Grupo de pesquisa da reitora USP
é denunciado por plágio

 

 
 

 

Pesquisadora do Instituto de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a professora Angela Hampshire Lopes encaminhou à Pró-Reitoria de Pesquisa da USP uma denúncia de plágio contra um grupo de pesquisadores do qual faz parte a professora Suely Vilela. A reitora da USP é co-autora de um artigo científico que reproduz, sem citar a fonte, material originalmente publicado, cinco anos antes, por um grupo de pesquisa liderado pela professora Angela Lopes. Uma sindicância foi aberta para apurar o caso.

O artigo contestado, que foi publicado em 2008 na revista Biochemical Pharmacology (edição 76), reproduz três imagens colhidas em microscópio eletrônico idênticas às que constam de um outro artigo, publicado em 2003 na revista Antimicrobial Agents and Chemotherapy (v. 47, nº 6), por Angela Lopes e seu grupo. Além disso, algumas passagens do artigo de 2008 são quase integralmente copiadas do artigo de 2003. Não há qualquer referência ao trabalho anterior e aos seus autores.

A professora Angela Lopes declarou ao Informativo Adusp que prefere não comentar o caso, que está sendo “devidamente tratado pelas instâncias superiores da USP”, segundo ela. “Meu grupo e eu decidimos esperar os desdobramentos naturais do caso, confiando plenamente no bom senso e na lisura do processo em questão”, disse a docente da UFRJ.

“Confusão”

O coordenador do grupo acusado de plágio é o professor Andreimar Soares, que pertence à Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, mesma unidade de Suely. “Deixo claro que não houve plágio, e sim que ocorreu um lamentável erro de substituição de figuras pela minha ex-aluna de doutorado”, declarou Soares ao Informativo Adusp. Ele atribuiu o problema a uma “confusão da minha orientada, Carolina D. Sant’Ana, em meados de 2007”. Carolina é co-autora do artigo em questão.

De acordo com Soares, seus alunos são incentivados a complementar “suas discussões e apresentações com os trabalhos correlacionados, apresentando-os de forma mesclada durante seus seminários internos”, de forma paralela e comparativa. “Não houve má fé da aluna, mas durante estas apresentações ela deve ter utilizado suas figuras como exemplo de dano ao Trypanosoma, pois já tinhamos os resultados in vitro e os de Leishmania, e nessa provável mescla, ao invés de manter somente na discussão do seu trabalho, em algum momento estes dados foram incluídos e confundidos, ocasionando este erro absurdo”. O professor informa que “todas as medidas já estão sendo tomadas para a retratação deste grave erro junto à Editora e à comunidade científica, pois, nestes últimos 15 anos de carreira, sempre me preocupei em desenvolver pesquisa com seriedade e de boa qualidade”.

A professora Suely Vilela esquivou-se de responsabilidade no caso: “O trabalho mencionado é resultado da tese de doutorado da aluna Carolina Dalaqua Sant’Ana, que foi orientada pelo professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Andreimar Martins Soares”, declarou ao Informativo Adusp. “Minha colaboração com o docente é na área de isolamento e purificação de toxinas animais, matéria distinta em relação às passagens e imagens questionadas. Em face das acusações referidas, de uso indevido de obra alheia anterior, já foi instaurada a competente sindicância administrativa para apuração dos fatos”. A USP, afirma, “dispõe de instrumentos administrativos e jurídicos para conduzir o processo com total isenção”.

O Informativo Adusp submeteu à pesquisadora Carolina Sant’Anna as declarações de Soares e Suely. “O que o professor Andreimar comentou é o que realmente aconteceu”, disse. “Não tenho mais o que dizer... apenas lamento esta situação”.

Retirada

Nos currículos Lattes de Soares, de Suely e de Carolina, foi retirada a menção ao artigo objeto da acusação de plágio, “Antiviral and antiparasite properties of an L-amino acid oxidase from the Snake Bothrops jararaca: Cloning and identification of a complete cDNA sequence”. Nos três casos foi possível localizar as versões anteriores na memória cache do buscador Google, nas quais consta o artigo. “Foi uma forma de entender a gravidade do assunto e de me retratar inicialmente junto à comunidade científica até que tudo fique esclarecido”, declarou Soares sobre a retirada.

A tese de doutorado de Carolina não foi localizada no banco de dados da USP. Mas foi possível encontrar referência a ela na memória cache do Google: seu último registro data de 18/10.

O currículo de Suely aponta a participação da reitora em dez projetos de pesquisa em andamento. Perguntada sobre como conciliar o cargo com os diversos projetos de pesquisa em andamento, Suely respondeu: “Possuo um laboratório de pesquisa com boa infraestrutura física e de recursos humanos, inclusive pós-doutores. Além disso, a tecnologia da informação me permite manter contato com pesquisadores, pós-graduandos e técnicos de nível superior de forma eficiente e ágil, o que me possibilita conciliar atividades administrativas e de pesquisa científica”.

Figuras

Às imagens (A), (D) e (E) da Figura 3 do artigo de 2003 correspondem respectivamente as imagens (A), (B) e (C) da Figura 3 do artigo de 2008, no qual foram suprimidas as imagens (B) e (C) da seqüência original.

A seqüência de imagens publicada no artigo de Angela Lopes e outros, “Antileishmanial Activity of a Linalool-Rich Essential Oil from Croton cajucara”, mostra a ação de óleo essencial rico na substância linalol, extraído de folhas da planta Croton cajucara, sobre o protozoário Leishmania amazonensis. 

Porém, no artigo de Soares, Suely e outros, as mesmas imagens recebem legenda explicativa diferente, que informa tratar-se do efeito de L-aminoácido oxidase (LAAO) extraído da cobra Bothrops jararaca sobre o protozoário Trypanosoma cruzi.

Apesar de substância e parasita citados serem diferentes, a redação para o processo que se observa nas imagens é precisamente a mesma, como se pode comprovar no quadro da p. 4. O artigo de 2008 traz outras imagens produzidas por microscópio eletrônico que registrariam tratamento de parasitas Leishmania amazonensis por LAAO de jararaca (imagens D e E, figura 3), mas a explicação do que se vê ali é literalmente igual a outro trecho do artigo em 2003.

COMPARE DOIS TRECHOS

Substâncias e parasitas diferentes, redação igual

Artigo de 2003

“Untreated and treated (15.0 ng of essential oil per ml) promastigotes were observed by transmission electron microscopy, and photomicrographs of the promastigotes are shown in Fig. 3A to E, which show promastigotes with different degrees of damage. Disruption of flagellar membranes, mitochondrial swelling, and gross alterations in the organization of the nuclear and kinetoplast chromatins were detected. After 30 min in the presence of essential oil the parasites were completely destroyed.” (p. 1898)

Artigo de 2008

“Untreated and treated promastigotes (L. amazonensis) and epimastigotes (T. cruzi) were observed by transmission electron microscopy. Photomicrographs of the promastigotes with different degrees of damage are shown in Fig. 3. For treated T. cruzi with BjarLAAO-I, disruption of flagellar membranes, mitochondrial swelling and gross alterations in the organization of the nuclear and kinetoplast chromatins were detected. After 24 h in the presence of 15 mg of BjarLAAOI, the parasites were completely destroyed (Fig. 3A–C).” (p. 283)

Imagens inéditas, explicação não

Artigo de 2003

“Mitochondrial swelling and important alterations in the organization of the nuclear and kinetoplast chromatins were observed by electron microscopy when L. amazonensis parasites were treated for 20 to 30 min with 15.0 ng of essential oil from C. cajucara per ml (Fig. 3).” (p. 1900)

Artigo de 2008

“Mitochondrial swelling and important alterations in the organization of the nuclear and kinetoplast chromatins were observed by electron microscopy when L. amazonensis parasites were treated with 5.0 mg/ml of BjarLAAO-I (Fig. 3D and E).” (p. 283)

Opinião da diretoria da ASDUSP

Produtivismo desenfreado

Plágios de artigos científicos ou de qualquer outro produto cultural sempre existiram e têm sido denunciados com frequência crescente na USP, como atestam casos que acabaram ganhando as páginas da mídia nos últimos anos.

A diretoria da Adusp lamenta que tais episódios pouco contribuam para o estabelecimento de uma política mais responsável de produção científica e cultural e para o aperfeiçoamento da avaliação acadêmica. Ao contrário, o que observamos são sinais de que a prática do publish or perish em nossa universidade tem se exacerbado.

Senão, vejamos: 1) a reforma na carreira docente que introduz níveis horizontais reforça a avaliação quantitativa e pouco acadêmica; 2) o produtivismo desenfreado, praticado e incentivado nos grupos de pesquisa instalados na universidade, leva nossos jovens pesquisadores a uma formação aligeirada, representada, por exemplo, pelo encurtamento de prazos de conclusão de mestrados e doutorados; 3) o aplauso irrefletido aos rankings internacionais avaliza a mera contabilidade de artigos, eventos e orientações.

Longe de destacar casos individuais, condenamos esse produtivismo paradigmático da oligarquia há décadas instalada na estrutura de poder e na gestão da universidade, que tem gerado tais distorções, amparado em critérios unicamente cientométricos e burocráticos.

 

Fonte: Informativo Adusp 296, 2/11/09.
<http://www.adusp.org.br/noticias/Informativo/296/index.htm>

 


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