MEC dá crédito para alunos de cursos reprovados

 

Não é só o programa Universidade para Todos (ProUni) que oferece bolsas para estudantes de baixa renda em cursos sempre reprovados no antigo Provão. O Financiamento Estudantil (Fies), programa de crédito educativo do Ministério da Educação (MEC), subsidia parte das mensalidades de alunos em faculdades que nunca tiraram sequer um conceito regular no exame. O procedimento vai contra portaria do próprio ministério, editada no ano passado para impedir que cursos de baixa qualidade recebam recursos públicos do Fies. O MEC divulgou na última sexta-feira que 531 estudantes foram selecionados e terão direito a empréstimos para estudar em 74 cursos reprovados nas últimas três edições do Provão, o que é proibido pela portaria ministerial.

No último domingo, o GLOBO revelou que 87 cursos sempre reprovados no Provão e no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) participam do ProUni, o programa que dá bolsas gratuitas a alunos de baixa renda em universidades particulares de todo o país.

O Fies é outra iniciativa do Ministério da Educação para abrir as portas do ensino superior a quem não consegue uma vaga em instituições públicas nem tem dinheiro para as mensalidades. Operado pela Caixa Econômica Federal, o Fies só é pago pelo estudante depois da formatura, com juros subsidiados. Enquanto ele estuda, o governo repassa às instituições títulos da dívida pública que servem para pagar dívidas previdenciárias.

Estudantes receberão financiamentos retroativos Os estudantes selecionados agora receberão financiamentos retroativos ao segundo semestre de 2005, em valor equivalente à metade do custo das mensalidades. Os 531 contratos irregulares representam 0,5% do total de 103.307 financiamentos oferecidos, segundo o MEC.

- Mais uma vez fica comprovada a deficiência dos mecanismos de controle de qualidade dos programas do governo. São 500 estudantes que acabarão tendo acesso a instituições de qualidade sob suspeita. O governo tem poucos instrumentos de controle e, se nem mesmo isso é utilizado, aí é liberdade total - diz o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Gustavo Petta.

O MEC divulgou que os contratos foram liberados por erro operacional e serão efetivados. O ministério anunciou, no entanto, que tomará providências para regularizar a situação. Uma das possibilidades seria remanejar os estudantes do Fies para cursos com avaliação positiva.

O secretário-geral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, entende que os contratos com cursos proibidos pela Portaria 3.220/2005 do próprio MEC devem ser anulados. Ele defendeu a punição dos responsáveis e apontou falta de coerência entre o discurso do ministério, que realça a importância da qualidade do ensino, e o que ocorre em programas como o Fies e o Prouni.

- O erro administrativo não gera direito. Se a administração pública reconhece o erro, tem obrigação de corrigi-lo imediatamente, revogando esses contratos firmados ao arrepio da portaria. É preciso também apurar responsabilidades e punir quem cometeu a falha. O MEC precisa acabar com a contradição entre seu discurso e a ação - diz Britto.

Levantamento do GLOBO com base nos resultados de anos anteriores do Provão mostra que pelo menos 35 cursos sempre reprovados no teste ofereceram vagas na última seleção do Fies, encerrada sexta-feira. A opção pelos cursos reprovados era informada na internet, na página do Fies.

Os 35 cursos foram reprovados não só nas últimas três edições do Provão, entre 2001 e 2003, mas em todas as anteriores. No caso das faculdades de direito, submetidas ao Provão desde 1996, isso equivale a oito reprovações consecutivas. O levantamento do GLOBO identificou seis cursos de direito nessas condições, mas nenhum consta na lista com o número de estudantes selecionados para o Fies e divulgada pelo MEC.

Ex-presidente do CNE pede mais eficiência O ex-presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) Éfrem Maranhão entende que o MEC deve articular melhor seus programas de acesso ao ensino superior com o resultado das avaliações oficiais. Ele lembrou, porém, que a falha não é novidade, uma vez que problemas semelhantes ocorreram no governo Fernando Henrique.

- É preciso que a máquina pública se aperfeiçoe. Os dados das avaliações devem ser utilizados - diz Maranhão.
 

Fonte: O Globo, 17/01/2006


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