Golpe
contra quem?!
Severino defende prorrogação de mandatos para reduzir
gastos
Em suas primeiras entrevistas como presidente da Câmara dos
Deputados, na tarde de quarta-feira e na manhã desta quinta-feira, o
deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), não se esquivou dos temas
polêmicos. Indagado sobre o que pensava da proposta de fazer as eleições
para presidente e governador coincidirem com a municipal, Severino
defendeu a prorrogação de todos os atuais mandatos, inclusive do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por dois anos. Com isso, não seria
realizada a eleição de 2006 e em 2008 o país iria às urnas para eleger
deputados, senadores, governadores, prefeitos, vereadores e o
presidente.
"Sou favorável à coincidência de mandatos. Não podemos ter
eleições de dois em dois anos. Como está atualmente, não dá para
continuar. A nação não agüenta fazer despesas a cada dois anos. A
coincidência é a solução ideal. Defendo a prorrogação do mandato
de Lula por mais dois anos, sem direito à reeleição, que é um
caminho aberto para a corrupção. Já há vários projetos sobre isso
tramitando na Câmara, e farei com que tenham andamento rápido" |
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Fonte:
Globo Online, 17/02/2005.
"O
movimento, que se inicia, para trocar o instituto da reeleição pela
prorrogação de mandatos é um casuísmo que o PT, se for inteligente,
rejeitará. A reeleição é perversa, tal como foi decidida e comprada.
Mas se trata de um dispositivo constitucional, que só pode ser
desfeito por outro dispositivo constitucional, e que não pode, ao ser
adotado, violar a vontade eleitoral."
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O
direito de espernear
Mauro Santayana*
Agitado
como nunca, Fernando Henrique faz lembrar a advertência mineira de
que, quando a esperteza é grande, come o esperto. Sem novas e
escandalosas privatizações, e novos escândalos financeiros envolvendo
o BC, o governo atual ficou mais barato para os cidadãos |
Continua
agitado o ex-presidente Fernando Henrique. É de seu direito e do ritual da
política. Ele começa a perceber que o seu tempo passou e, para o poderoso em
geral, e para o poderoso arrogante, em particular, nada mais terrível do que
ver a glória esvair-se em vida. Um velho conselho da sabedoria é o de
administrar o êxito como se fosse o declínio, e o declínio como se fosse o
êxito. Ver a senectude como conquista é vitória da lucidez, mas a lucidez é
conquista da modéstia. E, convenhamos, a modéstia não é patrimônio comum aos
que se consideram intelectuais, embora seja um bem reservado aos sábios.
Podemos
admitir, como premissa ao raciocínio, que a ligeira melhoria no desempenho
econômico nacional nada tenha a ver com a ação administrativa do governo.
Afinal, e o ex-presidente se vangloria de conhecer o tema, o capitalismo
está sujeito às volúveis circunstâncias, mais do que ao cálculo dos
econometristas, e estamos em uma fase (ou em uma bolha, como é do
vocabulário específico) de recuperação do consumo. Ao espernear contra as
evidências, e tentar atribuí-las a seu saber pretérito, o ex-chefe de
governo, ao contrário do que pretende, assegura a Lula e à sua equipe os
louros do momento.
Vamos
relembrar, rapidamente, o que ocorreu ao Brasil depois da posse do Sr.
Fernando Collor. Eleito em nome da ética, o ex-governador de Alagoas cometeu
dois crimes contra a nação. O primeiro deles foi o da adesão, escancarada,
ao Consenso de Washington, com a abertura dos portos aos privateers (como
eram chamados os corsários, ou seja, os autorizados piratas ingleses). O
segundo foi o de governar com duas equipes. A primeira, formal, era
constituída de homens respeitáveis, que podiam ser mais conservadores, ou
menos conservadores, mas de cuja conduta pessoal pouco ou nada se podia
dizer. A outra equipe, para valer, era chefiada por um premier gris, que
realmente mandava, conforme lhe mandavam e o remuneravam, o Sr. Paulo César
Farias. Uns serviam de biombo respeitável, enquanto os outros operavam.
Quando a situação chegou a tal ponto que a cidadania, irada, estava disposta
a partir para a resistência nas ruas, o Parlamento ouviu-lhe o clamor e se
desfez do tartufo. Provido de cautelosa modéstia, o Sr. Itamar Franco
dedicou dois anos a varrer as salas e corredores do poder, devolvendo à
República aquele mínimo de ética sem o qual as nações perecem. E, mais do
que isso, conforme lembrou em recente almoço com jornalistas o Sr. Delfim
Neto: continuou no esforço, que vinha desde Sarney, para reequilibrar as
contas públicas, conseguindo reduzir a dívida, em termos reais, em mais de
30% e, ao descobrir marota contabilidade do Banco Central, em mais de 50%,
em termos nominais.
Infelizmente, as circunstâncias e a boa fé de Itamar fizeram de Fernando
Henrique o seu sucessor, que recuperou a versão moderna da comédia, ao
completar a obra de entrega do patrimônio nacional, fechar os olhos às
falcatruas (ou abri-los bem, não se sabe), comprar a reeleição, multiplicar
a dívida por dez, e entregar ao sucessor a massa falida. Assim, em lugar do
ator despreparado de Maceió, passado o intervalo de Itamar (no qual o país
cresceu mais de 5% ao ano), subiu ao palco M. Tartuffe, em pessoa, nas
vestes esplendorosas do teatro seiscentista de Molière.
Fernando Henrique faz lembrar a advertência mineira, de que, quando a
esperteza é grande, come o esperto. Ao comparar os dois governos, o
observador atento descobrirá que se Lula consegue fazer mais do que ele,
seguindo, segundo diz, a sua própria política, é porque, mesmo com os
superávits primários imensos, está havendo disponibilidade. É que, sem novas
e escandalosas privatizações, e novos escândalos financeiros envolvendo o
Banco Central, o governo ficou mais barato para os cidadãos. Isso sem falar
que Lula retomou a prática de Sarney e de Itamar, ao vir reduzindo o volume
da dívida.
Golpe
contra Lula
O
movimento, que se inicia, para trocar o instituto da reeleição pela
prorrogação de mandatos é um casuísmo que o PT, se for inteligente,
rejeitará. A reeleição é perversa, tal como foi decidida e comprada. Mas se
trata de um dispositivo constitucional, que só pode ser desfeito por outro
dispositivo constitucional, e que não pode, ao ser adotado, violar a vontade
eleitoral.
Os eleitores votaram em Lula para cumprir um mandato de 4 anos, com direito
a reeleger-se, direito que beneficiou o seu antecessor e o impediu de chegar
em 1998 ao poder. Se aceitar mais dois anos, sem o referendum popular, o
presidente estará participando de um golpe, mesmo que esse golpe seja
parlamentar e não militar.
A grande tarefa de Lula – ao lado da recuperação do processo de
desenvolvimento econômico – é a de consolidar o sistema democrático no
Brasil e assegurar a soberania nacional. Chega dos casuísmos de que se valeu
a ditadura. Registre-se, a propósito que tanto Juscelino, quanto Itamar,
fizeram-se surdos aos que lhes propuseram a violação do pacto republicano.
Juscelino recusou emenda que instituísse a reeleição e Itamar não só recusou
a idéia da reeleição, que também lhe foi soprada, mas se negou também a
ouvir as sereias que lhe sussurravam a prorrogação do mandato, quando as
pesquisas de opinião pública (apesar do desdém da grande mídia) lhe davam o
mais alto índice de aprovação de um governo em seu fim, desde que essas
sondagens se iniciaram.
Acabar com a reeleição, sim, é necessário. Estender o mandato presidencial a
seis anos, talvez seja proposta conveniente. Mas golpe contra a soberania do
povo, nunca. Como advertiu Maquiavel (um autor que deve ser lido com
cuidado), quando se viola a constituição por uma causa identificada como
boa, abre-se o precedente para que ela seja violada para o pior.
* Mauro Santayana, é jornalista,
colaborador do Jornal da Tarde e do Correio Braziliense. Foi secretário de
redação do Última Hora (1959), correspondente do JB na Tchecoslováquia
(1968/70) e na Alemanha (1970/73) e diretor da sucursal da Folha de S.
Paulo em MG (1978/82).
Fonte: Agência Carta Maior,
17/12/2004. |