Educação
Pesquisas mostram que nada é tão decisivo para um bom desempenho escolar quanto o incentivo dos pais para os estudos. Já se sabe até como eles podem dar esse empurrão
A volta às aulas traz à tona uma das questões mais incômodas para pais de estudantes em todos os níveis de ensino: como ajudar a despertar nos filhos a curiosidade intelectual e fazê-los cultivar o apreço pelo estudo? Para tarefa tão complexa, não existe uma fórmula mágica que, aplicada à risca pela família, resultará num aluno exemplar. A excelência, afinal, é produto de muitas variáveis, tais como o talento individual e os estímulos providos pela própria escola – e não apenas de um ambiente favorável ao aprendizado em casa. O que já se sabe, no entanto, é que a participação dos pais é fundamental, se não decisiva, para um bom rendimento escolar. "Nenhum outro fator tem tanto impacto para o progresso de um aluno quanto a interferência adequada da família. E isso se faz sentir, positivamente, por toda a vida adulta", diz o economista Naércio Menezes, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e autor de um recente trabalho sobre o assunto no Brasil. O conjunto de medidas que surtem resultado, uma vez adotadas com persistência em casa, chama atenção pela simplicidade. Apenas incentivar o filho a fazer a lição de casa e a ir à escola todos os dias, providenciar um lugar tranquilo onde ele possa estudar e comparecer às reuniões de pais tem o efeito de elevar as notas em torno de 15%, segundo a pesquisa do Insper. educar para crescerAs boas práticas que se originam desse e de outros estudos (listadas abaixo) não fogem muito do que sugere o senso comum. Tome-se o exemplo da lição de casa. Muitos pais se angustiam porque não têm a menor ideia de como responder a dúvidas de matemática ou física. Mesmo quando dominam um assunto, ficam na dúvida: até que ponto prestar ajuda quando são requisitados? Na verdade, tudo o que é necessário é incentivar uma leitura mais atenta do enunciado, indicar fontes de pesquisa ou estimular uma nova reflexão sobre o problema. Jamais dar a resposta certa, procedimento cuja repetição está associada à queda no rendimento do aluno. "Participação exagerada só atrapalha. A independência nos estudos deve ser cultivada, e não tolhida", diz Maria Inês Fini, doutora em educação. Os especialistas concordam que não cabe aos pais agir como professores em casa – confusão comum, e sem nenhum reflexo positivo. O que sempre ajuda, aí sim, é demonstrar, desde cedo e de forma bem concreta, quanto se valoriza a educação, essa talvez a maior contribuição possível da família. Daí a relevância de montar uma biblioteca em casa ou de manter o hábito de conversar com os filhos sobre o que se passa na escola. De acordo com uma recente compilação de 29 estudos sobre o tema, esse tipo de ambiente se traduz numa série de indicadores positivos, como mais vontade de ir à aula, um comportamento melhor na escola e expectativas mais elevadas sobre o futuro. Os pais brasileiros estão longe de figurar entre os mais participativos na rotina escolar. Enquanto nos países da OCDE (organização que reúne os países mais ricos) 64% deles se dizem atuantes, no Brasil esse dado costuma variar entre 20% e 30%, dependendo de quem dá o número. Parte do flagrante desinteresse se deve à baixa escolaridade de uma enorme parcela dos pais, que não permaneceu na escola tempo suficiente para aprender a ler, tampouco para consolidar o hábito do estudo de modo a passá-lo adiante. "Quase não estudei na vida e sempre tive muita dificuldade para ajudar o meu filho nisso", diz a cearense Maria de Fátima Lima, 40 anos, que deixou a escola na 2ª série do ensino fundamental e é mãe de Mailson, de 9 anos. Mas isso não explica tudo. A experiência dos colégios particulares também aponta para a distância dos pais. Uma das razões remete ao fato de a educação no Brasil ainda não ser vista como artigo prioritário – inclusive nas classes mais altas. Em uma nova pesquisa da consultoria Nielsen, a educação aparece em quinto lugar entre as maiores preocupações dos brasileiros. Vem atrás de estabilidade no emprego, equilíbrio entre trabalho e lazer, pagamento de dívidas e a economia do país.
Outra explicação para a distância que separa os pais da vida escolar está numa ideia incrustada no pensamento do brasileiro: a de que a escola deve se encarregar, sozinha, do processo educativo. Essa é a visão predominante na América Latina e oposta à que impera nos Estados Unidos ou em países asiáticos. "Os pais fazem fila na porta da minha sala para saber como vão seus filhos", relata Soleiman Dias, professor brasileiro que há sete anos dá aulas na Coreia do Sul. Essa atividade lhe consome uma hora por dia. Nada parecido com o que se vê na maioria das escolas brasileiras. "Em países mais dependentes do estado, como o Brasil, a tendência é terceirizar responsabilidades", diz o economista Claudio de Moura Castro, articulista de VEJA e especialista em educação. "É o que fazem as famílias brasileiras ao esperar que todas as iniciativas partam da escola." A esse caldo cultural somam-se ainda os efeitos do que se seguiu aos anos 60. A partir daí, inicia-se no Brasil um forte processo de contestação à noção de hierarquia, tendo como pano de fundo a escalada dos movimentos estudantis e a contracultura. Na relação entre pais e filhos, o conceito de liberdade passou a ser confundido com permissividade. Avalia Tania Zagury, educadora e autora do livro Escola sem Conflito: Parceria com os Pais: "A inabilidade das famílias em estabelecer limites em casa faz com que deleguem à escola tarefas que deveriam ser delas também". Os efeitos são desastrosos. A pressão exercida sobre a escola não leva a nenhum ganho para os alunos. "Existe aquele perfil de pai que só se preocupa com a nota do filho e chega aqui dizendo: ‘Eu pago por esse serviço e quero um retorno’", conta Sílvio Barini, diretor do São Domingos, colégio particular de São Paulo. "Ele não faz a sua parte e espera da escola soluções milagrosas." Não é, no entanto, a reação mais comum ali. A participação das famílias no colégio se tornou relativamente alta de dois anos para cá, com a presença dos pais num conselho que, entre outras coisas, toma decisões sobre o orçamento e trata das questões do ensino. O sistema, implantado nos anos 90, a princípio não deu certo. As famílias tentavam apitar até no currículo. Estabelecidos os limites, hoje funciona bem. "É uma chance de opinar sobre o destino das mensalidades que pagamos e de conhecer bem os professores", diz o cientista social Hernani Lotufo, 55 anos, que tem cadeira no conselho e é pai de Maria Clara, 6, e João Miguel, 11. Não é preciso, no entanto, despender tanto tempo para influenciar positivamente na rotina escolar. Às vezes, não é necessário sequer ir à escola. É o que propiciam colégios como o Bandeirantes, em São Paulo, que já colocam na internet fichas dos alunos, com notas e faltas, além do programa das aulas. O contato pessoal com os professores fica a critério dos pais. Diz a psicóloga Monica Dib, mãe de André, 16 anos: "Eu, que tenho pouco tempo para estar inteirada, hoje consigo manter ótimas conversas com meu filho sobre a escola".
Apesar de ainda raras, as boas iniciativas das escolas brasileiras para atrair os pais começam a revelar seus efeitos. Eles já aparecem, por exemplo, num conjunto de escolas públicas onde a Unesco, em parceria com o Ministério da Educação, encontrou programas eficazes. Alguns de seus princípios podem ser facilmente transplantados para a realidade dos colégios particulares. Por exemplo, a ideia de prestar aos pais um atendimento mais individualizado, bem diferente do das enfadonhas reuniões bimestrais. Um programa implantado em 47 escolas de Taboão da Serra, município localizado na região metropolitana de São Paulo, chega a enviar os professores à casa dos estudantes, para orientar os pais sobre como ajudar nos estudos e saber mais do que se passa com cada aluno. "Com isso, posso traçar um plano de aulas mais ajustado às necessidades reais dos alunos", diz a professora Guiomar Souza, munida dos resultados dessas medidas. Em dois anos, as notas dos estudantes em exames oficiais subiram 10%. Reuniões individuais com cada família, mesmo que sejam na escola, já têm bom efeito. Em 137 colégios municipais de Teresina, professores e assistentes sociais são treinados para conseguir orientar melhor os pais nesses encontros. A diferença se revela na casa de gente como Maria da Silva Costa, 57 anos, responsável pela criação do neto, César. "Não sei ler, então a escola sugeriu que eu pedisse a meu neto que lesse contas e cartas para mim. Ele adorou."
As pesquisas não deixam dúvidas quanto à eficácia de uma boa relação entre a escola e a família, ainda que ela não precise ser assídua nem tão intensa. A experiência de pais como a psicóloga Virgínia Carnevale e o engenheiro Paulo Nessimian aponta para ganhos bem concretos. Com dois filhos formados e outros dois matriculados no Santo Inácio, colégio particular do Rio de Janeiro, o casal sempre manteve um ótimo diálogo com a escola. "Quando aparece uma nota baixa no boletim, sento com o coordenador e traçamos juntos um plano para resolver o problema", exemplifica Virgínia. O colégio dispõe de profissionais de plantão para atender pais como ela, desenvolve atividades esportivas que incluem as famílias e ainda abre as portas para que organizem festas ali – todas medidas para chamar atenção para a escola. Isso certamente ajuda a explicar por que o Santo Inácio aparece entre as dez melhores do país, no ranking do Enem. Conclui a especialista Maria Helena Guimarães: "O esforço conjunto da escola com a família se traduz num potente motor para o aprendizado".
Compensa. Um estudo da Fundação Getulio Vargas mostra que os efeitos da presença dos pais na vida escolar, ainda que mínima, se fazem notar por toda a vida adulta. Na infância e na adolescência, a participação da família não está associada apenas às notas mais altas, mas também a uma considerável redução nos índices de evasão. Para se ter uma ideia, o risco de que crianças egressas de um ambiente favorável aos estudos abandonem a escola cai, em média, 64%. É uma diferença gritante – e decisiva para o sucesso bem mais tarde, no mercado de trabalho. Basta dizer que cada ano a mais na escola faz subir o salário, em média, 15%. O impacto aumenta na medida em que se progride nos estudos. Um ano de pós-graduação, por exemplo, significa um ganho de quase 20% no salário. "Quanto mais educação, maior será o retorno", resume o economista Marcelo Neri, autor da pesquisa. É razão suficiente para que os pais brasileiros comecem a prestar mais atenção à rotina escolar.
Fonte: Rev. Veja, Monica Weinberg e Marana
Borges, ed. 2124, 5/8/09.
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