Cidadãos Anti-Racistas Contra as Leis Raciais
Excelentíssimo sr. ministro:
Duas ações
diretas de inconstitucionalidade (ADI 3.330 e ADI 3.197)
promovidas pela Confenen (Confederação Nacional dos
Estabelecimentos de Ensino), a primeira contra o programa ProUni
e a segunda contra a lei de cotas nos concursos vestibulares das
universidades estaduais do Rio de Janeiro, serão apreciadas
proximamente pelo STF. Os julgamentos terão significado
histórico, pois podem criar jurisprudência sobre a
constitucionalidade de cotas raciais não só para o financiamento
de cursos no ensino superior particular e para concursos de
ingresso no ensino superior público como para concursos públicos
em geral. Mais ainda: os julgamentos têm o potencial de enviar
uma mensagem decisiva sobre a constitucionalidade da produção de
leis raciais.
Nós,
intelectuais da sociedade civil, sindicalistas, empresários e
ativistas dos movimentos negros e outros movimentos sociais,
dirigimo-nos respeitosamente aos juízes da corte mais alta, que
recebeu do povo constituinte a prerrogativa de guardiã da
Constituição, para oferecer argumentos contrários à admissão de
cotas raciais na ordem política e jurídica da República.
Na seara
do que Vossas Excelências dominam, apontamos a Constituição
Federal, no seu artigo 19, que estabelece: "É vedado à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar
distinções entre brasileiros ou preferências entre si." O artigo
208 dispõe que: "O dever do Estado com a educação será efetivado
mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do
ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade
de cada um." Alinhada com os princípios e garantias da
Constituição Federal, a Constituição Estadual do Rio de Janeiro,
no seu Artigo 9º, determina que: "Ninguém será discriminado,
prejudicado ou privilegiado em razão de nascimento, idade,
etnia, raça, cor, sexo, estado civil, trabalho rural ou urbano,
religião, convicções políticas ou filosóficas, deficiência
física ou mental, por ter cumprido pena nem por qualquer
particularidade ou condição."
As
palavras da lei emanam de uma tradição brasileira, que cumpre
exatos 120 anos desde a Abolição da escravidão, de não dar
amparo a leis e políticas raciais. No intuito de justificar o
rompimento dessa tradição, os proponentes das cotas raciais
sustentam que o princípio da igualdade de todos perante a lei
exige tratar desigualmente os desiguais. Ritualmente, eles citam
a "Oração aos Moços", na qual Rui Barbosa, inspirado em
Aristóteles, explica que: "A regra da igualdade não consiste
senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que
se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à
desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da
igualdade." O método de tratar desigualmente os desiguais, a que
se refere, é aquele aplicado, com justiça, em campos tão
distintos quanto o sistema tributário, por meio da tributação
progressiva, e as políticas sociais de transferência de renda.
Mas a sua invocação para sustentar leis raciais não é mais que
um sofisma.
Os
concursos vestibulares, pelos quais se dá o ingresso no ensino
superior de qualidade "segundo a capacidade de cada um", não são
promotores de desigualdades, mas se realizam no terreno semeado
por desigualdades sociais prévias. A pobreza no Brasil tem todas
as cores. De acordo com dados da PNAD (Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios) de 2006, entre 43 milhões de pessoas de
18 a 30 anos de idade, 12,9 milhões tinham renda familiar per
capita de meio salário mínimo ou menos. Neste grupo mais pobre,
30% classificavam-se a si mesmos como brancos, 9% como pretos e
60% como pardos. Desses 12,9 milhões, apenas 21% dos brancos e
16% dos pretos e pardos haviam completado o ensino médio, mas
muito poucos, de qualquer cor, continuaram estudando depois
disso. Basicamente, são diferenças de renda, com tudo que vem
associado a elas, e não de cor, que limitam o acesso ao ensino
superior.
Apresentadas como maneira de reduzir as desigualdades sociais,
as cotas raciais não contribuem para isso, ocultam uma realidade
trágica e desviam as atenções dos desafios imensos e das
urgências, sociais e educacionais, com os quais se defronta a
nação. E, contudo, mesmo no universo menor dos jovens que têm a
oportunidade de almejar o ensino superior de qualidade, as cotas
raciais não promovem a igualdade, mas apenas acentuam
desigualdades prévias ou produzem novas desigualdades: "As cotas
raciais exclusivas, como aplicadas, entre outras, na UnB
(Universidade de Brasília), proporcionam a um candidato definido
como negro a oportunidade de ingresso por menor número de pontos
que um candidato definido como branco, mesmo se o primeiro
provier de família de alta renda e tiver cursado colégios
particulares de excelência e o segundo provier de família de
baixa renda e tiver cursado escolas públicas arruinadas. No fim,
o sistema concede um privilégio para candidatos de classe média
arbitrariamente classificados como negros.
"As cotas
raciais embutidas no interior de cotas para candidatos de
escolas públicas, como aplicadas, entre outras, pela Uerj
(Universidade Estadual do Rio de Janeiro), separam os alunos
provenientes de famílias com faixas de renda semelhantes em dois
grupos raciais polares, gerando uma desigualdade natural num
meio caracterizado pela igualdade social. O seu resultado
previsível é oferecer privilégios para candidatos definidos
arbitrariamente como negros que cursaram escolas públicas de
melhor qualidade, em detrimento de seus colegas definidos como
brancos e de todos os alunos de escolas públicas de pior
qualidade.
A PNAD de
2006 informa que 9,41 milhões de estudantes cursavam o ensino
médio, mas apenas 5,87 milhões freqüentavam o ensino superior,
dos quais só uma minoria de 1,44 milhão estavam matriculados em
instituições superiores públicas. As leis de cotas raciais não
alteram em nada esse quadro e não proporcionam inclusão social.
Elas apenas selecionam vencedores e perdedores, com base num
critério altamente subjetivo e intrinsecamente injusto, abrindo
cicatrizes profundas na personalidade dos jovens, naquele
momento de extrema fragilidade que significa a disputa, ainda
imaturos, por uma vaga que lhes garanta o futuro.
Queremos
um Brasil onde seus cidadãos possam celebrar suas múltiplas
origens, que se plasmam na criação de uma cultura nacional
aberta e tolerante, no lugar de sermos obrigados a escolher e
valorizar uma única ancestralidade em detrimento das outras. O
que nos mobiliza não é o combate à doutrina de ações
afirmativas, quando entendidas como esforço para cumprir as
declarações preambulares da Constituição, contribuindo na
redução das desigualdades sociais, mas a manipulação dessa
doutrina com o propósito de racializar a vida social no país. As
leis que oferecem oportunidades de emprego a deficientes físicos
e que concedem cotas a mulheres nos partidos políticos são
invocadas como precedentes para sustentar a admissibilidade
jurídica de leis raciais. Esse segundo sofisma é ainda mais
grave, pois conduz à naturalização das raças. Afinal, todos
sabemos quem são as mulheres e os deficientes físicos, mas a
definição e delimitação de grupos raciais pelo Estado é um
empreendimento político que tem como ponto de partida a negação
daquilo que nos explicam cientistas.
Raças
humanas não existem. A genética comprovou que as diferenças
icônicas das chamadas raças humanas são características físicas
superficiais, que dependem de parcela ínfima dos 25 mil genes
estimados do genoma humano. A cor da pele, uma adaptação
evolutiva aos níveis de radiação ultravioleta vigentes em
diferentes áreas do mundo, é expressa em menos de dez genes! Nas
palavras do geneticista Sérgio Pena: "O fato assim
cientificamente comprovado da inexistência das 'raças' deve ser
absorvido pela sociedade e incorporado às suas convicções e
atitudes morais. Uma postura coerente e desejável seria a
construção de uma sociedade desracializada, na qual a
singularidade do indivíduo seja valorizada e celebrada. Temos de
assimilar a noção de que a única divisão biologicamente coerente
da espécie humana é em bilhões de indivíduos, e não em um
punhado de 'raças'."
Não foi a
existência de raças que gerou o racismo, mas o racismo que
fabricou a crença em raças. O "racismo científico" do século 19
acompanhou a expansão imperial européia na África e na Ásia,
erguendo um pilar "científico" de sustentação da ideologia da
"missão civilizatória" dos europeus, que foi expressa
celebremente como o "fardo do homem branco".
Os poderes
coloniais, para separar na lei os colonizadores dos nativos,
distinguiram também os nativos entre si e inscreveram essas
distinções nos censos. A distribuição de privilégios segundo
critérios etno-raciais inculcou a raça nas consciências e na
vida política, semeando tensões e gestando conflitos que ainda
perduram. Na África do Sul, o sistema do apartheid separou os
brancos dos demais e foi adiante, na sua lógica implacável,
fragmentando todos os não-brancos em grupos étnicos
cuidadosamente delimitados. Em Ruanda, no Quênia e em tantos
outros lugares, os africanos foram submetidos a meticulosas
classificações étnicas, que determinaram acessos diferenciados
aos serviços e empregos públicos. A produção política da raça é
um ato político que não demanda diferenças de cor da pele.
O racismo
contamina profundamente as sociedades quando a lei sinaliza às
pessoas que elas pertencem a determinado grupo racial
–
e que seus
direitos são afetados por esse critério de pertinência de raça.
Nos Estados Unidos, modelo por excelência das políticas de cotas
raciais, a abolição da escravidão foi seguida pela produção de
leis raciais baseadas na regra da "gota de sangue única". Essa
regra, que é a negação da mestiçagem biológica e cultural,
propiciou a divisão da sociedade em guetos legais, sociais,
culturais e espaciais. De acordo com ela, as pessoas são,
irrevogavelmente, brancas ou negras. Eis aí a inspiração das
leis de cotas raciais no Brasil.
"Eu tenho
o sonho que meus quatro pequenos filhos viverão um dia numa
nação na qual não serão julgados pela cor da sua pele mas pelo
conteúdo de seu caráter." Há 45 anos, em agosto, Martin Luther
King abriu um horizonte alternativo para os norte-americanos,
ancorando-o no "sonho americano" e no princípio político da
igualdade de todos perante a lei, sobre o qual foi fundada a
nação. Mas o desenvolvimento dessa visão pós-racial foi
interrompido pelas políticas racialistas que, a pretexto de
reparar injustiças, beberam na fonte envenenada da regra da
"gota de sangue única". De lá para cá, como documenta
extensamente Thomas Sowell em "Ação Afirmativa ao Redor do
Mundo: um Estudo Empírico", as cotas raciais nos Estados Unidos
não contribuíram em nada para reduzir desigualdades, mas
aprofundaram o cisma racial que marca como ferro em brasa a
sociedade norte-americana.
"É um
impasse racial no qual estamos presos há muitos anos", na
constatação do senador Barack Obama, em seu discurso pronunciado
a 18 de março, que retoma o fio perdido depois do assassinato de
Martin Luther King. O impasse não será superado tão cedo, em
virtude da lógica intrínseca das leis raciais. Como assinalou
Sowell, com base em exemplos de inúmeros países, a distribuição
de privilégios segundo critérios etno-raciais tende a
retroalimentar as percepções racializadas da sociedade
–
e em torno
dessas percepções articulam-se carreiras políticas e grupos
organizados de pressão.
Mesmo
assim, algo se move nos Estados Unidos. Há pouco, repercutindo
um desencanto social bastante generalizado com o racialismo, a
Suprema Corte declarou inconstitucionais as políticas
educacionais baseadas na aplicação de rótulos raciais às
pessoas. No seu argumento, o presidente da corte, juiz John G.
Roberts Jr., escreveu que "o caminho para acabar com a
discriminação baseada na raça é acabar com a discriminação
baseada na raça". Há um sentido claro na reiteração: a inversão
do sinal da discriminação consagra a raça no domínio da lei,
destruindo o princípio da cidadania.
Naquele
julgamento, o juiz Anthony Kennedy alinhou-se com a maioria, mas
proferiu um voto separado que contém o seguinte protesto: "Quem
exatamente é branco e quem é não-branco? Ser forçado a viver sob
um rótulo racial oficial é inconsistente com a dignidade dos
indivíduos na nossa sociedade. E é um rótulo que um indivíduo é
impotente para mudar!" Nos censos do IBGE, as informações de
raça/cor abrigam a mestiçagem e recebem tratamento populacional.
As leis raciais no Brasil são algo muito diferente: elas têm o
propósito de colar "um rótulo que um indivíduo é impotente para
mudar" e, no caso das cotas em concursos vestibulares, associam
nominalmente cada jovem candidato a uma das duas categorias
raciais polares, impondo-lhes uma irrecorrível identidade
oficial.
O juiz
Kennedy foi adiante e, reconhecendo a diferença entre a doutrina
de ações afirmativas e as políticas de cotas raciais, sustentou
a legalidade de iniciativas voltadas para a promoção ativa da
igualdade que não distinguem os indivíduos segundo rótulos
raciais. Reportando-se à realidade norte-americana da
persistência dos guetos, ele mencionou, entre outras, a seleção
de áreas residenciais racialmente segregadas para os
investimentos prioritários em educação pública.
No Brasil,
difunde-se a promessa sedutora de redução gratuita das
desigualdades por meio de cotas raciais para ingresso nas
universidades. Nada pode ser mais falso: as cotas raciais
proporcionam privilégios a uma ínfima minoria de estudantes de
classe média e conservam intacta, atrás de seu manto falsamente
inclusivo, uma estrutura de ensino público arruinada. Há um
programa inteiro de restauração da educação pública a se
realizar, que exige políticas adequadas e vultosos
investimentos. É preciso elevar o padrão geral do ensino mas,
sobretudo, romper o abismo entre as escolas de qualidade, quase
sempre situadas em bairros de classe média, e as escolas
devastadas das periferias urbanas, das favelas e do meio rural.
O direcionamento prioritário de novos recursos para esses
espaços de pobreza beneficiaria jovens de baixa renda de todos
os tons de pele
–
e,
certamente, uma grande parcela daqueles que se declaram pardos e
pretos.
A meta
nacional deveria ser proporcionar a todos um ensino básico de
qualidade e oportunidades verdadeiras de acesso à universidade.
Mas há iniciativas a serem adotadas, imediatamente, em favor de
jovens de baixa renda de todas as cores que chegam aos umbrais
do ensino superior, como a oferta de cursos preparatórios
gratuitos e a eliminação das taxas de inscrição nos exames
vestibulares das universidades públicas. Na Unesp (Universidade
Estadual Paulista), o Programa de Cursinhos Pré-Vestibulares
Gratuitos, destinado a alunos egressos de escolas públicas,
atendeu em 2007 a 3.714 jovens, dos quais 1.050 foram aprovados
em concursos vestibulares, sendo 707 em universidades públicas.
Medidas como essa, que não distinguem os indivíduos segundo
critérios raciais abomináveis, têm endereço social certo e
contribuem efetivamente para a amenização das desigualdades.
A
sociedade brasileira não está livre da chaga do racismo, algo
que é evidente no cotidiano das pessoas com tom de pele menos
claro, em especial entre os jovens de baixa renda. A cor conta,
ilegal e desgraçadamente, em incontáveis processos de admissão
de funcionários. A discriminação se manifesta de múltiplas
formas, como por exemplo na hora das incursões policiais em
bairros periféricos ou nos padrões de aplicação de ilegais
mandados de busca coletivos em áreas de favelas.
Por certo
existe preconceito racial e racismo no Brasil, mas o Brasil não
é uma nação racista. Depois da abolição, no lugar da regra da
"gota de sangue única", a nação brasileira elaborou uma
identidade amparada na idéia anti-racista de mestiçagem e
produziu leis que criminalizam o racismo. Há sete décadas, a
República não conhece movimentos racistas organizados ou
expressões significativa de ódio racial. O preconceito de raça,
acuado, refugiou-se em expressões oblíquas envergonhadas,
temendo assomar à superfície. A condição subterrânea do
preconceito é um atestado de que há algo de muito positivo na
identidade nacional brasileira, não uma prova de nosso fracasso
histórico.
"Quem
exatamente é branco e quem é não-branco?"
–
a
indagação do juiz Kennedy provoca algum espanto nos Estados
Unidos, onde quase todos imaginam conhecer a identidade racial
de cada um, mas parece óbvia aos ouvidos dos brasileiros. Entre
nós, casamentos inter-raciais não são incomuns e a segregação
residencial é um fenômeno basicamente ligado à renda, não à cor
da pele. Os brasileiros tendem a borrar as fronteiras raciais,
tanto na prática da mestiçagem quanto no imaginário da
identidade, o que se verifica pelo substancial e progressivo
incremento censitário dos pardos, que saltaram de 21% no Censo
de 1940 para 43% na PNAD de 2006, e pela paralela redução dos
brancos (de 63% para 49%) ou pretos (de 15% para 7%).
A
percepção da mestiçagem, que impregna profundamente os
brasileiros, de certa forma reflete realidades comprovadas pelos
estudos genéticos. Uma investigação já célebre sobre a
ancestralidade de brasileiros classificados censitariamente como
brancos, conduzida por Sérgio Pena e sua equipe da UFMG
(Universidade Federal de Minas Gerais) comprovou cientificamente
a extensão de nossas miscigenações. "Em resumo, estes estudos
filogeográficos com brasileiros brancos revelaram que a imensa
maioria das patrilinhagens é européia, enquanto a maioria das
matrilinhagens (mais de 60%) é ameríndia ou africana".
Especificamente, a análise do DNA mitocondrial, que serve como
marcador de ancestralidades maternas, mostrou que 33% das
linhagens eram de origem ameríndia, 28% de origem africana e 39%
de origem européia.
Os estudos
de marcadores de DNA permitem concluir que, em 2000, existiam
cerca de 28 milhões de afrodescendentes entre os 90,6 milhões de
brasileiros que se declaravam brancos e que, entre os 76,4
milhões que se declaravam pardos ou pretos, 20% não tinham
ancestralidade africana. Não é preciso ir adiante para perceber
que não é legítimo associar cores de pele a ancestralidades e
que as operações de identificação de negros com descendentes de
escravos e com afrodescendentes são meros exercícios da
imaginação ideológica. Do mesmo modo, a investigação genética
evidencia a violência intelectual praticada pela unificação dos
grupos censitários pretos e pardos num suposto grupo racial
negro.
Mas a
violência não se circunscreve à esfera intelectual. As leis de
cotas raciais são veículos de uma engenharia política de
fabricação ou recriação de raças. Se, individualmente, elas
produzem injustiças singulares, socialmente têm o poder de gerar
raças oficiais, por meio da divisão dos jovens estudantes em
duas raças polares. Como, no Brasil, não sabemos quem exatamente
é negro e quem é não-negro, comissões de certificação racial
estabelecidas pelas universidades se encarregam de traçar uma
fronteira. A linha divisória só se consolida pela validação
oficial da autodeclaração dos candidatos, num processo sinistro
em que comissões universitárias investigam e deliberam sobre a
"raça verdadeira" dos jovens a partir de exames de imagens
fotográficas ou de entrevistas identitárias. No fim das contas,
isso equivale ao cancelamento do princípio da autodeclaração e
sua substituição pela atribuição oficial de identidades
raciais.
Na UnB,
uma comissão de certificação racial composta por professores e
militantes do movimento negro chegou a separar dois irmãos
gêmeos idênticos pela fronteira da raça. No Maranhão,
produziram-se fenômenos semelhantes. Pelo Brasil afora, os
mesmos candidatos foram certificados como negros em alguma
universidade mas descartados como brancos em outra. A
proliferação das leis de cotas raciais demanda a produção de uma
classificação racial geral e uniforme. Esta é a lógica que
conduziu o MEC a implantar declarações raciais nominais e
obrigatórias no ato de matrícula de todos os alunos do ensino
fundamental do país. O horizonte da trajetória de racialização
promovida pelo Estado é o estabelecimento de um carimbo racial
compulsório nos documentos de identidade de todos os
brasileiros. A história está repleta de barbaridades inomináveis
cometidas sobre a base de carimbos raciais oficialmente
impostos.
A
propaganda cerrada em favor das cotas raciais assegura-nos que
os estudantes universitários cotistas exibem desempenho similar
ao dos demais. Os dados concernentes ao tema são esparsos,
contraditórios e pouco confiáveis. Mas isso é essencialmente
irrelevante, pois a crítica informada dos sistemas de cotas
nunca afirmou que estudantes cotistas seriam incapazes de
acompanhar os cursos superiores ou que sua presença provocaria
queda na qualidade das universidades. As cotas raciais não são
um distúrbio no ensino superior, mas a face mais visível de uma
racialização oficial das relações sociais que ameaça a coesão
nacional.
A crença
na raça é o artigo de fé do racismo. A fabricação de raças
oficiais e a distribuição seletiva de privilégios segundo
rótulos de raça inocula na circulação sangüínea da sociedade o
veneno do racismo, com seu cortejo de rancores e ódios. No
Brasil, representaria uma revisão radical de nossa identidade
nacional e a renúncia à utopia possível da universalização da
cidadania efetiva.
Ao julgar
as cotas raciais, o STF não estará deliberando sobre um método
de ingresso nas universidades, mas sobre o significado da nação
e a natureza da Constituição. Leis raciais não ameaçam uma elite
branca, conforme esbravejam os racialistas, mas passam uma
fronteira brutal no meio da maioria absoluta dos brasileiros.
Essa linha divisória atravessaria as salas de aula das escolas
públicas, os ônibus que conduzem as pessoas ao trabalho, as ruas
e as casas dos bairros pobres. Neste início de terceiro milênio,
um Estado racializado estaria dizendo aos cidadãos que a utopia
da igualdade fracassou
–
e que, no
seu lugar, o máximo que podemos almejar é uma trégua sempre
provisória entre nações separadas pelo precipício intransponível
das identidades raciais. É esse mesmo o futuro que queremos?
21 de abril de 2008.
Adel Daher
- Diretor do Sindicato dos Ferroviários de Bauru e MS
Adelaide Jóia - Socióloga e Mestre em Educação Infantil pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Adriana Atila - Doutora em Antropologia Cultural, IFCS,
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Aguinaldo Silva - Jornalista, telenovelista
Alba Zaluar - Titular de Antropologia da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ), Livre-docente da Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP), colunista da Folha de S. Paulo
Almir Lima da Silva - Jornalista, Centro de Cultura Negra de
Macaé-RJ
Alzira Alves de Abreu - Pesquisadora do CPDOC da Fundação
Getulio Vargas
Amâncio Paulino de Carvalho - Professor da Faculdade de Medicina
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Ana Maria Machado - Escritora, membro da Academia Brasileira de
Letras
Ana Teresa A. Venancio - Pesquisadora
da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz
Ângela Porto - Pesquisadora Titular, Fundação Oswaldo Cruz
Antonio Cicero - Poeta e ensaísta
Antonio Risério - Antropólogo
Arlindo Belo da Silva - Conselheiro Fiscal da Confederação
Nacional dos Trabalhadores do Ramo Químico (CNQ-CUT)
Bernardo Lewgoy - Professor Adjunto do Departamento de
Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS)
Bernardo Sorj - Professor Titular da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ)
Bernardo Vilhena - Poeta
Bila Sorj - Professora Titular da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ)
Bolivar Lamounier - Cientista Político
Caetano Veloso
Carlos A. de L. Costa Ribeiro - Professor e Consultor em
Ciências do Meio Ambiente
Carlos Pio - Professor da Universidade de Brasília (UNB)
Carlos José Serapião - Professor Titular aposentado da Faculdade
de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e
Professor Titular da Universidade da Região de Joinville-SC
Celso Castro - Antropólogo, professor do CPDOC da Fundação
Getulio Vargas
César Benjamin - Editor
Charles Pires - Diretor do Sindicato dos Funcionários Publicos
Municipais de Florianópolis e membro da Executiva da CUT-SC
Cremilda Medina - Jornalista e professora Titular da
Universidade de São Paulo (USP)
Cynthia Maria Pinto da Luz - Advogada,
Conselheira Nacional do Movimento Nacional em Defesa dos
Direitos Humanos
Claudia Travassos - Pesquisadora Titular, Fundação Oswaldo Cruz
Darcy Fontoura de Almeida -Professor Emérito da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Demétrio Magnoli - Sociólogo, integrante do Grupo de Análises de
Conjuntura Internacional (Gacint) da Universidade de São Paulo
(USP)
Diomédes Matias da Silva Filho - Diretor do Sindicato dos
Professores do Estado de Pernambuco
Domingos Guimaraens - Poeta e artista
plástico
Edmar Lisboa Bacha - Economista
Eduardo Giannetti - Economista
Eduardo Pizarro Carnelós - Advogado,
ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo e do
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do
Ministério da Justiça
Elizabeth Balbachevsky - Professora
Associada do Departamento de Ciência Política e pesquisadora
sênior do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da
Universidade de São Paulo (USP)
Esteffane Emanuelle Ferreira - Estudante, Coordenação do DCE da
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)
Eunice Durham - Professora Emérita da FFLCH da Universidade de
São Paulo (USP)
Fernando Gomes Martins - Associação de
Moradores do Parque Bandeirantes e Movimento Hip Hop Sumaré-SP
Ferreira Gullar - Poeta
Flávio Rabelo Versiani - Professor Titular do Departamento de
Economia da Universidade de Brasília (UNB)
Francisco João Lessa - Advogado, Direção do PT-SC
Francisco Johny Rodrigues Silva - Coordenador do Fórum Afro da
Amazônia (FORAFRO)
Francisco Martinho - Professor do Departamento de História da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Francisco Mauro Salzano - Professor
Emérito do Departamento de Genética da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS)
George de Cerqueira Leite Zarur - Professor Internacional da
Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (FLACSO)
Gerald Thomas - Dramaturgo, criador e diretor da Companhia de
Ópera Seca
Gilberto Horchman - Pesquisador, Fundação Oswaldo Cruz
Gilberto Velho - Professor Titular de Antropologia do Museu
Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e
membro da Academia Brasileira de Ciências
Gilda Portugal - Professora de Sociologia da Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP)
Gilson Schwartz - Professor da Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da Cidade do
Conhecimento
Glaucia Kruse Villas Bôas -Professora Associada de Sociologia do
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Gursen De Miranda - Professor Adjunto da Universidade Federal de
Roraima (UFRR) e Presidente da Academia Brasileira de Letras
Agrárias
Helda Castro de Sá - Coordenadora da Associação dos Caboclos e
Ribeirinhos da Amazônia
Helena Severo - Cientista social, pesquisadora do Núcleo de
Estudos e Pesquisas (NEP) do Tribunal de Contas do Rio de
Janeiro
Helga Hoffmann - Economista, integrante do Grupo de Análises de
Conjuntura Internacional (Gacint) da Universidade de São Paulo
(USP)
Heloisa Helena T. de Souza Martins - Professora aposentada de
Sociologia da Universidade de São Paulo (USP)
Isabel Lustosa - Pesquisadora Titular da Fundação Casa de Rui
Barbosa
João Rodarte - Empresário
João Ubaldo Ribeiro - Escritor
José Álvaro Moisés - Professor Titular do Departamento de
Ciência Política e Diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas
Públicas da Universidade de São Paulo (USP)
José Arbex Jr. - Jornalista e professor do Departamento de
Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP)
José Augusto Guilhon Albuquerque - Professor Titular
(aposentado) de Relações Internacionais da Faculdade de Economia
e Administração da Universidade de São Paulo (USP)
José Carlos Miranda - Coordenador Nacional do Movimento Negro
Socialista
José Goldemberg - Ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP)
José de Souza Martins - Professor Titular (aposentado) de
Sociologia da Universidade de São Paulo (USP)
José Roberto Pinto de Góes -
Historiador e professor da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ)
Karina Kuschnir - Antropóloga, professora da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Leão Alves - Presidente do Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro
Leonel Munhoz Coimbra -Analista de Controle Externo,
Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental da
Escola Nacional de Administração Pública
Lourdes Sola - Presidente da Associação Internacional de Ciência
Política e professora aposentada da Universidade de São Paulo
(USP)
Luciana Villas-Boas - Diretora do Grupo Editorial Record
Luciene G. Souza - Mestre em Saúde Pública, Fundação Nacional de
Saúde
Luiz Alphonsus - Artista Plástico
Luiz Fernando Dias Duarte -Professor Associado do Museu Nacional
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Luiz Werneck Vianna - Professor Titular do Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ)
Lya Luft - Escritora
Manolo Garcia Florentino - Professor
do Departamento de Historia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ)
Marcelo Hermes-Lima - Professor de Bioquímica Médica da
Universidade de Brasília (UNB)
Marcos Chor Maio - Pesquisador da da Casa de Oswaldo
Cruz/Fiocruz
Margarida Cintra Gordinho - Editora
Maria Alice Resende de Carvalho - Socióloga
Maria Cátira Bortolini - Professora da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS)
Maria Conceição Pinto de Góes - Professora do Programa de
Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ)
Maria Herminia Tavares de Almeida - Cientista Política
Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti - Professora Associada
do Instituto de Filosofia e Ciencias Sociais da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Maria Sylvia Carvalho Franco - Professora Titular da
Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP)
Mariza Peirano - Professora Titular, Antropologia, Universidade
de Brasília (UNB)
Maurício Soares Leite - Professor Adjunto, Departamento de
Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Moacyr Góes - Diretor de teatro e cineasta
Monica Grin - Professora da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ)
Nelson Motta - Produtor musical, jornalista e escritor
Patrícia Vanzella - Professora Adjunta, Departamento de Música
da Universidade de Brasília (UNB)
Pedro Paulo Poppovic - Empresário
Peter Henry Fry - Professor Titular da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ)
Reinaldo Azevedo - Jornalista, articulista da revista VEJA e
editor do 'Blog do Reinaldo Azevedo'
Renata Aparecida Vaz - Coordenação do
Movimento Negro Socialista-SP
Renato Lessa - Professor Titular de Teoria Política do Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e da
Universidade Federal Fluminense (UFF), Presidente do Instituto
Ciência Hoje
Ricardo Ventura Santos - Pesquisador
titular da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo
Cruz e Professor Adjunto do Museu Nacional da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Roberta Fragoso Menezes Kaufmann - Procuradora do Distrito
Federal, Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UNB) e
Professora de Direito Constitucional
Roberto Romano da Silva - Professor
Titular da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Rodolfo Hoffmann - Professor do Instituto de Economia da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Ronaldo Vainfas - Professor Titular da Universidade Federal
Fluminense (UFF)
Roque Ferreira - Coordenação da Federação Nacional de
Trabalhadores de Transporte sobre Trilho-CUT
Ruth Correa Leite Cardoso - Antropóloga
Serge Goulart - Secretário da Esquerda Marxista do PT
Sergio Danilo Pena - Professor Titular do Departamento de
Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) e membro titular da Academia Brasileira de Ciências
Simon Schwartzman - Pesquisador do Instituto de Estudos do
Tabalho e Sociedade (IETS)
Simone Monteiro - Pesquisadora Associada, Fundação Oswaldo Cruz
Walter Tauille - Webdesigner (2818)
Wanderley Guilherme dos Santos - Cientista Político
Wilson Trajano Filho - Professor do Departamento de Antropologia
da Universidade de Brasília (UNB)
Yvonne Maggie - Professora Titular da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ).
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