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sombrio caso o financiamento da educação
O professor da Universidade Federal do Paraná - UFPR Claudio Antonio Tonegutti tem falado em seminários e outros eventos realizados em várias cidades brasileiras sobre financiamento da educação. Nesta entrevista, ele afirma que há muitos anos o Brasil tem realizado investimentos abaixo da média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). De acordo com o último estudo publicado pela organização - com dados de 2004 - o Brasil investiu 3,8% do PIB no setor, enquanto os países pertencentes à OCDE investiram, em média, 6,3%. Tonegutti afirma que "a questão do financiamento público da educação é, num primeiro plano, essencialmente de natureza política", e que vê como tarefa importante para o ANDES-SN, nos próximos anos, "a construção, junto com outras entidades e grupos da área social, de um Plano Nacional de Educação que possa implementar políticas de etado na perspectiva de nossos ideais para a próxima década". - Quando se fala em financiamento da educação superior, o Brasil é um dos países que menos investe no setor. Quais são os detalhes dessa situação? Há dados sobre quais são os setores da educação superior mais sucateados? - Existem estudos regulares realizados pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pela UNESCO que tratam, entre outros aspectos, do financiamento da educação. Pelo último estudo publicado pela OCDE, no final de 2007, temos que o investimento em educação como porcentagem do PIB dos países pertencentes à OCDE (os países mais desenvolvidos) foi em média de cerca de 6,3% do PIB enquanto o do Brasil foi de cerca de 3,8%, com dados referentes ao ano de 2004. Analisando este investimento por nível educacional, temos que o investimento anual por aluno matriculado, em valor de dolar por paridade de poder de compra (US$ PPC*5) realizado em 2004 foi, aproximadamente, o seguinte: ensino superior – Brasil 10.000, média OCDE 11.200; ensino médio – Brasil 1.033, média OCDE 7.100; ensino fundamental – Brasil 1.000, média OCDE 5.300. Esses dados, no caso do Brasil, referem-se, no ensino superior, ao financiamento das IFES; no caso do ensino básico, ao financiamento público (governos federal, estaduais e municipais). Note-se que no ensino superior o gasto por estudante está um pouco abaixo da média OCDE enquanto nos níveis fundamental e médio está vergonhosamente abaixo da média. É muito difícil imaginar que um sistema que investe num ano mil dólares (PPC) por aluno possa ofertar ensino com algum padrão mínimo de qualidade. É claro que temos que ter em conta que estamos falando de valores médios. Situações pontuais existem mesmo nesse quadro sofrível. Em termos de financiamento, vamos encontrar ainda algumas boas escolas públicas.
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questão do financiamento público da educação é, num primeiro plano,
- Esse quadro vem se agravando ou se mantendo estável? Qual a principal razão do pouco investimento, faltam recursos ou o Estado/governo têm outras prioridades? - Lembro que este baixo investimento em educação pelo Brasil, em relação à média OCDE, ocorre já há muitos anos. Quando da elaboração do Plano Nacional de Educação (de 1998 a 2001), a proposta da sociedade brasileira (incluindo o ANDES-SN e outras entidades da área educacional), é que fosse elevado progressivamente até atingir 10% em 2011. No PNE aprovado pelo Congresso Nacional a meta ficou em 7%, mas foi vetada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso. Nos anos recentes, meus estudos apontam a queda do investimento público no Brasil, de 4% do PIB em 2001 para 3,5% do PIB em 2005. Então a tendência é de agravamento, inclusive se considerarmos o aumento da demanda por ensino médio e superior nesse período. A questão do financiamento público da educação é, num primeiro plano, essencialmente de natureza política. As principais fontes de recursos que poderiam mudar o quadro atual se encontram na esfera do governo federal que, por sua vez, vem desenvolvendo na última década políticas econômicas que não priorizam as ações nas áreas sociais, incluindo educação e saúde, no volume necessário ao atendimento da crescente demanda com a garantia de padrões de qualidade aceitáveis. - A remuneração do docente é um dos componentes do investimento em educação. Nesse quesito, qual é a situação do Brasil? Qual a relação entre esse aspecto e a qualidade da educação oferecida? - Em 2002, a UNESCO publicou um estudo comparativo dos salários dos professores em 38 países. Neste estudo, em valores de US$ PPC (dólar calculado pela paridade do poder de compra), apenas Peru e Indonésia pagavam salários menores a seus professores no ensino primário - que equivale a 1ª à 6ª série do ensino fundamental - do que o Brasil. O salário anual médio de um professor na Indonésia era de 1.624. No Peru, esse valor chegava a 4.752. No Brasil, era de 4.818. O valor no Brasil é metade do encontrado nos vizinhos Uruguai (9.842) e Argentina (9.857) e muito abaixo da média dos países desenvolvidos, onde o maior salário nesse nível de ensino foi encontrado na Suíça (33.209). O resultado do Brasil melhora um pouco quando se compara os salários no topo da escala de professores do ensino médio. Nesse nível de ensino, há sete países que pagam salários mais baixos do que o Brasil, em um total de 38. E, na educação básica, dentro do Brasil existem diferenças muito grandes. Por exemplo, levando em conta o custo de vida, o salário de um professor em início de carreira no Acre é 60% maior do que em São Paulo. As melhores condições de trabalho do professor, o que inclui o salário, influenciam no desempenho escolar. Aquele estudo da UNESCO apontou isso e os resultados do desempenho dos estudantes no PISA, que é um programa internacional de avaliação comparada coordenado pela OCDE (já realizado em 2000, 2003 e 2006), confrontado com os dados de financiamento dos países, aponta claramente essa tendência.
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existência das fundações de apoio, no final das contas, acaba debilitando
- O financiamento público do ensino superior é um dos principais pilares da autonomia universitária, no entanto, cada vez mais tem cedido lugar aos recursos privados captados pelas fundações de apoio. Aliada ao número crescente de matrículas na rede privada, até que ponto essa situação põe em perigo o ensino superior público, gratuito e comprometido com a sociedade? - O art. 207 da Constituição Federal que garante a autonomia universitária somente foi acatado e implementado em São Paulo (USP, UNICAMP e UNESP). É bom frisar, entretanto, que mesmo para aquelas universidades com um nível de financiamento satisfatório, depende de uma mobilização constante dos professores, estudantes e servidores junto à Assembléia Legislativa e ao governo do Estado, quando da elaboração do orçamento anual do Estado. No caso das universidades públicas dos outros estados e das IFES, a autonomia é muito restrita e certamente não ocorre no tocante à execução financeira. Neste quadro, certamente muitas fundações de apoio foram criadas com o objetivo de “escapar das amarras do Estado” em busca de maior autonomia de gestão financeira. Na prática, o que temos vivenciado, e a imprensa tem denunciado bastante nos últimos tempos, é que muitas dessas fundações de apoio servem a toda a sorte de objetivos privados, dentro do espaço público. Pela falta de transparência de gestão, elas também servem a interesses de poder de grupos restritos no interior das universidades, pela utilização do poder econômico advinda da captação de recursos públicos e privados que são utilizados em finalidades e interesses que não estão submetidos à deliberação dos órgãos representativos da comunidade universitária. A existência das fundações de apoio, no final das contas, acaba debilitando um outro pilar da autonomia universitária, que é a gestão democrática. Quanto à questão do número crescente de matrículas privadas no ensino superior, esta é decorrente da opção política do governo federal, já de décadas, de privilegiar a expansão pelo setor privado. Não que não tenha ocorrido expansão no setor público, mas em relação à crescente demanda observada na última década, a abertura de novas vagas no setor público foi proporcionalmente muito pequeno. Hoje, temos cerca de 80% das matrículas do ensino superior no setor privado, o que é uma distorção enorme se compararmos com outros países. Por exemplo, na maior economia capitalista do mundo, que são os EUA 70%, das matrículas são no setor público. Nessas condições hoje, o ensino superior público, gratuíto e comprometido com a sociedade atinge uma parcela muito pequena da população. Ele acaba servindo apenas a uma “elite” de estudantes que, pelos variados critérios de seleção ao longo da vida escolar, encontram a oportunidade de estudar numa IES pública. Assim, o resultado multiplicador da educação recebida por esses estudantes para a sociedade também é muito menor. Qual seria o impacto educacional dos egressos caso aquele percentual de matrículas fosse invertido, isto é, 80% das matrículas fossem em IES públicas? Eu diria que, certamente, teríamos um significativo incremento na qualidade da sociedade brasileira em seus mais variados aspectos, inclusive no nível econômico.
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maior economia capitalista do mundo, que são os EUA 70%,
- O ANDES-SN tem estudado todas as propostas deste e dos governos anteriores para a educação superior brasileira (Reforma universitária, REUNI, Universidade Nova etc.), e o resultado dessas análises é que o discurso do governo não tem base consistente quando se trata de financiamento da educação superior. Afinal, sem figurar como uma política de Estado, qual o futuro da educação superior se os níveis de investimento, na melhor das hipóteses, se mantiverem nos patamares atuais? - Dentro da perspectiva de sociedade pela qual o ANDES-SN pauta as suas lutas na área educacional, o futuro é bastante sombrio caso o financiamento da educação pública continue pautado majoritariamente por interesses de governo e não se firme como uma política de Estado na perspectiva de caminhar rumo a uma meta de oferta de educação de qualidade e socialmente referenciada ao conjunto da população brasileira. Vejo como uma tarefa importante do ANDES-SN nos próximos anos a construção, junto com outras entidades e grupos da área educacional, de um Plano Nacional de Educação que possa implementar políticas de Estado na perspectiva de nossos ideais para a próxima década.
Fonte: Andes-SN, Elizângela Araújo, 19/02/2008.
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