Guerra de nervos no trabalho
Anna-Marie Metz e Heinz-Jürgen Rothe*

 

Frustração, irritação, uso de drogas e passividade durante o tempo livre podem ser
sinal de stress ocupacional; as conseqüências para a saúde se tornam
mais dramáticas com o envelhecimento
 

O stress no trabalho é uma das principais causas de absenteísmo e acidentes. Estudo feito pelo governo britânico em 2000 estimou em cerca de 40 milhões as faltas ao trabalho, em apenas um ano, devido a distúrbios relacionados ao stress. Nos Estados Unidos, esse número chega a 550 milhões de faltas por ano. O médico americano Martin Moore-Ede, um dos maiores especialistas do mundo em fadiga laboral, calculou, em 1993, o custo mundial dos acidentes − na indústria, no trânsito e no campo − em cerca de 60 milhões de dólares por ano. Mais do que um tema de segurança ocupacional, o stress é, portanto, uma fonte importante de prejuízos econômicos. A situação tem se agravado nas últimas décadas devido à crescente precarização das relações de trabalho, ao ritmo acelerado das grandes cidades, à pressão por eficiência, ao ambiente cada vez mais competitivo e ao medo do desemprego. 

No entanto, alguns dados enganam. Embora diversos indicadores sugiram que a prevalência de doenças ocupacionais venha caindo nos últimos anos, isso não deve ser tomado como sinal de melhora da saúde da população economicamente ativa. O que as estatísticas não mostram é que o número de doenças crônicas e degenerativas nos idosos aumenta dramaticamente, até por causa do envelhecimento populacional. Ao que tudo indica, os jovens conseguem lidar razoavelmente bem com os fatores estressores no ambiente de trabalho. É mais tarde, porém, quando o indivíduo já está aposentado, que os prejuízos para a saúde se tornam perceptíveis.  

Lugar-comum 

A frase “Estou estressado” já virou lugar-comum. Entretanto, não há consenso sobre a definição de stress ocupacional. Segundo o Instituto de Saúde e Segurança Ocupacional dos Estados Unidos, “o stress ocupacional é uma resposta física e emocional nociva que ocorre quando as exigências do trabalho superam as habilidades, os recursos e as necessidades do trabalhador”. Para o departamento de emprego e assistência social da União Européia trata-se “de uma reação cognitiva, comportamental e fisiológica a aspectos aversivos e perniciosos do ambiente e da organização do trabalho. É um estado caracterizado por altos níveis de alerta, angústia e frustração por não se conseguir lidar com o problema”.  

De certa forma, todas as definições contemplam a variedade de aspectos dessa complexa questão. Para simplificar, porém, podemos entender o stress como um desgaste físico e principalmente psíquico. A pessoa estressada sente que algo de si está sendo consumido. As fontes desse desgaste, que alguns chamam de fatores estressores, são variadas e podem ser divididas em três domínios: o do conteúdo do trabalho, o da função que o indivíduo ocupa e o das condições ambientais e organizacionais do trabalho (ver tabela 1). 

Assim como as fontes do stress no trabalho podem ser muitas, as respostas dos indivíduos também não são poucas e podem ser observadas em três níveis: fisiológico/somático, emocional e comportamental (ver tabela 2). No primeiro nível destacam-se as alterações mais óbvias, como problemas cardíacos, distúrbios do sono e facilidade de contrair infecções. No nível emocional são marcantes os sentimentos de decepção e frustração, que geralmente evoluem para uma condição de monotonia e saturação que pode se tornar intolerável. Do ponto de vista comportamental, o aumento do consumo de álcool, tabaco e outras drogas, lícitas e ilícitas, pode ocorrer com certa freqüência. Outro traço comum da pessoa estressada é o comportamento passivo durante o tempo livre.  

Os primeiros estudos sobre stress no trabalho, realizados na década de 50, viam o indivíduo passivamente exposto aos desgastes. Novos modelos propostos na década de 80, no entanto, mudaram esse conceito, entendendo que o ser humano lida ativamente com as situações estressantes, o que implica uma avaliação do próprio indivíduo, que pode ser dividida em primária e secundária. 

Chances de superação 

A avaliação primária tem como referência a percepção da situação como ameaçadora e prejudicial. Quando a realidade representa uma ameaça para alcançar objetivos pessoais (ter de abrir mão de um curso, por exemplo) ou uma perda (como a redução do tempo livre), a reação de stress é evocada sempre que as possibilidades de superação da situação forem críticas ou improváveis. Isso só é possível com base numa avaliação secundária, que leva em conta a experiência individual, o conhecimento e a capacidade disponíveis, assim como no apoio externo − e tem referência, portanto, nas chances percebidas pela própria pessoa de conseguir superar os desgastes em curto, médio ou longo prazo. 

A forma como situações estressantes são superadas não depende apenas das possibilidades objetivas de ação, mas é influenciada também pelo estilo pessoal de reação ao stress e pelas experiências vividas por cada pessoa. A ação pode visar a modificação da situação desencadeadora (por exemplo, reduzir a pressão de prazos por meio de um planejamento realista do tempo), o aumento do próprio esforço, da intensidade ou da duração do trabalho (reduzir as pausas, fazer horas extras), repensar o fluxo de trabalho e organizá-lo de forma mais eficiente (manter todas as informações necessárias disponíveis e fáceis de encontrar) e corrigir metas e objetivos (fazer o melhor possível, sem ser perfeccionista). Além disso, a experiência do stress também pode ser amenizada por meio de uma reavaliação da situação desgastante que relativiza os parâmetros em questão (“Os outros também cometem erros”). Dentre todas essas possibilidades, sabemos que os indivíduos sob maior risco de viver experiências altamente estressantes são aqueles com ambição e engajamento excessivos, prontidão exagerada para trabalhar até o esgotamento, grande busca por perfeição, baixa capacidade de distanciamento dos problemas do trabalho, tendência marcante à resignação em caso de falha, assim como dificuldade de pedir ajuda.  

Se o stress for compreendido como um desequilíbrio entre as demandas do trabalho e a capacidade de superação do indivíduo, as medidas de redução desse mal deviam, via de regra, basear-se, por um lado, nas causas do desgaste e, por outro, em alterações comportamentais. Esse último inclui o desenvolvimento de competências adequadas por meio de treinamento, aprimoramento e motivação do indivíduo, bem como da melhoria de suas habilidades sociais e de resolução de conflitos. Da mesma forma, as competências individuais de superação podem ser positivamente influenciadas por mudanças no estilo de vida (por exemplo, alimentar-se de forma saudável, dormir o suficiente e alternar momentos de tensão e relaxamento). As iniciativas de promoção da saúde dentro das empresas devem ter como objetivo a integração das intervenções aqui descritas, baseadas tanto no comportamento quanto nas relações. Hoje está claro que as intervenções podem ser tanto corretivas nos locais de trabalho, quanto preventivas para evitar ameaças conhecidas, além de prospectivas, no que diz respeito a segurança, manutenção e promoção da saúde.

 


TABELA 1 – AS ORIGENS DO DESGASTE

CONTEÚDO DO TRABALHO

  • Alto grau de qualificação exigido dos funcionários

  • Forte pressão por prazos e ritmo acelerado de trabalho

  • Grande número de informações complexas a processar

  • Gerenciamento confuso ou contraditório

  • Interrupções constantes e não previstas do fluxo do trabalho

  • Possibilidades limitadas para tomar decisões próprias

  • Falta de autonomia para planejar as próprias atividades e controlar seus resultados

FUNÇÃO OU CARGO

  • Grande responsabilidade para com pessoas e/ou valores

  • Forte competição entre os funcionários

  • Pouco reconhecimento pelo trabalho realizado

  • Conflitos com superiores e/ou colegas de trabalho

  • Pouco apoio social ou assistencial

  • Mudanças estruturais na empresa, principalmente quando acompanhadas de redução de vagas

  • Informação insuficiente sobre as modificações planejadas

AMBIENTE E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

  • Ambientes ruidosos

  • Iluminação inadequada

  • Temperaturas muito altas ou muito baixas

  • Vibrações mecânicas constantes ou intermitentes

  • Substâncias químicas perigosas

  • Espaço muito reduzido

  • Trabalho individual isolado

  • Trabalho em turno e/ou noturno

 


TABELA 2 - A RESPOSTA AO STRESS

FISIOLÓGICAS / SOMÁTICAS

Reações agudas, de curto prazo: aumento da freqüência cardíaca, aumento da pressão arterial, tensão muscular, imunidade debilitada

Reações crônicas, de médio ou longo prazo: dores psicossomáticas,hipertensão, insônia, problemas de pele, obesidade etc.

EMOCIONAIS

Reações agudas, de curto prazo: irritação, decepção, frustração, medo, cansaço, monotonia, saturação

Reações crônicas, de médio ou longo prazo: resignação, insatisfação, estados depressivos, medo do fracasso, incapacidade de se desligar do trabalho

COMPORTAMENTAIS INDIVIDUAIS

Reações agudas, de curto prazo: eficiência inconstante, erros freqüentes, abandono de ações de controle das atividades

Reações crônicas, de médio ou longo prazo: consumo exagerado de nicotina, álcool e medicamentos, aumento das faltas, intensificação de comportamento passivo no tempo livre

COMPORTAMENTAIS SOCIAIS

Reações agudas, de curto prazo: conflitos, brigas, agressões

Reações crônicas, de médio ou longo prazo: isolamento
 

 

*Anna-Marie Metz e Heinz-Jürgen Rothe São psicólogos e professores de psicologia do trabalho da Universidade de Potsdam, Alemanha.

Tradução: Renata Dias Mundt.

Fonte: Rev. Mente e Cérebro, ed. 173 ("stress epidemia"), junho/2007.

 


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