Justiça que vem de fora
É a primeira vez que militares brasileiros são apontados pela Justiça como responsáveis por homicídios cometidos durante a Operação Condor. "Esse episódio é importante para que o Brasil aprenda que anistia não é amnésia", diz Cezar Britto, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil. "É constrangedor ver outra nação fazer o nosso dever de casa." Para os acusados ainda vivos, os pedidos de extradição devem restar como punição somente no plano simbólico. A Constituição garante que nenhum brasileiro pode ser extraditado por crimes cometidos no país. Os treze brasileiros integram uma lista de 140 ordens de prisão expedidas pela juíza Luisanna Figliolia, do tribunal penal de Roma, que nos últimos nove anos investiga a morte de 25 italianos, todos assassinados por governos militares latino-americanos. Os pedidos de prisão atingem, além de brasileiros, ex-autoridades argentinas, uruguaias, chilenas, bolivianas, peruanas e paraguaias. A ação da Justiça italiana não é um expediente inédito na Europa. Em 1998, o juiz espanhol Baltasar Garzón ganhou fama mundial ao determinar a prisão do ex-ditador Augusto Pinochet, apontado como o responsável por assassinatos de cidadãos espanhóis no período em que esteve à frente do governo chileno. Pinochet, que morreu em 2006, ficou 503 dias detido em Londres. Em 1990, a Justiça da França também condenou o militar argentino Alfredo Astiz, conhecido como "Anjo Louro da Morte", pela morte de duas freiras francesas em 1977.
A decisão da Justiça
italiana veio no momento em que governos da América Latina começam a punir
os algozes das ditaduras do século passado. Na Argentina, onde a "guerra
suja" contra os insurgentes esquerdistas matou 30.000 pessoas, a Suprema
Corte considerou que a lei de anistia aos militares era inconstitucional.
Com isso, abriu-se o caminho para que se instaurassem novos inquéritos
contra os criminosos de farda ainda vivos. No início de dezembro, seis
militares foram condenados pelo seqüestro e morte de guerrilheiros de uma
organização esquerdista. No Chile, há generais presos por envolvimento com o
extermínio de oposicionistas. No Uruguai, também há uma onda de condenações:
até o ex-presidente Juan María Bordaberry, um dos 140 acusados no processo
italiano, está cumprindo pena. "Essas decisões são pedagógicas para o
Brasil. Nós somos o único país que ainda se recusa a passar a limpo esse
triste legado", diz o advogado Jair Krischke, presidente do Movimento de
Justiça e Direitos Humanos, que colaborou com a investigação italiana. A Lei
da Anistia foi um pacto sensato que ajudou militares e opositores a sair de
um paralisante estado de beligerância. Não deve, porém, servir como
justificativa para varrer para debaixo do tapete os crimes cometidos por
ambos os lados.
Fonte: Rev. Veja, Diego Escosteguy, ed. 2041, 29/12/2007.
|
|