Funcionalismo: Vale quanto contrata?
A defesa de mais contratações de servidores públicos feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, esta semana, reacendeu a velha discussão sobre o tamanho ideal do Estado. Desde o início de seu primeiro mandato, em 2003, o petista já contratou — só no Executivo — 187 mil funcionários. Especialistas ouvidos pelo Correio defendem que, grande ou pequena, o que a sociedade espera é que a máquina seja eficiente. Para Carlos Alberto Ramos, professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), independentemente da quantidade de funcionários, o setor público nem sempre apresenta bons índices de produtividade. “A eficiência nos trabalhos prestados por essas pessoas é difícil de ser medida não apenas no Brasil, mas em todo o mundo”, resumiu. Alvo predileto dos funcionários, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acredita que o Estado não tem de ser mínimo ou máximo, mas competente para atender às necessidades do país. “Quando as nomeações são feitas sem concurso ou sem critério de eficiência, guiadas pelo empreguismo tradicional e pela fome partidária de obter posições na máquina pública, o resultado é o inchaço e a ineficiência”, criticou. O governo Lula detém o recorde de 21.563 cargos de confiança (DAS) disponíveis. Em 2002, último ano de FHC no Palácio do Planalto, o saldo era de 19.209. A era FHC começou em 1995 e terminou em 2002 com o mesmo número de servidores, 1,8 milhão de ativos e aposentados, civis e militares. Os gastos com a folha de pessoal, no entanto, saltaram de R$ 37,8 bilhões para R$ 75 bilhões. Gestão - Em 1995, o então presidente propôs o enxugamento da estrutura pública e a implantação de uma política de reajustes salariais específica para carreiras de alto padrão. Passados mais de 10 anos, Fernando Henrique acredita que o maior problema não é a falta de funcionários, mas o caos na gestão. “Muitos ou poucos funcionários mal geridos em um governo com forte tendência ao aparelhamento político da máquina pública darão resultados pobres. Neste caso, quantos mais funcionários, mais o povo paga impostos para mantê-los, sem proveito maior, a não ser para os nomeados e para seus padrinhos”, reforçou. Responsável pela atual política de recursos humanos do governo, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, admite a necessidade de ajustar as ferramentas de gestão, mas afirma que houve avanços. “Teve uma época em que se fazia campanha contra o servidor”, disse referindo-se aos períodos FHC e Collor. “É claro que tem de ter aferição de resultados. Estamos buscando isso. Precisamos definir os instrumentos. Aperfeiçoar a gestão é nosso próximo desafio”, completou. Na avaliação do ministro, a polêmica do Estado mínimo ou máximo está superada. “Precisamos de uma máquina adequada e preparada”, explicou. Bernardo acredita que, com uma maior participação da sociedade e dos sindicatos será possível estabelecer formas de avaliação e de acompanhamento das políticas. Enquanto isso não acontece, segundo ele, é natural que parte das responsabilidades sobre os maus serviços prestados ao cidadão recaia sobre o servidor. Pressão - O debate sobre eficiência do setor público trouxe poucos avanços concretos para a população, mas a defesa de mais contratações não pára. O presidente do Sindicato Nacional dos Servidores das Agências de Regulação (Sinagências), João Maria Medeiros de Oliveira, reclama de escassez de mão-de-obra. “Ainda é preciso fazer concurso e recompor a remuneração do serviço público porque, a exemplo das agências, as pessoas passam nas provas e não ficam no órgão”, afirmou. O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), contestou ontem a afirmação do presidente Lula de que choque de gestão é contratar e não demitir servidores. “Choque de gestão, na verdade, é você gastar menos com a estrutura do Estado, é gastar mais com as pessoas onde elas estão, através de investimentos sociais e em infra-estrutura. É algo muito diferente do que o inchaço da máquina pública”, afirmou o governador na saída do Ministério da Fazenda. Mesmo em áreas onde o número de contratações avança anualmente, os resultados teimam em não aparecer. É o caso da educação, da saúde e de alguns segmentos de fiscalização e repressão. Para Eneuton Dornellas Filho, professor adjunto da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) e autor da tese de doutorado Evolução do Emprego Público no Brasil nos Anos 90, contratar mais servidores é uma política acertada. “O que o Estado precisa é de uma ação definida para cobrar resultados”, disse. Segundo o pesquisador, a prestação de um mau serviço não é responsabilidade integral do funcionário. “A Polícia Federal desempenha uma função muito importante e tem bom desempenho. Mas nas regiões de fronteira há carência de pessoal e problemas de estrutura”, afirmou. MANTEGA QUER SERVIDORES O ministro da Fazenda, Guido Mantega, repetiu ontem a defesa feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva das contratações de servidores públicos. Segundo o ministro, o aumento no número de funcionários melhora a eficiência dos serviços públicos e não significa inchaço da administração. “O governo tem de procurar exercer suas funções com mais eficiência, o que significa atendimento melhor à população, combater mais a corrupção, ter mais policiais federais, mais médicos nos hospitais, acelerar as liberações de licenças ambientais, etc.”, disse. Ele argumentou que a contratação de servidores reduz a burocracia. “Com uma equipe maior, a administração tem condições de prestar serviços em tempo menor e de forma mais eficiente”, afirmou. Na França, enxugamento Enquanto no Brasil o presidente Lula tenta fazer o choque de gestão, na França, considerado um dos países mais burocráticos do mundo, o presidente Nicolas Sarkozy busca reduzir o tamanho da máquina pública. A proposta foi divulgada esta semana e faz parte da chamada Revolução Cultural que o governo francês pretende implantar. A intenção é reduzir 23 mil postos no serviço público. Hoje, a França tem 5 milhões de servidores com regras de estabilidade semelhantes às brasileiras. O número equivale a 8% da população do país europeu. Do total de funcionários do governo, 1,2 milhão pertencem ao Ministério da Educação, já que 90% das escolas do país são públicas. Descontentes com as propostas de enxugamento da máquina, os sindicatos preparam uma série de reuniões no país. Apesar da insatisfação dos sindicalistas, pesquisa veiculada no jornal Le Monde mostra que 77% dos servidores compreendem a necessidade de modificar a administração governamental, mas apenas 52% estão otimistas sobre o futuro profissional. Os gastos com o funcionalismo público representam 44% do orçamento francês. Para o primeiro ministro, François Fillon, as mudanças previstas pelo governo são uma “urgência nacional”. “Nós estamos defasados quando, de um lado, a nação faz da função pública seu primeiro foco de despesas e, por outro lado, os servidores públicos se sentem mal-amados e desvalorizados pela sociedade”, justificou.
Fonte: Correio Braziliense, 3/10/2007.
|
|