Guerra à pobreza está sendo perdida
Washington Novaes*

  

Hoje, 1% das pessoas no mundo detêm 40% da riqueza total, enquanto a metade
mais pobre da população mundial tem 1% da riqueza; os 2% mais ricos
têm 50% da riqueza total

Às vésperas do Natal, ao mesmo tempo que líderes mundiais lançam novos apelos em favor da redução do quadro de pobreza e miséria no mundo – e no Brasil –, vários estudos mostram que o problema está se agravando.

Inclusive entre nós, por alguns ângulos.

Perto de deixar o cargo, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, adverte que estamos “muito longe” de cumprir, no mundo e em cada país, os chamados Objetivos do Milênio, que pretendiam até 2015 reduzir à metade o número de pessoas que passam fome (840 milhões), que vivem abaixo da linha de pobreza (2,7 bilhões), sem acesso a água de boa qualidade (mais de 1 bilhão), que não dispõem de saneamento básico (2,5 bilhões), assim como o número de crianças (11 milhões) que morrem a cada ano de doenças que poderiam ser evitadas.

Uma das razões para que não se atinjam os objetivos está no não-cumprimento, pelos países industrializados, do compromisso que assumiram em 1992, na Agenda 21, de destinar 0,7% de seu produto bruto para ajuda aos países mais pobres.

Seriam US$ 120 bilhões anuais, que, somados a US$ 480 bilhões dos países receptores, permitiriam sanar os problemas mais graves de saneamento, saúde, educação, etc. Passados quase 15 anos, entretanto, a ajuda, que estava em 0,36% do produto bruto daqueles países, caiu para 0,22%; no caso dos EUA, para 0,1%.

Nesse período, a distribuição da renda no mundo piorou muito, diz o Instituto Mundial de Pesquisas sobre Economia e Desenvolvimento (Universidade da ONU).

Hoje, 1% das pessoas no mundo detêm 40% da riqueza total, enquanto a metade mais pobre da população mundial tem 1% da riqueza; os 2% mais ricos têm 50% da riqueza total.

América do Norte, Europa e as áreas mais ricas da Ásia ficam com 90% da riqueza global. Só os EUA, com menos de 5% da população total, detêm 34% da riqueza.

Desde o início da revolução industrial, os dez países mais ricos tornaram-se 50 vezes mais prósperos que os dez mais pobres. E no ritmo atual, afirma o Observatório da Cidadania, as Metas do Milênio só serão atingidas daqui a 276 anos.

A pior situação, apontada em todos os estudos, é a da África Subsaariana - na qual o exemplo dramático mais recente está na região de Darfur, no Sudão, onde 300 mil pessoas já morreram desde o início do extermínio de parte da população negra pelos adeptos do governo muçulmano; 2,5 milhões de pessoas tiveram de fugir de suas casas, num conflito em que a disputa por recursos naturais é o centro da questão.

Ainda há poucos dias, a diplomacia brasileira foi criticada por se abster de votar resolução que pretendia obrigar o governo sudanês a punir os responsáveis pelo massacre.

O Brasil também tem com que se preocupar. Relatório divulgado no início do mês pela Comissão Econômica para a América Latina (Cepal/ONU) mostra que, embora a concentração da riqueza no país tenha diminuído ligeiramente entre 2003 e 2005, comparados com 2000-2002, continua muito grave.

A porcentagem de pessoas em situação de pobreza extrema caiu de 13,2% para 10,6%, enquanto a de pessoas que vivem na pobreza passou de 37,5% para 36,3%. Ou seja, temos 19,5 milhões de miseráveis e 67,8 milhões de pobres.

O quadro da distribuição pode agravar-se, já que quase todos os empregos com carteira assinada (96%) criados este ano no país, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, têm remuneração até 1,5 salário mínimo (R$ 525,00), quando no ano passado esse porcentual era de 79%. Pode-se imaginar a situação entre os que não têm carteira assinada.

Ao analisar esses dados, o professor Márcio Pochmann, da Unicamp, disse que o achatamento salarial decorre do próprio modelo de desenvolvimento, baseado na produção e exportação de bens e serviços de baixo valor agregado. 

“Esse modelo pressupõe remuneração deprimida”, disse ele - na mesma linha do que já observava há dez anos o Relatório do Desenvolvimento Humano no Brasil 1996 (Pnud), para quem o país não tinha nenhum setor realmente competitivo no comércio exterior, por falta de densidade tecnológica ou de escala de competição; e para suprir as insuficiências recorria a “fatores espúrios”, como a absorção de custos ambientais e sociais (depleção de salários).

A eles se agregam hoje, na análise do professor Pochmann, o câmbio desvalorizado, juros elevados e carga tributária.

Todos esses fatores levam empresas a cortar mão-de-obra e salários, para oferecerem preços vantajosos, inclusive em setores que mais absorvem empregados, como as indústrias têxtil, de calçados e de móveis (Agência Estado, 11/12).

Segundo o IBGE (Estado, 15/12), os próximos 25 anos serão insuficientes também para reduzir a “patamares mínimos” a atual disparidade na distribuição regional da renda no país, com forte influência nos índices de mortalidade infantil e expectativa de vida.

Confiante em que o crescimento do produto bruto, por si só, seja capaz de reduzir essas disparidades, a maioria dos governos estaduais, hoje, se dedica cada vez mais a políticas de isenção de impostos (ICMS) para atrair empresas – o que, na verdade, agrava o problema, já que concentra em poucas mãos a receita que deveriam ter na arrecadação de impostos e que deveriam aplicar em favor de toda a sociedade.

Seria interessante conhecer o valor total dessa 'guerra fiscal' no país. Juntamente com outros caminhos de renúncia fiscal e com os juros da dívida pública, é um dos principais formatos que contribuem para a concentração da renda.

Não conseguiremos superar o atual quadro de conflitos urbanos e rurais sem enfrentar corajosamente essas questões.

 

* Washington Novaes (wlrnovaes@uol.com.br) é jornalista especializado em questões ambientais e já foi secretário de C&T e Meio Ambiente do Distrito Federal.

 

Fonte: O Estado de S. Paulo, 22/12/2006.


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