas. O fato surpreendeu por um motivo: na Prova Brasil – outro medidor do MEC para aferir a qualidade do ensino nas escolas – não constava uma única paulistana na lista das melhores. Na semana passada, quando o governo divulgava o novo levantamento, aproveitou para avisar que havia feito uma revisão nos números da Prova Brasil. A razão oficial: erros causados por uma "falha técnica" nos computadores. Refeitas as contas, a cidade de São Paulo saltou da vigésima para a 12ª colocação entre as capitais. A divulgação do mau resultado de São Paulo na Prova Brasil, então governado pelos tucanos, foi um trunfo de Lula em plena campanha eleitoral. O novo ranking do MEC parece refletir melhor a realidade. Prova disso é o bom exemplo vindo de Barra do Chapéu.
 


O país das notas vermelhas

O que o novo índice da educação básica, do MEC, revelou sobre a educação pública nos municípios brasileiros  

• A média nacional foi de 3,8 – numa escala de zero a 10.  

• Dos dez municípios campeões em ensino, nove ficam no estado de São Paulo.  

• Apenas dez das 5.500 cidades brasileiras tiraram nota 6 ou mais – o patamar dos países desenvolvidos.
 

  

Fonte: Rev. Veja, Camila Antunes, ed. 2006, 2/5/2007.

 


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