Tarso Genro nega privatização do ensino
e defende "refinanciamento" público 

 

”Em relação às Universidades privadas, estamos instituindo novos marcos regulatórios para permitir que se tenha o mínimo de qualidade e que se prestigie o bom ensino privado. E que se afaste dessa atividade aqueles grupos meramente aventureiros, caça-níqueis, que nada têm a ver com o projeto educativo”

 

Desde que assumiu o Ministério da Educação, o gaúcho Tarso Genro vem enfrentando resistências dentro do meio acadêmico pela falta de ligação com a área.

Substituto de Cristovam Buarque, demitido por telefone pelo presidente Lula em janeiro do ano passado, Genro vem colocando em prática o que ele considera um "refinanciamento" da universidade pública.

Diferentemente do antecessor, o atual ministro evita reclamar de verbas publicamente, é um dos principais fiéis escudeiro da política de Lula e não tem seu nome cogitado para deixar o governo numa possível reforma ministerial.

O ministro recebeu a reportagem do Último Segundo em seu gabinete na última quarta-feira. Ele defendeu a reforma universitária proposta pelo governo e atacou os críticos. "É uma crítica insubsistente", diz.

Sobre uma das principais bandeiras de sua gestão, o Prouni (Programa Universidade para Todos), Genro falou com satisfação. Buscou rebater as reclamações e negou que o projeto privilegie o crescimento das Universidades privadas em detrimento das públicas.

Na entrevista, o ministro falou também de Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), elogiou o Bolsa Família e alfinetou Cristovam Buarque. "Ele já está passando dos limites".

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:


iG - Ministro, o governo vem divulgando com certa ênfase a chamada reforma universitária. Alguns críticos dizem que essa reforma não foi amplamente debatida...

Genro - Em primeiro lugar, nós achamos que as críticas são normais e necessárias. Nunca se tem uma reforma ou proposta de fundo que não tenha crítica e que não tivesse observações como essa, de que não foi discutida. De fato, mais de 100 entidades participaram da discussão conosco e a discussão ainda não terminou. Tanto é que a proposta está sendo examinada até o dia 15 pelas entidades parceiras. Elas farão modificações na proposta original e depois será submetida a uma série de reuniões públicas. É uma crítica insubsistente que é feita normalmente por dois setores: um que é contra a reforma porque tem uma visão que a universidade está bem como está e protege seus interesses corporativos e a questão é apenas aumento de salários para professores e servidores. Esses não querem a reforma porque têm uma visão muito imobilista da universidade. E tem um setor conservador que acha que a universidade pública não deve ser expandida, que deve ficar nesse percentual que tem agora, de 20% das vagas, e a reforma propõe que se chegue a 40%.


- E as críticas do movimento estudantil, que no dia 25 de novembro realizou um protesto em Brasília contra a reforma?

- O movimento estudantil está participando conosco. A UNE é parceira da discussão. Mas tem determinados setores do movimento estudantil que são contra a reforma porque entendiam que era privatizante. Agora, quando viram que nossa proposta nada tem a ver com aquilo que imaginavam, alguns até denunciavam deliberadamente, com má fé, para distorcer a reforma, agora não sabem o que dizer. Porque a reforma reforça a universidade pública.


- Então para ser mais claro e pontual: em que sentido essa reforma contribui para o crescimento da universidade pública?

- Posso dar dois exemplos flagrantes: revoga o dispositivo imposto pelo governo FHC que retirou a meta que a universidade pública se expandisse até 2011 a 40% das vagas. Segundo: refinancia a universidade e dá autonomia a ela. É uma demanda histórica. Para que você tenha uma idéia, comparativamente ao ano passado, em 2005 nós já estamos repondo, mesmo antes da reforma, 75% das perdas da universidade pública nos últimos dez anos.


- O senhor fala em "refinanciar". Qual o sentido disso? 

- O custeio. Nos últimos dez anos, a universidade pública perdeu 50% do seu custeio. Nós estamos repondo em um ano 75% desses 50% perdidos.


- A iniciativa privada participa disso?

- Não. É universidade pública.


- A reforma fala em dobrar o acesso ao ensino superior. Nos últimos anos, houve um crescimento desenfreado do ensino privado. O que está sendo feito para inverter a tendência dessa elitização?

- Não é uma elitização. É uma irresponsabilidade o que foi feito. Foi feito um crescimento vegetativo, sem qualidade da universidade privada e um congelamento das escolas públicas. Neste momento, nós estamos retomando o ritmo de expansão que estava praticamente congelado. Em relação às Universidades privadas, estamos instituindo novos marcos regulatórios para permitir que se tenha o mínimo de qualidade e que se prestigie o bom ensino privado. E que se afaste dessa atividade aqueles grupos meramente aventureiros, caça-níqueis, que nada têm a ver com o projeto educativo.


- Na sua opinião, a universidade pública é uma organização social ou uma instituição social?

- É uma instituição pública de caráter estatal. E a educação é um bem público dos mais importantes da vida republicana.


- Hoje, no entanto, muitas Universidades públicas buscam parcerias na iniciativa privada por falta de recursos dentro da própria instituição de ensino. Isso não coloca em risco a liberdade intelectual das Universidades? Não as transformam numa organização social?

- Juridicamente, não. Mas existe um processo de privatização ampla no interior da universidade que é feita através desta relação. Que não é uma relação feita de maneira transparente. E que normalmente são usadas fundações e que permite estabelecimento de relações privilegiadas. Na proposta de reforma, isso está sendo corrigido com regras muito rígidas para as fundações e para a relação da universidade com as instituições privadas.


- Qual a expectativa do governo para o Prouni?

- Nós preenchemos até o momento 95 mil vagas. Dessas, 70% são gratuitas e o restante, meia-bolsa. O Prouni é o primeiro programa de bolsas da República. Porque o Fies (Financiamento Estudantil) não é bolsa, é financiamento.
 

- O Prouni não corre o risco de aumentar a privatização do ensino em detrimento da universidade pública?

- Essa é uma questão levantada por determinados setores da ultra-esquerda, principalmente no meio acadêmico e universitário. É um equívoco absolutamente radical. Porque o custo dessas bolsas é de 25% do valor do Fies. E nós temos que expandir o Fies. Portanto, a União está poupando recursos com o Prouni. E outra: na verdade, o que se faz é a transformação de um espaço dentro das instituições privadas, que se transforma em espaço público. São alunos indicados pelo MEC, a maioria com bolsa integral, e outros com meia bolsa. Portanto, é uma expansão da atividade pública em direção a instituições de natureza privada. E terceiro: isso vem acompanhado de duas modificações profundas: um programa de expansão da universidade pública estatal, o que já está sendo feito, e segundo, um aumento vigoroso no custeio de abertura de vagas para docentes também nas Universidades para repor os que não foram contratados. Portanto, ao contrário do que é colocado por essas correntes de opinião, o que há é uma expansão do direito de acesso da universidade pela população de baixa renda. O que não está dito por essas pessoas é que na verdade elas são contra bolsas de estudo para população de baixa renda. São contra que o Estado utilize seu potencial para permitir que os pobres cheguem a universidade. Só que eles não tem coragem de dizer isso.


- E os argumentos de que o dinheiro que a Receita perde com isenção fiscal às instituições privadas que aderem ao Prouni poderia ser investido na universidade pública?

- Isso é um desconhecimento completo do orçamento público. No momento em que estão dizendo isso, estamos constituindo vagas para alunos pobres gastando 25% do que a União gastava com o Fies, e estamos passando para a universidade pública, comparativamente com o ano passado, R$ 1,7 bilhão. Portanto, em nenhum aspecto eles têm razão. Na verdade, é um preconceito político de setores da classe média radicalizada que não quer reconhecer que o governo Lula está tomando medidas de grande alcance popular.


- Como reverter a tendência histórica de inversão de valores nas universidades: a elite tem acesso à universidade pública e as classes de baixa renda batalham para pagar e estudar na privada?

- Essa inversão de valores reflete nessas opiniões que eu estava comentando na pergunta anterior. Se você vir dez alunos gritando contra o Fies, pergunte a eles onde estudam. Vão te dizer que estudam de graça nas Universidades federais. Estranhamente são contra bolsas para alunos pobres estudarem nas instituições privadas. Isso decorre do quê? Alguns por mera cegueira ideológica, porque é do governo Lula e são contra, são da ultra-esquerda. Mas isso na verdade é um fenômeno social. São setores da classe média privilegiada que tem uma visão hostil à abertura da universidade às classes populares. E promete apenas o paraíso daqui a 200 anos em que todos vão chegar à universidade pública. O que não existe em nenhuma parte do mundo. É uma visão ideologicamente cega, preconceituosa.


- Em 2004, muitas Universidades aderiram ao sistema de cotas e o assunto ganhou mais espaço de discussão. O que esperar para 2005?

- Na verdade a política de cotas vem sendo aplicada em várias universidades. O que o MEC vem fazendo é acompanhar esse processo progressista e remetendo uma proposta de projeto de lei para a Câmara para regular essa situação.


- Mas com cuidado de não ferir a autonomia universitária, certo?

- Obviamente. A forma em que se processa essa seleção para as cotas tem que ficar reservadas a autonomia das Universidades.


- O senhor fala muito do Fundeb, que vem para substituir o Fundef. O grande problema enfrentado pelo Fundef nos anos anteriores foi o mau uso do dinheiro pelas prefeituras, com denúncias de corrupção e desvio. Dá para garantir que não vai ocorrer o mesmo com o Fundeb?

- Não. Não dá para garantir. Porque isso é um problema da sociedade republicana. O problema da corrupção vai permanecer. O que se tem que ter é um mecanismo de controle de redução drástica. Agora, não é verdadeira a visão de que esse foi o principal problema da educação no Brasil.


- Não disse educação, ministro. Eu disse que foi o principal problema do Fundef...

- E nem do Fundef. Às vezes, os jornais publicam que metade das prefeituras tem problemas na Justiça e no Tribunal de Contas. Nós temos que distinguir aquilo que é erro daquilo que é dolo, fraude e roubo. E a ampla maioria desses casos é de irregularidade. Eu fui prefeito e sei como é isso. Varias vezes fui chamado no Tribunal de Contas para explicar determinadas coisas. O principal problema do Fundef é que os recursos ainda são poucos. As prefeituras têm que ser as gestoras desses recursos. É impossível, como quer o ex-ministro Cristovam Buarque, federalizar a educação básica no Brasil. Isso não é sensato, não é possível, não é federativo, não é moderno. É acabar com a vida cívica republicana, que deve se desenvolver através do município, em que a educação básica é um dos elementos centrais.


- O senhor falou do Cristovam Buarque. Ele vem atacando sua gestão com certa contundência. Como encara as críticas de um ex-ministro e colega de partido?

- Eu estranhei profundamente as criticas dele. Logo que saiu do ministério, começou a remeter algumas agulhas, e eu respondia dizendo sempre que não iria responder, que era natural. Mas chegou a um determinado ponto que eu tive que passar a responder, sob pena de ser omisso. Eu agora, de uns 15 dias para cá, resolvi responder porque ele já está passando dos limites. Na verdade, o Cristovam está tentando se cacifar para ser candidato a presidente da República, provavelmente pelo PPS, e está utilizando sua relação com o MEC para se promover. Ele vem com propostas absurdas, demonstrando que não tem conhecimento de como funciona a estrutura federativa. O Cristovam está passando por um mau momento.


- Falando em irregularidades, o Bolsa Família foi palco de muitas denúncias no ano passado. Podemos classificá-lo como calcanhar de Aquiles das políticas sociais do governo Lula?

- Eu acho que não. Eu acho que todos os programas sociais têm desvios e problemas. Os problemas sociais lidam com a população de baixa renda, que é muito pouco informada e pode ser, inclusive, manipulada por algumas pessoas para servirem a objetivos que desvirtuem aqueles programas. Se houve 20% de desvios no Bolsa Família, isso é lamentável e tem que ser combatido, mas não tira a qualidade do programa, que hoje atinge em torno de 6 milhões de famílias.


- O senhor chegou para substituir o Cristovam, que tinha toda uma história ligada à educação. Como lidar com as críticas e o ceticismo de que não tem experiência na área?

- Não foi difícil porque já fui gestor público por muito tempo. Todo mundo viu a equipe que montei e que sabia tratar da educação também. Estabelecer prioridades, discutir as relações essenciais e saber encaminhá-las politicamente. E soube acolher criticas, incorporando-as e melhorando o trabalho de minha equipe. Não faço uma gestão unipessoal. Estudei muito e aprendi muito sobre educação.


- Como o senhor avalia um ano de gestão frente ao MEC?

- A nossa avaliação é positiva. Nós temos consciência que a solução para as questões educacionais no Brasil não são mágicas nem fantásticas, nem choques. São soluções que devem se originar de um processo que ataque em todos os níveis as debilidades da educação brasileira e que refinancie estrategicamente a educação e que integre um projeto de nação.


- Seu nome é pouco lembrado como vítima da reforma ministerial. O senhor fica ou sai?

- Para mim, do ponto de vista pessoal é absolutamente indiferente. Eu estou aqui com uma missão do presidente Lula para cumprir determinadas tarefas. A minha agenda já foi toda desenvolvida, toda em andamento. Se eventualmente o presidente achar que é uma necessidade política que eu saia, para mim não há problema. Até agora meu nome não foi comentado para substituição, então há uma boa probabilidade que eu permaneça.


- Pela primeira vez teremos um Fórum Social Mundial em Porto Alegre sem a prefeitura do PT. O senhor, como prefeito da cidade, participou da organização de dois. Como será o Fórum sem a prefeitura petista?

- Será uma situação estranha. Porque esse grupo que hoje está na prefeitura não é um grupo nem de direita, nem de extrema-direita. É um grupo centrista que nas eleições formulou uma política que não foi uma política anti-PT. Mas nas outras foi. E tem condições de diálogos com setores do Fórum Social. Mas não é um grupo político que tem simpatia pela ampla maioria das idéias que circulam dentro do Fórum. Pode se tornar uma boa oportunidade para o Fórum aprender a lidar com o centro e o centro aprender a lidar com o Fórum.


Fonte: Último Segundo, Portal iG, Leandro Colon, 8/1/2005.


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