MANIFESTO EM DEFESA DA
UNIVERSIDADE PÚBLICA
Nos últimos anos, diversas ações governamentais mudaram significativamente as condições da pesquisa científica brasileira. Usando como justificativas uma histórica carência crônica de recursos, uma participação tímida no cenário mundial, um pouco envolvimento da pesquisa com a sociedade e o fato desta estar restrita aos ambientes acadêmicos e institutos de pesquisa públicos, os últimos governos (e o atual) implementaram medidas tais como a lei de patentes, a lei inovação tecnológica, os fundos setoriais, as novas metodologias de avaliação da pós-graduação pela CAPES, entre outras. Essas medidas, ao invés de alavancar a pesquisa, reforçaram as desigualdades já existentes e pioraram as condições de trabalho dos docentes e pesquisadores. No lugar de expandir a pesquisa científica e tecnológica a todo território nacional, a concentração atual foi reforçada, tanto em termos de sua localização quanto do volume de recursos distribuídos. Ao invés de envolver a pesquisa com as necessidades da sociedade, esta tem sido cada vez mais direcionada ao mercado, que passou a ter grande poder de decisão sobre a destinação de recursos, mesmo públicos. Docentes e pesquisadores têm sido instigados a se transformar em empreendedores e a somente focalizar sua ação em trabalhos que tenham aplicação mercantil, na forma de patentes ou até mesmo de produtos. Essa profunda desresponsabilização do Estado e privatização que a pesquisa e a educação superior têm sofrido, estão contribuindo para a mercantilização do ensino e para o empresariamento do conhecimento, na medida em que os cursos instituídos e as pesquisas realizadas têm se voltado predominantemente para atender às demandas do mercado de uma sociedade capitalista, cujo valor maior é a acumulação e o lucro. A educação continua sendo um fator que contribui para o desenvolvimento social, econômico e político de um país. O investimento feito nessa área representa uma aposta no futuro e a possibilidade de reforço à autodeterminação de um povo que pode ter, por essa via - que representa a formação de quadros dirigentes e de produção de conhecimento, a independência vis-à-vis dos países desenvolvidos em relação à produção intelectual e tecnológica. O Plano de Desenvolvimento da Educação – parte do PAC para a área, todo regulamentado por meio de decretos, institui o REUNI que acena com um aumento de recursos, dos já existentes, de até 20% para as universidades federais que aderirem a esse contrato de gestão, que implica na essência, na quebra da realização de pesquisa, sobretudo a básica. Esse Programa se propõe a estimular a expansão do ensino superior na ordem de 100% dos ingressantes, de 200% das matrículas, além colocar como meta um índice de 90% de conclusão nos cursos. Para tanto deverá haver uma duplicação da relação professor/aluno, passando hoje dos supostos 1/9 para 1/18. O REUNI indica também um novo ordenamento organizacional, administrativo e pedagógico à universidade, flexibilizando o ensino, quebrando a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, oferecendo um bacharelado que de fato é uma graduação minimalista de 3 anos, cujo diploma será generalista, elitizando ainda mais a educação superior, na medida em que haverá após o tal bacharelado um novo processo seletivo para os cursos profissionais (medicina, engenharia, direito, licenciaturas e todos os demais), diminuindo as chances das classes populares permanecerem nessa nova etapa de formação. Para “coroar” o decreto 6.096/07 que institui o REUNI, foi baixada uma portaria normativa interministerial de nº 22/07 que cria o Banco de professoresequivalentes, que terá como conseqüências a flexibilização das relações de trabalho na universidade pública, a diminuição relativa do regime de Dedicação Exclusiva e, em decorrência destas, a diminuição do desenvolvimento de atividades de pesquisa. Na lógica empresarial de custobenefício, que está presente na Portaria, será mais lucrativa a contratação de professor substituto (que é impedido de realizar pesquisa e obrigado a assumir até cinco turmas de graduação e várias disciplinas) ao invés de fazer concurso para professor efetivo. Além dessas políticas que precarizam e flexibilizam ainda mais o trabalho docente, o governo apresentou ao Congresso o Projeto de Lei Complementar 01/2007, que limita os gastos com a folha de pagamento dos servidores da União (Executivo, Legislativo e Judiciário) a um aumento real acima da inflação de 1,5%, ao ano pelos próximos dez anos, o que na prática significa um congelamento salarial. Isso porque esse “aumento” permitido servirá apenas para cobrir o crescimento vegetativo da folha de pagamentos. Essas medidas do PAC da educação, juntamente com outras políticas públicas já em vigor como o PROUNI, o ENADE, a Lei de Inovação Tecnológica, a Lei de Parcerias Público-Privado, a falta de recursos para a área de educação (hoje o Brasil investe apenas 3,5% do PIB), tornam o país mais vulnerável, mais dependente dos conhecimentos externos, menos capaz de produzir ciência e tecnologia e, portanto, mais distante de conseguir o desenvolvimento social. Para completar o quadro, as condições de trabalho dos docentes associados aos programas de pós-graduação deteriorou-se sensivelmente nos últimos anos. É no espaço da pósgraduação que se desenvolve grande parte da pesquisa de qualidade feita no Brasil e é neste espaço que são formados os futuros pesquisadores. O processo de avaliação produtivista da pós-graduação, implementado pela CAPES, fez com que grande parte do esforço de trabalho seja dirigido para a acrescentar um item referente a periódicos indexados no Currículo Lattes. Pesquisas de longa envergadura ou com temas que não estejam na pauta das revistas especializadas passaram a ser evitadas. O docente/pesquisador, por sua vez, está sobrecarregado entre atividades docentes, de pesquisa, de orientação e de representação acadêmica. A “síndrome do burnout”, até há pouco associada ao cotidiano de professores da educação básica, passou a ser tema freqüente entre os docentes de ensino superior das instituições públicas. A educação superior pública e gratuita tem sido um dos objetivos mais caros do movimento docente em nível nacional. A luta pela preservação da instituição universidade tem marcado a história da comunidade acadêmica que vê, cada dia mais, ameaçado o papel constitucional que deve desenvolver essa instituição brasileira, ou seja a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Por todas essas razões é que o Movimento Docente vem se manifestar nessa Reunião que congrega professores, pesquisadores, cientistas, autoridades constituídas, estudantes e a sociedade em geral denunciando os perigos que estão postos para esses setores, na medida em que a Universidade pública está ameaçada de perder suas finalidades essenciais, de se privatizar no sentido da mercantilização e da perda da qualidade. Por isso nosso Manifesto é de repúdio a essas políticas privatizantes e de defesa desse patrimônio inigualável que é a Universidade Pública. O Movimento Docente se posiciona em defesa da Universidade Pública e Gratuita, da produção do conhecimento, da ciência e da tecnologia comprometidos com a emancipação social, de uma sociedade que produza e distribua riquezas e na qual a corrupção e a impunidade sejam banidas de todas as esferas. Defendemos e lutamos por uma sociedade onde mulheres e homens sejam respeitados, sejam livres, felizes e comprometidos com o presente e o futuro do planeta.
Fonte: Adufpa-SS (Associação dos Docentes da
UFPA), jul/2007. |
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