Conversão de recursos para educação legitimaria a dívida 

 

Campanha Jubileu Sul Brasil acredita que deveria ocorrer uma
auditoria da dívida externa brasileira antes de se fazer a
proposta, pois ela legitima a dívida
. Entidades
também temem ingerência na educação brasileira por parte
de organismos internacionais.
 

 

O debate sobre a conversão de parte da dívida externa brasileira em recursos para a educação pública vem ganhando força nos últimos anos. Com o apoio do MEC, a idéia já foi discutida em reuniões internacionais de ministros da Educação, e em maio será aprimorada em um encontro na Espanha, com representantes do Chile, Argentina, México e Nicarágua. A proposta também é defendida por organizações da sociedade civil, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), que em janeiro iniciou uma campanha pela conversão da dívida que já conta com a participação de outras entidades e movimentos sociais. Na semana passada, a CNTE conseguiu que o governo federal assumisse o compromisso de criar um grupo de trabalho para discutir o tema. No entanto, nem todos são favoráveis à idéia, que desperta algumas preocupações, como uma possível interferência dos organismos internacionais na política educacional do país ou o reconhecimento de que a dívida é válida.

Para a Campanha Jubileu Sul Brasil, da qual fazem parte entidades sindicais, eclesiais, camponesas e ONGs, a proposta legitima a dívida externa. Antes da conversão deveria ocorrer uma auditoria da dívida brasileira, para estudar as condições em que ela foi contraída, como foram utilizados os recursos, e como se deu seu crescimento. Prevista na Constituição Federal para ser realizada em 1989, a auditoria teria a finalidade de verificar a legitimidade da dívida. No dia 6 de abril deste ano, mais de 240 parlamentares apresentaram ao presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, um requerimento que pede a criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI, composta por deputados e senadores) para realização de uma auditoria das dívidas interna e externa. “Ela é ilegítima, pois no meio do caminho houve um aumento absurdo dos juros e a entrada de dinheiro que foi para lugar nenhum. É o primeiro passo para abrir essa “caixa preta” da dívida. Acreditamos que com a auditoria vai se chegar à conclusão de que ela já foi paga”, afirma Renata Lins, economista do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), entidade que faz parte da Campanha Jubileu Sul Brasil.

De acordo com a CNTE, que concorda com o não-pagamento da dívida, a conversão seria uma medida emergencial enquanto não se chega a uma solução definitiva para o problema, pois a auditoria é um processo demorado. “Queremos chamar a atenção para a questão da educação que está em situação bastante deficitária por conta da falta de financiamento. Temos feito movimento de vários lados para conseguir mais verbas para a educação e essa foi uma das idéias que tivemos”, explicou a vice-presidente da CNTE, Raquel Guisoni, durante debate, terça-feira (3), organizado pelo Observatório da Educação, programa da ONG Ação Educativa. A CNTE acredita que essa é uma medida tática, que não vai resolver o problema da educação, mas pode aliviá-lo a curto prazo.

“Somos absolutamente sensíveis para a questão da educação e entendemos a pressa da CNTE, estamos do mesmo lado dessa briga, mas a questão é qual é a melhor estratégia”, argumenta Renata. Segundo ela, o Brasil não tem dinheiro para investir em educação por uma opção política. Ao cumprir as determinações do Fundo Monetário Internacional (FMI) em relação ao superávit primário, deixa de lado áreas fundamentais como a educação e a saúde. “Só há essa escassez de recursos para as políticas sociais porque os organismos multilaterais não nos deixam gastar nisso. Mas como eles são muito bacanas, propõem essa conversão da dívida”, ironiza.  

Outra ressalva em relação à proposta é que a conversão pode acarretar em interferência dos organismos internacionais no investimento desses recursos, o que poderia implicar em perda da autonomia e ameaça à soberania nacional. Isso porque poderão estar relacionadas à troca algumas condições impostas pelos credores para o investimento dos recursos convertidos. A possibilidade de um processo de privatização é uma das maiores preocupações. “O FMI já se declarou contrário à proposta se ela não der retorno financeiro e a privatização é a única área que dá esse retorno”, alerta Renata. Para ela, a dívida em si não é problema, mas sim as políticas que são impostas ao país por causa dela. Quanto a essa preocupação, a vice-presidente da CNTE acredita que o governo brasileiro é quem tem que decidir como e onde vai aplicar esse dinheiro, e essa deve ser uma condição para o país aceitar o acordo. “Isso não pode ficar em aberto, deve ser bem claro que a proposta será apresentada pelo governo brasileiro, que terá soberania para definir o destino dos recursos. Temos que colocar essa questão no movimento pela conversão, pois nesse sentido o movimento social tem uma força que o governo não tem”, diz.

A idéia de conversão de parcelas da dívida em recursos para educação não é uma idéia nova. Já vem sendo colocada em prática desde a década de 80, e não só para a educação como também para outras áreas como o meio ambiente. Ela é feita principalmente em países pobres da África e da América Latina, mas não existe um movimento forte para que ocorra em países como Brasil e México, que têm condições de pagar e têm cumprido com os acordos de metas e juros. No entanto, recentemente a Argentina conseguiu um acordo bilateral com a Espanha para converter 60 milhões de euros da sua dívida em investimentos na educação argentina. Experiências como essa ainda serão analisadas pela CNTE, que pretende também ouvir outras entidades para aprofundar o debate. “É uma proposta delicada. À primeira vista parece uma coisa maravilhosa, pois abate a dívida e reverte em recursos para a educação, qual seria o mal disso? Mas a Campanha olha com certa preocupação para essa idéia, mas ainda não temos uma posição fechada sobre o assunto”, avalia Renata.

 

Fonte: Ag. Carta Maior, Fernanda Sucupira , 05/05/2005.


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