Brasil tem 40 mil 'Madeleines'* a cada ano
Menina inglesa que sumiu em Portugal trouxe novamente à tona o problema. Stephany Souza do Carmo Lopes, 6 anos, desaparecida em 2002; Karla Victória Alves Ferreira, 4 anos, desaparecida em 2005; Caroline Menezes Cardoso, 8 anos, desaparecida em 2003; Michele de Jesus da Conceição, 10 anos, desaparecida em 2006. Essas são algumas das 40 mil crianças e adolescentes que desaparecem no Brasil todo ano, segundo o governo. Com a grande repercussão do desaparecimento da menina inglesa Madeleine, o G1 foi atrás dos casos brasileiros, que estão nesta página. Madeleine sumiu misteriosamente no dia 3 de maio, em Portugal. A seguir, algumas das "Madeleines", crianças desaparecidas brasileiras:
No dia 17 de agosto de 2002, Stephany Souza do Carmo Lopes, 6 anos, foi brincar na casa de uma vizinha, em São Paulo. Segundo testemunhas, ela teria sido levada por uma mulher loira. A polícia investigou o caso, chegou a prender alguns suspeitos, mas nunca conseguiu encontrar quem seqüestrou a menina. “Eu estava trabalhando, mas sentia uma agonia enorme. Era uma sensação estranha e liguei várias vezes para casa durante a manhã, para ver se estava tudo bem”, disse Zeni Souza do Carmo Lopes, mãe da criança. “Stephany saiu para brincar na casa da vizinha. Depois, eles me ligaram no serviço e disseram que tinha sumido”. Zeni conta que visitou várias cidades do estado atrás de pistas, mas nunca conseguiu achar Stephany. “Eu tenho esperanças de que vou achá-la. Sofro muito e mantenho o quarto de minha filha intacto. Sempre que tenho pistas vou atrás e procuro ir à delegacia pelo menos uma vez por semana para saber a polícia tem alguma novidade”, diz. Karla Victória Alves Ferreira No dia 2 de novembro de 2005, Karla Victória Alves Ferreira, 4 anos, brincava com outras crianças em frente da casa de uma vizinha, em Manaus. As outras crianças entraram na residência e Karla ficou para trás. Depois de algumas horas, a mãe Francinete Alves Ferreira notou que a menina havia sumido. “Fizemos muitas buscas na região, interrogamos os vizinhos e parentes, mas não encontramos nada”, afirma o investigador Gaspar do Vale, responsável pelo caso. “Ela morava na periferia da cidade, em um lugar onde passavam poucos carros. Até hoje, não temos nenhum suspeito”, diz. Caroline Menezes Cardoso No dia 13 de abril de 2003, Caroline Menezes Cardoso, 8 anos, andava de bicicleta em frente à casa da tia, em um condomínio fechado, no Rio de Janeiro, quando desapareceu. A polícia investigou o caso, mas nunca encontrou pistas. O pai de Caroline, Paulo César Cardoso, vive com a amargura por nunca ter conseguido uma pista concreta. “Colocamos outdoors nas ruas, organizamos passeatas e distribuímos mais de mil cartazes por toda a cidade. Cheguei a viajar até para outros estados”, diz. Cardoso, que é fiscal de transportes, afirma que ficou quase um ano sem trabalhar, apenas envolvido na busca pela filha. “Os meses passam e o caso esfria, mas, para quem vive a dor, o sofrimento é insuportável e a angústia não acaba. Até os familiares se cansam, mas eu não me convenci de que tinha de parar”, diz. “Ainda hoje mantenho a esperança. Mando e-mails, faço cartazes e entro em favelas quando sei de alguma pista.” Para encontrar a filha, Cardoso diz que fez promessa. “Se eu achar Caroline, não vou desistir de ajudar outras crianças. Tem muita gente na mesma situação que eu”, diz. Michele de Jesus da Conceição No dia 7 de setembro de 2006, Michele de Jesus da Conceição, 10 anos, saiu para ir à casa de uma colega. O pai, Gercino Bernardo da Conceição, estava no trabalho e à noite foi à polícia desesperado, porque a menina não havia retornado. “Ela saiu apenas com a roupa do corpo e os óculos. Fui procurá-la na Bahia, onde temos parentes, mas ela não estava lá”, diz Conceição. “ A gente tem aquela esperança de encontrar, mas sabe que é muito difícil. Eu durmo, levanto e não sei onde ela está. Penso nisso o tempo todo.” Por causa do desaparecimento da filha, Conceição entrou em depressão profunda e afirma que tem de tomar remédios controlados. “O quarto dela está igual, não mexemos em nada. Todas as coisas estão do jeito que deixou”, diz. “Se eu pudesse falar com ela só diria uma palavra: volte”. 25% dos casos ocorrem em São Paulo “Quando uma criança some sem que tenha fugido de casa, a polícia tem que investigar e entender o que aconteceu. Elas podem ter sido levadas para famílias no exterior ou para exploração sexual”, afirma a coordenadora da Rede Nacional de Identificação e Localização de Crianças Desaparecidas (Redesap) da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Mariza Tardelli. No Brasil, cerca de 75% dos casos estão relacionados com fuga de casa, por motivos de maus-tratos e negligência dos pais, principalmente em famílias de baixa renda. Segundo Mariza, o número é alto porque muitos casos são recorrentes e entram na mesma estatística. “Há crianças que fogem três, quatro vezes por ano. E, quando reaparecem, as famílias não comunicam as autoridades”, diz. “O problema tem que ser enfrentado não só como casos policiais, de crianças que são levadas para exploração sexual e tráfico, mas também há uma parcela grande que envolve questões sociais”, afirma Mariza. O estado com maior número de casos é São Paulo, onde ocorrem 25% dos desaparecimentos no país. De acordo com informações da Delegacia de Pessoas Desaparecidas (DPD) de São Paulo, 1.144 crianças de 0 a 12 anos e 3.968 adolescentes de 13 a 18 anos desapareceram entre 1º de janeiro e 31 julho de 2007, o que totaliza 5.106 casos no estado só neste ano. No mesmo período, o órgão solucionou 4.700 desaparecimentos que ocorreram neste e em anos anteriores. “São Paulo tem uma população enorme, por isso tantas pessoas desaparecem”, diz a delegada da DPD, Gislaine Doraide Ribeiro Pato. “Nossa maior preocupação é com crianças perdidas, que não voltam para casa por não saber o nome dos pais ou um telefone”, diz. Segundo Gislaine, as jovens fogem mais do que os rapazes. “As meninas até 18 anos fogem com mais freqüência por causa de namorados. Após esta idade, no início da vida adulta, são os homens”, diz. Segundo a DPD, o número de crianças e adolescentes que desaparece por ser vítima de crimes equivale a apenas 1% do total. O governo do Paraná criou em 1995 o Serviço de Investigações de Crianças Desaparecidas (Sicride), que trata apenas de casos envolvendo crianças até 12 anos incompletos. Entre janeiro e julho, aconteceram 59 desaparecimentos, mas todos os casos foram resolvidos. “A principal causa no Paraná é a fuga por desestrutura familiar. Muitas fogem porque brigam com os pais”, explica a delegada titular do Sicride, Daniele de Oliveira Serigheli. Cadastro Nacional de Casos Para tentar facilitar a busca e localização de desaparecidos em todo o país, o governo federal criou o site da Redesap. Ali estão reunidos dados e imagens das pessoas, com telefones para quem puder dar informações. O cadastro é alimentado por delegacias especiais de proteção à criança e adolescentes de diversos estados e também pelo SOS Criança. Desde de agosto, fotos de crianças e adolescentes desaparecidos estão estampadas nos formulários para telegramas dos Correios. Os telegramas têm três fotografias, com duas fotos de crianças desaparecidas na região de entrega e uma em âmbito nacional. Contas de água e luz de algumas cidades, como Brasília, e recibos de praças de pedágio de rodovias do Paraná e de São Paulo trazem fotos de jovens desaparecidos. Recomendações
Fonte: G1, Luciana Rossetto, 21/9/2007.
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