“O governo não quer o
diálogo”
Marina Barbosa, Presidente do ANDES-SN fala da posição do Sindicato Nacional dos Docentes na Mesa de Negociação do governo com os servidores públicos, diz que a entidade vem sendo boicotada e diagnostica: Impedidos pelo governo federal de participar da elaboração da proposta de reforma universitária do Ministério da Educação (MEC), os professores diretores do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN) se vêem boicotados até mesmo na Mesa Nacional de Negociação. Na luta pelas reivindicações específicas da categoria e gerais dos servidores públicos, o ANDES-SN tenta elevar o valor do reajuste salarial prometido pelo governo de 0,1% para 18%, percentagem que trará um mínimo de recuperação do poder aquisitivo ao funcionalismo. No entanto, sob um ataque nunca visto por parte do governo federal, que parece querer investir contra a entidade com o objetivo de destruí-la, o Sindicato dos Docentes aguarda o agendamento das reuniões específicas. Para falar sobre isso, o Boletim da ADUnB entrevistou, neste mês, a presidente do Sindicato Nacional da categoria, Marina Barbosa. Boletim da ADUnB – Algumas seções sindicais do ANDES-SN acham que a diretoria do Sindicato Nacional deveria priorizar as negociações específicas em vez de continuar a participar ativamente das negociações conjuntas com as categorias do serviço público que compõem a Coordenação Nacional dos Servidores Federais (CNESF) na Mesa Nacional de Negociação. Qual a sua avaliação dessa leitura da campanha salarial? Marina – Em primeiro lugar é preciso demarcar que o ANDES-SN é um sindicato que abarca três setores: universidades estaduais, federais e particulares e que a resolução do Congresso da categoria,em fevereiro deste ano,foi a de desenvolver uma campanha salarial que buscasse responder às demandas desses três setores. É importante deixar claro que já deslanchamos também a campanha em vários estados, nos três setores. Algumas instituições estaduais já estão em greve. Outras estão em processo de negociação e o eixo é basicamente a recomposição salarial e o debate central sobre as condições de trabalho. Boletim da ADUnB – Como é a situação no setor privado? Marina – Se há um aviltamento e uma deterioração das condições de salário e de trabalho no setor público, no setor particular é muito mais difícil. Temos procurado audiências com o MEC e as particulares, porque envolve salário, sistema e regime de trabalho, qualificação docente, demissão, e a gente não tem tido resposta. A última resposta, depois de vários meses enviando ofícios, solicitando audiências específicas, foi que o governo já vem tratando dessa questão com outras entidades. E apesar de dizer que está disponível para conversar, não agenda uma data para uma audiência específica. No que se refere às instituições federais, trata-se de um processo que exige muita arte política. A posição da direção do ANDES-SN, aprovada no Congresso da categoria, é a de que não devemos fazer uma dicotomia entre aquilo que é o específico, o singular da categoria docente das instituições federais, e aquilo que se identifica como uma demanda do conjunto dos trabalhadores do serviço público federal. Boletim da ADUnB – Por que e o que é que dá o nexo a essa unidade? Marina – O nexo vem de uma concepção do governo sobre como tratar o servidor público, seja ele de que lugar for dentro da estrutura do Estado. Em decorrência da lógica de reformar o Estado e de reduzir o seu papel social de retornar à sociedade a riqueza socialmente produzida sob a forma de serviço público, o governo prioriza aquilo que se vincula à arrecadação, à segurança e à fiscalização, e isso faz com que a política do governo, necessariamente, seja diferenciada em termos de salários, de condições de carreira ou de plano de cargo. Mas o governo não assume isso claramente no sentido de defender definições de carreira típicas de Estado ou de alterar claramente o processo para quem não é incluído nessa concepção que o governo sinaliza, mas não afirma. Boletim da ADUnB – Diante desse quadro, o que o ANDES-SN tem feito? Marina – Temos duas frentes que correm paralelas. Uma é o debate com o Ministério da Educação sobre reestruturação salarial e concepção de valorização do salário docente. Até o momento tivemos três reuniões com o governo. Uma de instalação e duas de trabalho. Nessas reuniões chegamos à conclusão, no GT determinado pela portaria, que tínhamos um acordo, até mesmo com o governo, de que a GED já não cumpria mais o seu papel. E essa é a conclusão do próprio governo. Do ponto de vista do movimento, que ela deveria ser finalizada e, por fim, incorporada aos salários. Nos desdobramentos disso discutimos a paridade como instrumento e pressuposto de valorização do salário. Outro elemento de conversa entre nós seria o da avaliação, porque o movimento docente defende um sistema de avaliação segundo o qual a avaliação individual de cada trabalhador docente é um componente da avaliação geral da instituição e não pode ser atrelada a um critério de remuneração, e sim constituída como parte de um processo de carreira, de progressão, de desenvolvimento de sua vida na instituição. E nesse debate enfrentamos com o governo a questão da valorização e rediscussão da carreira docente, discutindo uma nova classe, que é a classe dos associados, mas avançando um pouco, identificando lacunas que nos permitem valorizar esse processo. Vale lembrar que tudo isso é resultado das deliberações do Congresso do ANDES-SN. Boletim da ADUnB – Como tem sido essa conversa com o governo? Marina – O governo suspendeu três reuniões. No dia 10 de maio seria a data final da última reunião, na qual já somaríamos dois temas: a avaliação e o relatório final. Até agora não tivemos retorno do governo sobre remarcação dessa reunião. Depois de vários telefonemas meus e de um ofício do sindicato, conseguimos falar com o secretário de Jairo Jorge, que nos informou que o governo já havia feito uma prorrogação da portaria por mais 60 dias e que havia uma previsão para agendar uma data. Isso já faz três dias e até agora continuamos telefonando e não temos retorno. Então, essa é uma frente de atuação que temos de discutir agora para saber como a categoria responde a isso, porque o governo não cumpriu o prazo e há uma morosidade, apesar de dizer que há uma concordância, ainda que ele diga que a efetivação disso não dependa dele. Boletim da ADUnB – E como é que isso se vincula à luta dos servidores públicos? Marina – No âmbito da Coordenação dos SPFs, e agora no âmbito da bancada sindical, porque na negociação com o governo ampliamos para 18 entidades e um elemento extremamente importante é que boa parte dessas entidades que passaram a integrar a bancada sindical está discutindo sua entrada na CNESF. Então, esse processo serviu para fortalecer um instrumento de luta dos servidores públicos que deve ser valorizado, que é a CNESF. Mas a gente identificou, e muito pelo papel do ANDES-SN, que deveria trabalhar com a prioridade de valorização do servidor público e do salário numa perspectiva de reestruturação da carreira, que pode ter particularidades, mas unifica todo mundo numa demanda. Boletim da ADUnB – Como vocês chegaram à conclusão dos 18%? Marina – Chegamos a esse valor porque, em primeiro lugar, Lula nos disse que no seu governo não haveria perdas. Mas identificamos perdas. Esses 18% seriam fornecidos já como parte do processo de recuperação das perdas passadas. Estamos propondo debater com o governo mecanismos que nos permitam recuperá-las, o que pode incluir incorporação das gratificações, bem como mecanismos que nos permitam identificar distorções e diferenças salariais entre os setores, mas o que não admitimos – e que é o eixo que também se vincula ao debate com o ministério – é que, nas negociações, a gente não assegura valorização da carreira dos diversos segmentos e, portanto, dos docentes. Queremos extrair desse processo uma política salarial, porque precisamos ter a segurança de que, ainda que demos tempo ao governo para nos recompor a perda passada, valorizar o servidor e o serviço público pressupõe uma política salarial, que do nosso ponto de vista tem de ter como critério uma data definida para que se tenha um horizonte e instrumentos para recompor o valor aquisitivo. Boletim da ADUnB – Que instrumentos e critérios podem recuperar o poder aquisitivo dos servidores federais? Marina – Um deles seria a gente ter a recomposição da inflação anual. E o outro seria discutir instrumentos e mecanismos que, a partir de uma definição no orçamento, pudessem se traduzir em ganho real a cada ano para que a gente pudesse não mais viver o processo de acúmulo de perdas. Há um debate entre nós sobre que critérios utilizaríamos. O primeiro deles, e isso é uma diferença com o governo, o que parece inusitado, mas é uma diferença, é dizer que não podemos ter perda inflacionária. O governo nos diz na Mesa o seguinte: critério de política salarial com recomposição de inflação não é mais viável ou correto na atual agenda brasileira. E isso nos vem de figuras que são pessoas fundamentais na luta histórica de reconhecimento da recomposição da inflação como valorização de salário, como o dirigente do Dieese, como é o caso do Sérgio Mendonça à frente da Mesa de Negociação. Isso nos parece uma inflexão importante para entendermos por que o governo trabalha com uma política salarial que ele diz ser uma política de reajuste diferenciado por categoria, por segmento, que vai no sentido de recompor perdas. Mas desde que iniciamos o processo de negociação ele nunca apresentou o que seria essa política, a qual pode até atender à demanda dos diferentes segmentos, mas tem de ser combinada com as demais reivindicações de cada segmento e com essa perspectiva unitária de uma diretriz de plano de cargos e de carreira para o conjunto do serviço público brasileiro. Boletim da ADUnB – Diante dessa situação e do que os servidores viveram em 2003 e 2004, como estão, este ano, as negociações na Mesa? Marina – O que a gente verifica na Mesa Nacional de Negociação é que há um debate sempre repetitivo de conceitos sobre política salarial, mas nunca se materializa numa proposta. Isso foi o que fez com que nós, da bancada sindical, tomássemos a iniciativa de elaborar nossa proposta e entregá-la ao governo e pedir que ele se posicionasse sobre isso. Quando fomos à última reunião no dia 17 de maio, com a Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, para que pudéssemos ter esse retorno, visto que o documento havia sido entregue no dia 3 de maio, obtivemos do governo a seguinte afirmação: “Estamos aqui para ouvirmos seus argumentos e a apresentação do documento”. Boletim da ADUnB – Mas não havia nem sequer lido a proposta? Marina – Foi frustrante, mas cumprimos nosso papel de dirigentes. Reafirmamos, explicamos e até mesmo informamos ao governo que estávamos protocolando pedido com os ministros que instalaram a Mesa para que pudéssemos pressionar a fim de encontrarmos uma solução, pois nos parecia que havia um descaso por parte do governo em relação ao processo de negociação, apesar de dizer na mídia o tempo todo que ele quer construir um processo democrático e permanente de discussão. E o mais grave desse processo é que, quando chegamos para essa reunião, fomos barrados na entrada do prédio, houve enfrentamento físico, companheiros foram retirados à força do interior do prédio por confusão de ordens da Secretaria de Recursos Humanos. Uns diziam que podiam ser dois por entidade, outros diziam que podia ser apenas um por entidade, coisa que nunca teve na discussão entre nós, ou seja, nunca houve restrição de participação de membros na bancada. De acordo com o protocolo da Mesa, foram sempre dois sindicalistas, além das suas assessorias e a imprensa. Isso foi muito desagradável, apesar de o governo ter justificado que teria tido um aviso de bomba no prédio na parte da manhã e que isso teria gerado uma tensão. Só que nós achamos que o governo já conhece suficientemente o movimento sindical do serviço público para não nos confundir e não nos colocar em situações desse tipo. Boletim da ADUnB – Então não há uma dicotomia de interesses entre docentes e demais categorias do serviço público... Marina – O que existe hoje é que, do ponto do vista do que o Congresso do ANDES-SN votou e do que a diretoria compreende, não há uma dicotomia. Há uma proposta de trabalhar conjuntamente. Evidentemente com esforços e frentes que em dado momento são diferenciados. Por exemplo, estamos debatendo com o deputado Gilmar Machado a LDO de 2006 para que a gente possa discutir a carreira docente, a incorporação das gratificações, mas também, no âmbito do GT do Orçamento da bancada sindical, o que tem previsto de reajuste para os servidores como um todo. Boletim da ADUnB – O que há então é uma negociação paralela por categoria e uma negociação geral, como é feito desde que foi estabelecida a Mesa Nacional? Marina – Sim. São processos que caminham juntos e que cabe agora à categoria responder à altura do que o governo tem feito, não só o processo de não efetiva negociação com os servidores, mas de morosidade absurda dentro do Ministério da Educação naquilo que o MEC insiste em dizer que tem acordo. Ora, se tem acordo, não precisamos demorar tanto tempo para se chegar a uma conclusão e enviar para os outros órgãos do governo a fim de justificar a posição em favor do fim da GED e da sua incorporação. Boletim da ADUnB – Existe uma concepção na base do ANDES-SN de que quando o Sindicato Nacional se envolve tão a fundo no encaminhamento das reivindicações do conjunto dos SPFs configura uma espécie de voluntarismo e que o encaminhamento das reivindicações dos docentes deveria ser tratado com mais destaque, vamos dizer assim, do que aquelas que estão no bojo da pauta conjunta, trazendo o ANDES-SN para mais próximo da categoria docente. Marina – Isso é uma visão distorcida. Em primeiro lugar, nunca, em tempo algum, a CNESF trabalhou numa perspectiva de que estamos juntos e não há autonomia das entidades para trabalhar as suas reivindicações específicas. Ao contrário, ao longo do processo, a Coordenação sempre acompanhou, até mesmo com presença física de representantes de outras entidades, negociações com determinadas categorias em ministérios específicos. O que acho que a gente precisa compreender é que tipo de política o governo vem apresentando para a categoria docente universitária. O governo não abre sequer o diálogo numa mesa setorial, pois nós e a Fasubra temos solicitado a mesa setorial e até o momento não se estabeleceu. Ouço muito os companheiros dizerem, por exemplo, que a Fasubra já incorporou a GAE. É uma vitória da luta dos companheiros, eles são guerreiros e valorosos e quando dizem que vão fazer greve, fazem a greve. Não tem blefe sobre greve. Mas, a despeito disso, eles empurraram ao governo um problema e o governo acabou cedendo à avaliação deles de que incorporar a GAE era uma prerrogativa que resolveria problemas do próprio governo, pois o governo tinha de complementar em muito os salários da base dos técnicos administrativos para chegar ao salário mínimo. Com a incorporação da GAE esse problema foi superado. Assim, os companheiros da Fasubra com sua luta e sua pauta, encurralaram o governo nesse processo. Mas é importante que a categoria docente compreenda que em nenhum momento a direção do ANDES-SN tem deixado de lado isso. Ela tem priorizado e buscado dialogar com o ministério e procurado abrir esse espaço. Mas, por outro lado, também precisa ser justa uma avaliação de qual é o tipo de relação que esse ministério está estabelecendo com o ANDES-SN. Uma relação que exclui o ANDES-SN de uma série de discussões de fundo em relação à reforma universitária porque temos opiniões contrárias às do ministério, críticas à sua posição e isso se reflete numa não-disponibilidade do ministério em resolver problemas da categoria. Agora, há uma coisa que é uma máxima do movimento docente e que a categoria vai precisar enfrentar: qualquer ministério senta para negociar com uma categoria: basta que ela pressione o suficiente para que esse ministério sente para negociar. Esse é um tema que cada professor, cada seção sindical precisa enfrentar. Não vamos conseguir a incorporação da GED com apenas uma declaração do Ministério da Educação e nossa de que temos acordo da incorporação da GED, porque isso depende de vinculação financeira e de mexer na política econômica do governo para poder ter mais dinheiro para a educação e para a valorização do trabalho docente, coisa que não está prevista no programa de governo. Boletim da ADUnB – Que especificidade você poderia dizer que representa o destaque na campanha salarial deste ano? Marina – Acho que o elemento da campanha salarial que está em discussão é uma proposta de indicativo de greve para a segunda quinzena de junho. É bom registrar que o conjunto dos servidores pauta um momento maior de enfrentamento. Colocam na pauta e na discussão a possibilidade de construção de enfrentamentos que prevê o instrumento da greve, mas, na nossa opinião e na do sindicato, isso tem de ser muito pensado e bem preparado porque não podemos entrar num processo que nos coloca numa situação de vulnerabilidade, e sim numa condição que possamos imprimir uma dinâmica de pautar o governo com a nossa reivindicação. Esse é o processo sobre o qual a base do ANDES-SN tem de se debruçar, mas com um alento importante: a entrada de entidades importantes nessa luta estratégica do serviço público, como, por exemplo, o Banco Central, os técnicos do Tesouro, os fiscais da Receita. São categorias que dão um outro patamar de relação com o próprio Estado e não são setores que o Estado vem desprezando na sua reforma de Estado, diferente da Saúde e da Educação. Fonte: Boletim da ADUnB, maio de 2005. |