Lula gastou mais com seu avião que com saneamento
Segundo dados do Siafi (sistema informatizado de acompanhamento de gastos federais), foram gastos R$ 53,6 milhões com o programa de saneamento ambiental urbano em 2004. Já para o "AeroLula" foram desembolsados US$ 46,7 milhões. À última cotação do dólar no ano passado (a mais baixa desde junho de 2002), o valor corresponde a R$ 123,9 milhões - 2,3 vezes o total investido em saneamento urbano. O investimento total do governo federal na frota de aviões e jatos - incluindo o Airbus presidencial a ser entregue nos próximos dias - é mais da metade do que foi gasto na manutenção das rodovias federais e quase cinco vezes mais do que o total investido em saneamento urbano em 2004, classificado de "ano da arrancada" pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
É o que mostra o
primeiro retrato do ano fechado do Orçamento da União obtido no Siafi.
Segundo o levantamento, somente uma terça parte (R$ 5,1 bilhões) dos
investimentos autorizados por lei em 2004 foi paga até o dia 31 de dezembro. Do total de R$ 15,2 bilhões de investimentos autorizados por lei em 2004, R$ 4,4 bilhões foram simplesmente ignorados, ainda segundo dados do Siafi. Fazem parte da economia de gastos para garantir o superávit primário de 4,5% do PIB (Produto Interno Bruto), fixado pelo governo. O levantamento do Siafi não leva em conta pagamentos pendentes de anos anteriores e quitados ao longo de 2004.
Uma das grandes vítimas do corte de gastos foram os investimentos em manutenção das rodovias federais. Do R$ 1,5 bilhão autorizado por lei, R$ 515,3 milhões foram pagos até 31 de dezembro e mais de R$ 540 milhões continuaram congelados depois do prazo final para os compromissos de gastos. Despesas não empenhadas até as 21h da sexta-feira passada foram automaticamente descartadas, confirmou ontem a Secretaria do Tesouro Nacional. O resultado pode ser conferido nas rodovias do país. Em pesquisa realizada recentemente, a CNT (Confederação Nacional dos Transportes) constatou que 40% de quase 75 mil quilômetros de rodovias avaliadas em todo o Brasil (não apenas federais) estão em estado considerado ruim ou péssimo, sobretudo no Nordeste. Mais de 70% das estradas apresentam imperfeições.
Dos grandes investimentos previstos para 2004, também deixou uma grande fatia no papel o programa de saneamento ambiental urbano. Dos R$ 818,8 milhões autorizados por lei, apenas R$ 53,6 milhões (6,6%) haviam sido pagos até o fim do ano e outros R$ 454,7 milhões são objeto de promessas de gastos. Em abril passado, o presidente Lula acusou a administração Fernando Henrique Cardoso pela morte de 300 mil crianças por falta de saneamento básico no governo anterior. No discurso, feito no Acre, disse que não faltaria dinheiro para a área em 2004.
Ainda de acordo com o retrato dos gastos federais obtido no Siafi, não faltou dinheiro para que fosse comprado o novo avião presidencial, um Airbus Corporate Jetliner, que deve estrear ainda neste mês. De acordo com o comando da Aeronáutica, já há US$ 10 milhões reservados para quitar a última parcela do contrato. O pagamento será feito na data da entrega do avião pela fábrica, prevista para o próximo dia 15. O Airbus personalizado consome a maior fatia de dinheiro do programa de reaparelhamento e adequação da Força Aérea, que pagou R$ 315,4 milhões em investimentos no ano passado e tem mais R$ 339,4 milhões de pagamentos já autorizados. O avião presidencial foi comprado sem licitação por US$ 56,7 milhões. Até os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos foram usados para justificar a compra, segundo documento reservado do Ministério da Defesa. Os R$ 5,1 bilhões pagos em investimentos em 2004 representam um avanço em relação ao desempenho do primeiro ano do governo Lula, encerrado com R$ 1,8 bilhão de investimentos pagos. No mesmo período, entre janeiro e dezembro de 2004, o governo federal pagou R$ 74,2 bilhões em juros e encargos da dívida pública. Fonte: Folha de S. Paulo, 6/1/2005
II Ritmo de investimento adiaria para 2038 a meta de universalizar a rede
A favela é um exemplo de uma realidade expressa em números: os dois primeiros anos do governo Luiz Inácio Lula da Silva registraram os mais baixos investimentos desde 1995 em água e esgoto. No governo que diz ter elegido as obras em saneamento como uma das suas prioridades, o ritmo de gastos pode custar algumas décadas a mais para universalizar os serviços na área. Gastos de investimento e custeio em saneamento urbano e rural feitos com dinheiro de impostos federais, autorizados no ano e pagos até 31 de dezembro em quatro ministérios diferentes, consumiram R$ 249,2 milhões em 2004. Com os desembolsos de empréstimos com dinheiro do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), de R$ 240 milhões, as duas principais fontes de financiamento públicas em saneamento básico não chegaram a R$ 500 milhões no ano. Embora esse valor represente mais que o triplo dos gastos registrados pelos mesmos critérios em 2003 (R$ 60 milhões), ainda é menor que o necessário para universalizar os serviços de água e esgoto até 2020. O cumprimento dessa meta custaria R$ 178 bilhões, segundo estudo realizado pelo Ministério das Cidades.
De acordo com projeção
feita pela Aesbe (Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais),
mantido o atual ritmo de gastos públicos em saneamento, a universalização
ficaria para 2038. O levantamento oficial mais recente, feito em 2002,
indica que mais de dois a cada dez (23,3%) domicílios urbanos do país não
têm esgotamento sanitário, e um entre dez (10,7%) não dispõem de água
encanada. Considerando os compromissos de gastos (chamados empenhos, ainda numa fase inicial) do Orçamento da União e os empréstimos contratados pela Caixa Econômica Federal, tampouco pagos, o Ministério das Cidades chega a R$ 5,2 bilhões de investimentos nos dois primeiros anos do mandato. Para 2005, o governo ainda não definiu o tamanho do corte nos gastos públicos. Para comparar com a série histórica de investimentos entre 1995 e 2002 divulgada em dezembro pelo próprio governo, em documento conjunto das Cidades e da Fazenda, deveriam ser usados os gastos do Orçamento na fase imediatamente anterior aos pagamentos (empenhos liquidados), cujos números não estavam disponíveis nas Cidades até sexta-feira. No caso do dinheiro do FGTS, a série histórica considera os desembolsos. Sérgio Gonçalves, secretário nacional interino de Saneamento Ambiental, alega que os investimentos em água e esgoto levam mais tempo para sair do papel do que obras em estradas, por exemplo. "É um ritmo necessariamente mais lento, que segue todo um rito para qualificar o gasto", disse. Segundo o secretário, a conclusão de uma obra contratada com recursos da União a fundo perdido ou empréstimo pode durar três anos.
Ermínia Maricato,
ministra interina das Cidades, atribuiu um ritmo mais lento nos pagamentos a
exigências mais rígidas adotadas pelo governo Lula para conter
irregularidades comuns em obras de saneamento, como a construção de redes de
esgoto sem estação de tratamento. "Não nos interessa simplesmente gastar,
não queremos demorar, mas não podemos abrir mão de um controle maior",
disse. Fonte: Folha Online, 17/1/2005.. |