Educação
Pobre Camões. Estão mudando a língua escrita. Felizmente na escola é diferente
Acadêmicos que se dedicam ao assunto, como o professor de antropologia cultural Michael Wesch, da Universidade Estadual do Kansas, autor de Web 2.0..., não têm dúvidas: a linguagem não-linear da internet é, hoje, infinitamente mais sedutora para os estudantes. "Fiz esse filme para mostrar a outros educadores que a nova maneira de ler e de escrever não pode mais ser ignorada nas salas de aula", disse Wesch, em entrevista a VEJA. Chats, blogs e sites de relacionamento como o Orkut têm artifícios de sobra para atrair meninos e meninas. É na internet que eles se sentem reis: têm habilidade para escrever e interagir, numa velocidade inédita. "Eles encaram a escrita para o colégio como algo maçante. Aliás, tudo lá é linear: o horário, o currículo das disciplinas", atesta a educadora Maria Teresa Freitas, que organizou o livro Leitura e Escrita de Adolescentes na Internet e na Escola. Ela também coordena um grupo de estudos sobre o tema na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Suas pesquisas apontam que os estudantes se ressentem da falta de público leitor para suas criações. Desanimam ao escrever algo que será lido apenas por um professor. "O grande desafio da escola é mostrar que, na escrita tradicional, também existe um mundo inspirador", diz Rony Rodrigues, fundador da consultoria Box 1824, especializada em tendências de comportamento de jovens. Nos três últimos anos, a empresa entrevistou 12.000 deles para traçar o retrato da geração digital. Meninos e meninas que consideram mais difícil escrever uma redação do que decifrar enigmas complicadíssimos de jogos eletrônicos.
Essa nova escrita tem um efeito colateral desagradável para os adultos. A forma abreviada de escrever, que virou padrão nos sites dominados por crianças e jovens, é de dar arrepios. Mas há uma explicação. Na web, a escrita se aproxima mais da linguagem falada. Os internautas lançam mão de recursos como mudar o tamanho do corpo da letra, para dar entonação, e entremear seus textos com símbolos que expressem suas emoções. "Cada período histórico cria seus códigos. Essa linguagem só faz sentido na internet, graças à rapidez que caracteriza a rede", explica Maria Teresa Freitas, da UFJF. Cabe à escola reforçar as diferenças entre os dois gêneros de escrita e as situações em que cada um deles deve ser usado. Ainda não se conhecem todas as conseqüências do contato intenso com a estrutura não-linear da internet. "Em momentos de ansiedade ou distração, uma criança pode usar a lógica da internet na escola, mas ainda é cedo para falar sobre prejuízos", diz Luiz Celso Vilanova, chefe do setor de neurologia infantil da Universidade Federal de São Paulo. Os próprios internautas mirins reconhecem que se acostumar ao estilo "kd vc?" é um perigo. "Sempre releio meus exercícios, vejo se não deixei passar nada. Um amigo já teve a nota rebaixada porque usou o jeito de escrever da internet", diz o paulistano Luis Eduardo Armando, 10 anos, que desde os 6 tem computador no quarto. Sua irmã, Laura, de 14 anos, chega da escola e vai direto para a rede. É aficionada, mas prefere evitar as abreviações. "Para não me confundir, tento escrever corretamente, mesmo no Orkut e no MSN", diz. Nem tudo está perdido.
Fonte: Rev. Veja, Silvia Rogar, ed. 2008, 16/5/2007. |