A imprensa e os carros bicombustíveis  

 

Se o título da matéria assinada por Rosângela de Moura, na capa de um dos cadernos de classificados da Folha de S. Paulo de domingo (5/6), estiver tecnicamente correto, então estamos diante de um grande escândalo que mexe com a imprensa e com empresas. Diz o título: "Flexíveis devem usar um só combustível". Flexíveis, no caso, são aqueles carros fabricados para usar álcool ou gasolina. Publicar um título assim é, obviamente, de grande responsabilidade: pode provocar até um certo pânico nos mais preocupados.

A frase inicial da matéria (embora se desminta mais adiante) é mais contundente: "Os carros bicombustíveis devem rodar apenas com um combustível". Contraditório, não? É fácil enxergar aí – caso a informação seja verdadeira – uma eventual, e grande, falha da imprensa em não denunciar isso antes. Onde estão os coleguinhas da "especializada" que não viram isso? E, repetindo, caso seja verdadeira, também é possível localizar algum tipo de crime contra o consumidor ou pelo menos propaganda enganosa.

Informa a matéria da Folha que os carros bicombustíveis já correspondem a 32,8% do mercado. A matéria poderia dizer quantos desses carros já estão rodando, desde quando, mas não diz. Ainda assim, pelo percentual, dá para concluir que é muito carro.

Falha da imprensa?

Já existe, portanto, uma boa base estatística para uma avaliação correta dos defeitos e ocorrências mais comuns. Como são, na maioria, carros novos, com garantia, esses dados estão nas revendedoras oficiais. A matéria, no entanto, está baseada nos depoimentos de uns poucos mecânicos e consumidores. E um dos mecânicos desmente o título. Se alguém resolver andar só com álcool, afirma o texto "para evitar formar borra, [o mecânico] recomenda um tanque de gasolina a cada 5.000 km rodados com álcool".

Montadoras são useiras e vezeiras em diminuir a importância de certos fatos ou até mesmo atrasar a divulgação de alguns defeitos menores. Mas, quando o caso é grave, quando pode prejudicar a imagem e causar milhões de reais de prejuízo, elas correm corrigir. É o caso dos famosos recalls. Se houver defeitos realmente graves com os bicombustíveis, e se as montadoras agirem como têm agido em outros casos, o problema será resolvido.

O defeito apontado pela matéria ocorre no filtro de combustível. Para que ele não fique entupido, um dos mecânicos sugere que seja trocado a cada 5 mil quilômetros. Mas a própria matéria cita uma montadora que, no manual do proprietário, já baixou essa recomendação de 15 mil km (carros comuns) para 10 mil km.

De qualquer forma, existe aí um grande tema para toda a imprensa especializada. Todos, inclusive a própria Folha, têm que pesquisar, checar, testar e levar suas conclusões aos leitores. E qualquer que seja o resultado, a situação é grave.

Se a afirmação do título da matéria é verdadeira, o consumidor tem que ser alertado por todos os órgãos da mídia porque está sendo iludido pela indústria – e a imprensa, falhou. Se a afirmação for leviana, então temos um grave caso de irresponsabilidade.

 

Fonte: http://observatoriodaimprensa.com.br, José Carlos Marão, 07/06/2005.


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