Brasil
Severino
dá ultimatos, pede cargos e chantageia o presidente.
Em apenas cinco semanas como presidente da Câmara, o deputado Severino Cavalcanti, do PP de Pernambuco, operou uma mutação radical em sua imagem pública. De início, era visto como uma figura folclórica da política nacional, cevada num corporativismo miúdo e num tipo barato de fisiologismo. Seu curto reinado, porém, já demonstrou que Severino Cavalcanti é bem mais do que isso – é uma ameaça real ao equilíbrio institucional do país. Logo que assumiu seu novo cargo, Severino passou a afrontar a opinião pública com aquela naturalidade encontradiça nos silvícolas. Aumentou a verba de gabinete dada a cada deputado de 35.000 reais para 44.000 reais mensais. Comandou a aprovação de quatro projetos que, juntos, oneram os cofres públicos em nada menos que 30 bilhões de reais. Defendeu abertamente o nepotismo, justificando seus sete parentes devidamente instalados em cargos na Câmara. Na semana passada, Severino resolveu peitar o presidente da República, ao chantageá-lo publicamente: ou Lula dava um jeito de nomear seu apaniguado Ciro Nogueira para o Ministério das Comunicações ou o PP se bandearia para as fileiras da oposição.
não fez a nomeação exigida, nem o PP se bandeou para a oposição. Mas o episódio ajuda a jogar um pouco de luz sobre o lixo que Severino vinha querendo despejar sobre o Palácio do Planalto. O deputado Ciro Nogueira, do PP do Piauí, é uma versão rejuvenescida de Severino. Tem 36 anos, também está no terceiro mandato de deputado federal e também emprega parentes na Câmara – são oito, entre seu gabinete e o de colegas. À semelhança de seu padrinho, Ciro Nogueira adora defender a concessão aos parlamentares de qualquer tipo de benefício, subsídio, indenização, bônus, prêmio, dividendo, apólice, desconto, título, vantagem... É o exemplo lapidar de parlamentar forjado na cultura patrimonialista, que trata o dinheiro público como bem privado. Ciro Nogueira já foi chefe da secretaria da Câmara que cuida dos apartamentos funcionais e saiu do cargo sob a acusação de patrocinar mutretas imobiliárias. Está sendo processado por ter permitido que os imóveis fossem ocupados por ex-deputados e funcionários, o que é irregular. Outro membro da turma de Severino é o presidente do PP, Pedro Corrêa, cuja volúpia para abocanhar a presidência dos Correios era tanta, mas tanta, que ganhou o apelido de "Pedro Correios". Dado biográfico: ele é investigado por suspeita de envolvimento com a máfia da adulteração de combustíveis e sonegação de impostos. Outro amigão de Severino é o líder da bancada do PP, o deputado José Janene, do Paraná, que até a semana passada respondia a dezesseis processos no Supremo Tribunal Federal (veja quadro). Severino e José Janene já participaram de outro episódio de chantagem explícita. Recentemente, os dois estiveram no Palácio do Planalto negociando a reforma ministerial com o ministro José Dirceu, da Casa Civil. Dirceu discorria sobre o fato de que, neste ano, o governo não mandaria ao Congresso emendas constitucionais, que requerem o voto favorável de três quintos do plenário. Dizia que, necessitando apenas de maioria simples, o governo não precisava de base tão numerosa. Ao perceber que a conversa se encaminhava para a exclusão do PP, Janene avisou que seu partido sempre podia criar dificuldades extras ao governo – uma CPI, por exemplo. No dia seguinte, a Câmara instalou a CPI das Privatizações. Há duas semanas, noutro exemplo de farra fisiológica, Severino soube que, no Ministério das Comunicações, existem cerca de 100 cargos que podem ser ocupados por não-concursados. Feliz da vida com a notícia, Severino reuniu-se com os cinqüenta deputados do PP e disse que, se o partido ganhasse as Comunicações, cada um ali teria direito a emplacar dois afilhados no ministério... Ao liderar um grupo que às vezes parece comportar-se como se fosse uma cáfila de salteadores, Severino age como se não tivesse de dar satisfações a ninguém além do cachaceiro de João Alfredo – e, com isso, virou um risco institucional. Sua gestão tem contribuído apenas para estremecer as relações entre o Congresso e o Palácio do Planalto. Num determinado momento, faz questão de pisotear o governo, com ameaças veladas ou explícitas, para, no minuto seguinte, alardear sua condição de governista – como se suas declarações nunca tivessem testemunhas a cobrar-lhe um mínimo de coerência. Nos últimos dias, Severino chegou ao ponto de adiar cinco vezes um encontro com o presidente Lula. Preteriu-o em razão, primeiramente, de um jantar de família, depois por causa do enterro da mãe de um correligionário, em seguida devido a uma visita a sua cidade natal, depois em virtude de uma viagem a Goiás e, por fim, em razão de uma homenagem que receberia no Paraná. Isso mesmo: Severino Cavalcanti disse cinco vezes "não" ao presidente da República, uma atitude grosseira que a liturgia do cargo que ocupa informa ser absolutamente inadmissível até mesmo entre adversários políticos. Inclusive na Câmara Severino tem tido atitudes que assustam seus colegas. Para definir a pauta de votações, por exemplo, ele não consulta o colégio de líderes. Em vez disso, ouve apenas José Janene, líder de seu próprio partido. "Estamos assistindo na Câmara a uma coisa que não está boa", reclama o presidente do PTB, o deputado Roberto Jefferson. "Isso enfraquece os líderes e a instituição. A pauta não pode ser feita com um líder apenas." Desde que passou a conviver com os holofotes da imprensa, Severino não tem feito questão de esconder que é uma legenda viva dos piores hábitos da política nacional. Fez uma campanha montado em interesses corporativos, ajudando a degradar ainda mais a imagem pública dos políticos. Encara o dinheiro público como se fosse um mingau com o qual as autoridades têm permissão para locupletar-se e lambuzar-se. Exibe seu nepotismo com orgulho e, às vezes, até com uma ponta de deboche com os que não têm a mesma esperteza. Não esconde, por fim, a voracidade com que busca cargos e favores para si e para os amigos.
Sua gestão tem preocupado tanto que, nos
bastidores da política em Brasília, já se esboça um movimento até pouco
tempo impensável – o impeachment do presidente da Câmara. Emissários do
Palácio do Planalto procuraram líderes do PFL e do PSDB para especular sobre
a hipótese de pedir a cassação com base na violação do decoro parlamentar. O
PFL e o PSDB, embora sejam de oposição e tenham ajudado Severino a chegar lá
só para azucrinar o governo, até têm interesse de vê-lo pelas costas. Em
primeiro lugar, porque seus governadores, como os tucanos Aécio Neves, de
Minas Gerais, e Geraldo Alckmin, de São Paulo, e o pefelista Paulo Souto, da
Bahia, andam assustados com a gastança que Severino tem aprovado na Câmara e
que pode produzir prejuízos nos cofres dos estados. Em segundo lugar, porque
o comando da Casa ficaria nas mãos da própria oposição, com o pefelista José
Thomaz Nonô, atual vice-presidente. Como essa alternativa pode provocar
ainda mais estragos às instituições, o governo tem procurado interlocutores
capazes de segurar o presidente da Câmara. José Dirceu, por exemplo, pediu
aos deputados Delfim Netto e Francisco Dornelles, ambos do PP, que tentassem
influenciar Severino a adotar um comportamento mais racional. Ouviu uma
resposta desanimadora. Os dois disseram a mesma coisa: "Esqueça. Ele é
incontrolável".
|