Severino Cavalcanti*
Presidente da Câmara diz que palacianos atrapalham, que
Lula
O
polêmico presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, está
vivendo o melhor dos mundos. A pecha de fisiológico, defensor do nepotismo e
de outras idéias que, para desespero da intelligentsia do País, representam
o atraso são fruto do que chama de “um certo preconceito” que ele garante
que não o atinge. Severino, que traduz de forma quase rodriguiana a vida
(pelo menos a parlamentar) como ela é, rebate as críticas, dizendo que fala
o que pensa e acaba pagando por isso. Ele prefere mesmo é contar a recepção
calorosa das “madames cheirosinhas” que o aconselhavam a manter seu estilo
quando jantou no restaurante Rubayat, freqüentado pela elite paulistana e
classificado por ele como um dos mais caros de São Paulo, embora existam
outros na cidade com contas muito mais salgadas do que a cobrada ao deputado
no domingo 18. “Se soubesse que era tão caro, não tinha ido”, brincou.
Tirando proveito do estereótipo montado a partir de seu conservadorismo, ele
aproveita o gostinho de estar em alta. Nas ruas, é Severino pra cá, Severino
pra lá, “todos me conhecem, são carinhosos e atenciosos”. É justamente a
falta de carinho e atenção que tanto Severino critica no governo de Lula.
Ele bate na indiferença dos ministros e adverte o presidente de que ele
precisa assumir já as rédeas de seu governo. ISTOÉ – O sr. está surpreso com a sua popularidade, apesar das críticas à sua defesa do nepotismo? Severino Cavalcanti – Ao povo está faltando alguém que tenha um pouco de carinho com ele. O que eu tenho é o carinho. O povo vê, nessa posição que assumo, um pouco de preconceito por parte da imprensa porque o nepotismo sempre existiu e nunca falaram nada. Quero mostrar um lado que a imprensa não analisou. Tenho 40 anos de mandato. Sempre fui eleito sem ter o poder econômico do meu lado. Meu voto é do povo. Essa história do nepotismo serviu para a imprensa ver que ele existe mais em outros setores do que na Câmara. Foi preciso que Severino chegasse para que tivessem coragem de fazer esse levantamento. Então, tenho que dizer à imprensa, muito sedenta para explorar o tema, que dê um muito-obrigada a Severino por isso. ISTOÉ – O sr. se coloca como uma espécie de símbolo da transparência? Severino – Exatamente. E não estou arrependido disso. Vou botar em votação o projeto (contra o nepotismo) e quem vai decidir não é Severino, são os outros deputados. ISTOÉ – Por que a nomeação de seu filho é tratada de um jeito e a do irmão do ministro Palocci (Fazenda) ou da mulher do deputado João Paulo (PT-SP) é tratada de outro? Severino – É porque Severino não esconde. Severino recebe um beijo de seu filho na hora em que ele toma posse como prova de afeto e carinho que os outros não têm. Nós temos esse carinho porque somos família, defendemos a família. ISTOÉ – Há um preconceito? Severino – Só pode ser preconceito. Porque estão procurando algo sobre minha vida em todos os recantos. Toda a imprensa vai em João Alfredo (município pernambucano) para saber o que é que eu faço, o que é que eu fiz e não acham nada. Ao contrário. Eu era um homem rico e hoje sou um homem pobre. Eu tinha 14 lojas de eletrodomésticos em Pernambuco, tinha uma joalheria de luxo em Brasília e outra em Goiânia. Tudo isso foi embora depois que entrei na política. Eu nunca apareci em processo ou denúncia de malversação de dinheiro público. ISTOÉ – O sr., então, não enriqueceu na política? Severino – Eu empobreci. É o que eu chamo de empobrecimento ilícito (risos). Minha mulher tinha uma herança, eu gastei tudo na política. Tinha meus negócios, era um homem bem realizado, e hoje não tenho nada. Moro no apartamento da minha filha. Toda eleição fico devendo para pagar na outra eleição. ISTOÉ – O sr. foi eleito presidente da Câmara em nome do baixo clero. O que mudou? Severino – É o tratamento, o carinho, o afeto que eles não tinham. A porta da Câmara agora é aberta, recebo todos. O que os deputados gostam e querem é carinho e reciprocidade. Eles fazem tanto pelo governo e o governo faz muito pouco por eles. ISTOÉ – O sr. deu algum conselho ao presidente sobre como tratar os deputados? Severino – Tenho falado com o presidente Lula, que tem boa vontade e trata bem todo mundo, para que ele tenha alguém no governo que faça o que faço lá na Câmara. Que dê um melhor atendimento, que estenda a mão aos deputados. O interessante é que isso é da personalidade dele, mas ele não está fazendo porque a cúpula que o cerca tem medo que ele tenha contato com os parlamentares. Esse medo é o que está estragando o governo. ISTOÉ – Qual ministro atende pior os deputados? Severino – É o Ciro (Gomes, da Integração Regional). ISTOÉ – Por que, no seu entender, ele atende mal? Severino – É porque ele não gosta de trabalhar. ISTOÉ – E qual atende melhor? Severino – Atendem bem os ministros da Agricultura (Roberto Rodrigues), da Indústria e Comércio (Luiz Fernando Furlan) e o dos Esportes (Agnelo Queiroz). O Palocci está atendendo bem agora, antes não. Ele passou a atender a todos os meus telefonemas que pedem para que ele dê atenção aos deputados. Ele mudou muito a maneira de tratá-los. O presidente Lula vai assumir a articulação política de agora em diante. Porque, se deixar por conta desse pessoal que está cuidando do governo dele, vai se dar mal. Quem melhor tratava era o José Dirceu (ministro da Casa Civil), mas ele está um pouco afastado. Ele precisa ativar o Zé Dirceu e lhe dar força. ISTOÉ – Isso não enfraquece o ministro Aldo Rebelo (Articulação Política)? Severino – O presidente que dê força ao Aldo também. Deram para o Aldo uma missão que ele não pode cumprir. Ele não tem força. ISTOÉ – O sr. acredita que é possível Aldo e José Dirceu trabalharem juntos na articulação política? Severino – Dá sim. Os dois são grandes figuras. Os defeitos de um são cobertos pelas virtudes do outro. Se juntar os dois, haverá tranqüilidade no governo. Como está é que não pode continuar. ISTOÉ – Mas isso não é culpa das brigas internas? Severino – Não existe briga interna. O que está faltando é Lula assumir o comando de seu governo. Ele não assumiu ainda. Esses desentendimentos entre ministros não podem existir. Ele tem que fazer com que os ministros entendam que quem manda no governo é o presidente da República. ISTOÉ – O senador Romero Jucá (PMDB-RR) tem condições de se manter ministro? Severino – Olhe, isso é uma pergunta que cabe resposta do presidente. Quem nomeou foi ele, não adianta ficar dizendo que quem indicou foi o presidente do Senado (Renan Calheiros). É o presidente Lula que tem que resolver. O governo teve meios de saber se existia alguma coisa contra o Jucá antes de nomeá-lo. Se descobriram agora, e se realmente o que falam dele é verdade, não pode ser ministro do governo. ISTOÉ – O sr. começou a combater as medidas provisórias. Severino – Medida provisória é assunto urgente e de relevância. Não pode ser baixada para qualquer coisa e de qualquer maneira, como está sendo feito. São dez MPs trancando a pauta enquanto temos um projeto de interesse da população, que é o desarmamento. Estamos com dificuldade de colocá-lo em votação e existe um prazo para isso. Temos até o dia 5 para aprovar o plebiscito. ISTOÉ – O corte de 58% no Orçamento da União para a Segurança Pública está causando grande preocupação. O sr. já conversou com a equipe econômica? Severino – A equipe econômica agiu mal, deveria ter cortado em outros setores. Os secretários de Segurança estiveram em meu gabinete, alarmados, pedindo que eu tomasse uma posição junto ao ministro Palocci e ao PT para tentar uma reversão. Nós hoje não temos tranqüilidade. Andamos na rua sem saber se voltaremos para casa. Hoje, eu tenho segurança por todo lado. Mas não tem para os meus filhos e para os seus também não. ISTOÉ – Qual sua opinião sobre o desarmamento? Severino – Mais do que isso é preciso criar condições para que a Segurança Pública receba verbas suficientes para se equipar e defender a sociedade. A sociedade está entregue à própria sorte. Sou contra o desarmamento, mas não posso ficar batendo palmas a que os bandidos tenham armas modernas vindas do contrabando. Temos que ter uma ação para a defesa da sociedade. ISTOÉ – É possível acabar com as plantações de maconha em Pernambuco? Severino – Eu preferia falar do subdesenvolvimento da região. Existe a maconha porque não tem trabalho para o povo. Se der trabalho, a maconha se acaba. Ninguém abraça o crime. O crime só chega na hora da necessidade, quando um pai não tem condições de dar um pão para os seus filhos. ISTOÉ – O sr. concorda com o projeto de transposição do rio São Francisco tocado pelo ministro Ciro Gomes? Severino – Concordo. Ele nisso tem nota dez comigo. Para atender os deputados dou nota zero. Ciro é um ministro que devia estar em outro local, numa embaixada, por exemplo. ISTOÉ – O sr. gostou de viajar para Roma no Aerolula? Severino – O avião é digno para um presidente. Essa história de combater o presidente por causa do avião é pura demagogia. O presidente precisa viajar num avião à altura do presidente da República Federativa do Brasil. Acho até que ele devia ter dois aviões daquele. ISTOÉ – O sr. espera assumir a Presidência da República interinamente? Severino – Não abro mão das minhas atribuições. Sou presidente da Câmara e não abro mão das minhas prerrogativas para ninguém. ISTOÉ – Se o sr. assumisse a Presidência da República interinamente, o que faria? Severino – O que o País necessitar. ISTOÉ – O sr. daria prosseguimento ao que o Lula determinasse? Severino – O que achar que não está certo eu modifico. ISTOÉ – Por MP? Severino – Não baixaria nenhuma. ISTOÉ – Mas poderia revogar alguma... Severino – Também (risos). ISTOÉ – Com a polêmica da MP 232 (que aumentava a carga tributária) o sr. conseguiu uma comunicação direta com a população. O sr. pretende continuar com essa estratégia, de projetar sua imagem para fora da Câmara? Severino – Você já viu alguém deixar de fazer aquilo que é bom? Eu vou em todos os recantos do País e só tem rosas para mim. Eu não vou querer espinhos, esses eu deixo para os outros... ISTOÉ – Se o seu partido (PP) precisar de um nome para disputar a Presidência da República, o sr. aceitaria a missão? Severino – Pode ser que os candidatos a deputado federal de Pernambuco queiram isso, mas não abro mão dos meus votos. Essa mosca não me morde. E mais: sendo reeleito, serei candidato à Presidência da Câmara novamente e já estou pedindo votos para isso (risos). ISTOÉ – O governo Lula é melhor do que o de Fernando Henrique? Severino – O de Fernando Henrique não tinha a abertura que tem o do Lula. O que é falho em Lula é a equipe que o cerca. Ele precisa sair daquele curral que querem colocá-lo. Ele não é nenhum bezerro para ficar preso nas mãos dos assessores. ISTOÉ – O presidente já sofreu com o preconceito. Agora é o sr.? Severino – Ele sofre de um lado e eu de outro. O preconceito existe, mas não me atinge. Por que a consagração que recebi no restaurante mais rico de São Paulo (Rubayat), onde as madames vinham me abraçar e pedir para que eu não mudasse e mantivesse o meu estilo, foi espantosa. Fui a um almoço na fazenda do ex-deputado José Camargo. Ele botou quatro helicópteros para levar a fina flor da sociedade de São Paulo para me conhecer e me abraçar. Nunca fui recebido com tanto carinho. Posso me queixar da vida? Não posso. Estou recebendo solidariedade de onde não esperava. Até fiquei meio acanhado de sentar com aquelas madames cheirosinhas, que me abraçavam, porque eu fui acostumado em João Alfredo e, de repente, estou em meio ao PIB de São Paulo. É meio difícil. Mas eu até que dei conta do recado. ------------ * Severino Cavalcanti
• Nasceu em João Alfredo (PE)
em 18 de dezembro de 1930. Fonte: Revista IstoÉ, Ana Carvalho, 27/04/2005. |