Intolerância
Militantes reagem ao debate sobre as cotas com ameaças e apologia da
violência física O poeta alemão Heinrich Heine cunhou, no século XIX, a seguinte frase a respeito da intolerância intelectual: "Os que queimam livros acabam queimando homens". Heine alertava para a existência de um caminho natural da censura ao pensamento, que levaria à barbárie. No Brasil, há grupos tentando criar um atalho. O debate em torno da Lei de Cotas e do Estatuto da Igualdade Racial tem provocado manifestações destemperadas de integrantes do movimento negro. A simples notícia do lançamento de um livro sobre o tema, Divisões Perigosas: Políticas Raciais no Brasil Contemporâneo, publicado pela editora Civilização Brasileira, fez com que seus organizadores começassem a sofrer ameaças. A obra traz 34 artigos que, no conjunto, questionam a racialização em curso no país. Atacam principalmente a idéia de que o preconceito racial é que define as desigualdades sociais. Imediatamente surgiram, na internet, textos que falam em guerra, sugerem ações organizadas no dia do lançamento do livro e chamam de "escravos" dois dos autores, que são negros e militantes do movimento, mas têm opinião própria. "Eu estou com medo", diz a antropóloga da UFRJ Yvonne Maggie, que está entre os organizadores.
A discussão sobre as cotas vem gerando uma crescente exasperação. Em uma reportagem sobre o tema no jornal O Estado de S. Paulo, na semana passada, o antropólogo Júlio César de Tavares, militante do movimento negro, pregou a violência física. "Chega um momento em que o diálogo se esgota", disse. "Acho que o racista na rua tem de apanhar." Frases assim são ainda mais assustadoras quando encontram respaldo no governo. Em março deste ano, a ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, puxou o coro da intolerância em entrevista à BBC: "Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco", disse. Com manifestações desse tipo e ameaças cifradas, quem perde são todos os brasileiros. Sem distinção de cor.
Fonte: Rev. Veja, Marcelo Bortoloti, ed. 2009, 23/5/2007. |