Fim do Vestibular está longe, dizem universidades

 
 

Falta de vagas e alta concorrência justificariam o exame
 

Dados do último censo de Educação Superior do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) mostram que há 5.181.699 candidatos inscritos nos cursos presenciais de graduação contra 2.629.598 vagas ofertadas pelo sistema. O censo deixa claro que ainda faltam vagas para dar conta da demanda de estudantes. Se observarmos, porém, o número de ingressantes no Ensino Superior, 1.448.509, percebe-se que quase 50% das vagas ofertadas permanecem ociosas, o que indica uma irregularidade em relação à oferta de oportunidades nos mais variados cursos. Alguns muito mais concorridos que outros.

Estes dados são usados como justificativa para que, por enquanto, representantes das Instituições de Ensino Superior públicas ou privadas defendam a continuidade do vestibular. Um "mal" ainda considerado necessário. Debatido e condenado por especialistas em função da obrigação que impõe aos jovens em relação à escolha de carreiras, o vestibular não deixa de ser visto como um problema, mesmo por quem representa a universidade. Acredita-se, porém, que enquanto não houver uma verdadeira expansão do Ensino Superior, especialmente do público – que concentra o maior número de candidatos ao vestibular – o vestibular continuará a ser o método mais democrático de ingresso no terceiro grau.

"Modelos como norte-americano em que os alunos são escolhidos pelo desempenho no histórico escolar e entrevista funcionam lá porque não há falta de vagas e a grande concorrência que temos no Brasil. Conheço bem o método norte-americano e o julgo de extrema eficiência, mas não há como transferi-lo para o Brasil, especialmente nas escolas públicas. A análise do histórico escolar é muito subjetiva porque não há garantia de que um aluno do Ensino Médio de uma determinada escola tenha aprendido o mesmo que o aluno de outra. A entrevista é mais subjetiva ainda. No Brasil, com o grande número de candidatos, os critérios de seleção, empate e desempate precisam estar muito claros. Daí a necessidade do vestibular", explica o coordenador da Comvest (Comissão para o Vestibular da Unicamp – Universidade Estadual de Campinas), Leandro Tessler.

Na opinião do assessor da pró-reitoria de graduação da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), Antonio Carlos Casella Jardim, o vestibular continua a ser a melhor opção porque ele tem critérios bem estabelecidos de avaliação dos candidatos. "Os resultados ficam muito claros porque são questões objetivas e limpas. Os critérios são os mesmos para todos os alunos. A concorrência faz com que esse ainda seja o melhor modelo. Agora, quando se trata do preenchimento de vagas remanescentes, por exemplo, na PUCRS selecionamos por meio de uma redação", explica Jardim.

Há consenso, porém, de que o atual formato do vestibular precisa ser revisto. Educadores acreditam que a idéia é que ele deixe de ser cada vez menos um exame para medir a capacidade do aluno em decorar conceitos e reproduzi-los numa prova. O exame deve se tornar ferramenta para avaliar a capacidade do estudante em assimilar idéias, interpretar textos e exercer sua percepção, além de sua capacidade de interpretação e julgamento de idéias. "As questões devem ser voltadas para esse objetivo. Por isso, uma comissão deve se debruçar sobre o vestibular e substituir a 'decoreba' pelo raciocínio", defende Tessler.

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), defende que o vestibular como exame é indispensável para selecionar os alunos que pretendem ingressar no Ensino Superior. Na opinião dele, a universidade deve reunir os melhores. Mas Buarque é contra o atual modelo. Para o senador, o vestibular está ultrapassado em boa parte das instituições onde é aplicado. Ele defende mudanças no conteúdo das provas e na percepção da universidade sobre o que deve ou não ser cobrado dos estudantes. "Como exame, a ferramenta funciona e é importante. Devemos ter um instrumento de seleção dos melhores alunos porque a universidade não é para todos, mas para os melhores. Agora, é inegável a necessidade de mudança na forma de aplicação das provas", defende.

 

O pró-reitor de graduação da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), Jorge Luiz da Cunha, é enfático ao dizer que o ideal seria o fim do vestibular para que todos os estudantes tivessem a mesma oportunidade de ingressar no Ensino Superior. "Nossa realidade, no entanto, não permite que isso aconteça. Nas universidades públicas, onde há maior disputa de vagas, somos obrigados a estabelecer critérios muito claros de classificação a fim de garantir a todos a mesma chance de ingresso. Não é o mundo ideal, mas é o que podemos fazer agora", afirma.

Mas se faltam vagas no total geral como é possível haver vagas ociosas? A resposta, na opinião do senador é simples, faltam alunos preparados para ocupar tais vagas, alunos com condições financeiras para se manter na universidade e há vagas que não interessam em absoluto aos estudantes. "As licenciaturas são um exemplo clássico. O salário de professor é muito baixo. Só haverá maior interesse pela profissão na medida em que ela for valorizada. É por isso que quando me perguntam como melhorar a universidade eu digo: 'não há como melhorar a universidade. A universidade melhora quando se melhora o aluno que nela ingressa. É preciso voltar os olhos para o Ensino Médio'", diz Buarque.

Adoção do processo seletivo seriado

Além do vestibular tradicional, a UFSM implantou o Peies (Programa de Ingresso ao Ensino Superior) – processo seletivo seriado para alunos do Ensino Médio. O objetivo, além de diluir a tensão do vestibular, é aproximar a universidade destes alunos. "O Peies serve para melhorar a percepção dos contextos de formação do Ensino Médio e perfilá-los com o interesse de formação da universidade", diz Cunha.

De acordo com Cunha, desde que foi criado, o Peies tem rendido bons frutos. Segundo ele, muitas modificações no vestibular tradicional foram feitas a partir da observação do rendimento dos alunos no processo seletivo seriado. "Nosso vestibular tradicional passou a ter muito mais características interdisciplinares. Também fomos pioneiros ao incluir questões de filosofia no exame e assim nos antecipamos à obrigatoriedade do ensino dessa matéria no Ensino Médio".

Para o pró-reitor de graduação da UFSM, a experiência com o Peies mostrou que processos alternativos são melhores do que o vestibular tradicional nos moldes como era realizado na UFSM e ainda é em muitas instituições de Ensino Superior. Segundo Cunha, era preciso modificar a metodologia utilizada para sua aplicação. No entanto, ele defende que o modelo de exame ainda é necessário para atender aos alunos que já concluíram o Ensino Médio e, especialmente, para democratizar o acesso ao Ensino Superior em cursos mais concorridos. "O processo seletivo seriado, por sua vez, vem atender à demanda de alunos que ainda não concluíram o Ensino Médio e, portanto, podem ter mais tempo de preparo para ingressar no Ensino Superior", diz Cunha.

Buarque, que idealizou o PAS – processo seletivo seriado da UnB (Universidade de Brasília) –, defende a adoção do processo seletivo seriado por crer que hoje o vestibular contempla majoritariamente aos alunos que já concluíram o 2º grau e não os estudantes que ainda estão no Ensino Médio. "Hoje, de cada 100 crianças, apenas 35 concluem o Ensino Médio. Com o processo seletivo seriado, estes alunos têm a chance de disputar uma vaga que, atualmente, é destinada a quem já concluiu esta etapa. É um modelo mais justo. Isso aumentaria a concorrência, é claro, mas garantiria a oportunidade para quem está no Ensino Médio, além de aproximar a universidade destes alunos", explica.

O assessor da pró-reitoria da PUCRS, por sua vez, acredita que o processo seletivo seriado seja válido apenas para as instituições públicas porque elas são eleitas pelos estudantes como primeira opção. Por si só, isso justificaria criar um modelo que os avaliasse desde o Ensino Médio. "Numa universidade privada, a escolha de um curso é de momento. Nós temos estudantes que se inscrevem no vestibular em maio, mas sequer aparecem para as provas em junho. O processo seletivo seriado é uma medida que se encaixa para avaliar os estudantes que desde cedo têm a intenção de ingressar na universidade pública. Aí sim o modelo se justifica. Para as particulares, não acredito que ele valha o gasto que será despendido", opina Jardim.

Para o professor Tessler, o processo seletivo seriado tem suas vantagens, mas ele não acredita que ele seja facilmente implantado em universidades cujo vestibular seja mais abrangente. "Do ponto de vista logístico, não creio que funcione para grandes universidades que recebem alunos do Brasil inteiro, como é o caso da Unicamp", diz. Segundo o professor, no caso de instituições mais regionalizadas como é o caso da UFSM e da UnB, é mais fácil articular uma estratégia bem-sucedida para a realização do vestibular seriado do que na Unicamp.

O senador, por sua vez, acredita que o processo seletivo seriado é possível em toda e qualquer instituição. Ele lembra que a UnB também recebe alunos do Brasil inteiro e nem por isso foi impossível criar uma estratégia logística para sua realização. "Discordo dessa postura. A USP (Universidade de São Paulo), inclusive, está aí para provar o contrário. A partir de 2009 ela irá oferecer a modalidade de processo seletivo seriado", diz Buarque. O assessor da pró-reitoria da UFSM também considera essa opinião equivocada pelo próprio exemplo prático em sua instituição. "Aqui na UFMS nós recebemos alunos até do Uruguai para fazer o Peies", ressalta.

Enem como instrumento de avaliação

Em relação a utilizar o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) como instrumento único de avaliação e ingresso para o Ensino Superior, há um consenso de que seria uma estratégia pouco funcional. Em primeiro lugar, porque as universidades não abrem mão de sua autonomia em estabelecer os critérios que irão selecionar seus futuros alunos. Depois, porque embora a opinião recorrente de membros do setor em relação ao exame seja positiva, ele não é considerado eficiente para avaliar se um aluno está apto ou não para entrar na universidade.

O professor Tessler destaca que a ferramenta possui pontos positivos, porque realmente serve de instrumento de avaliação do conhecimento dos alunos de Ensino Médio. No entanto, segundo ele, o Enem ainda apresenta certa instabilidade. "Há ano em que o Enem é fácil e ano que ele é mais difícil. Essa irregularidade no grau de dificuldade o vestibular da Unicamp já conseguiu resolver", compara.

Além disso, Tessler acrescenta que a Unicamp já articulou uma prova que avalia mais do que o conhecimento técnico do aluno, obrigando-o a refletir sobre as questões. "Isso é o que a universidade espera dos ingressantes. Por isso, não acredito que o Enem possa substituir nosso método de avaliação", enfatiza. Ele defende a criação de um instrumento similar ao Enem para medir a capacidade do aluno de ingressar no Ensino Superior. Um instrumento que priorize questões mais reflexivas. "Ainda assim, tal instrumento serviria como ferramenta adicional ao processo de seleção de cada universidade", diz.

Na UFSM, apesar de ser visto com bons olhos, o Enem esbarra no quesito autonomia da universidade. "Considero que cada instituição deve ter seus critérios próprios para escolher seus alunos. Cada uma delas pode optar por qual perfil de discente quer que faça parte do universo acadêmico. O Enem já é utilizado como ferramenta a favor dos alunos justamente para dar credibilidade ao conhecimento técnico que obtiveram no Ensino Médio. Outro ponto é que, hoje, ele é desenvolvido única e exclusivamente pelo MEC. Caso ele fosse adotado como instrumento único de avaliação, deveria ser pensado em conjunto com as universidades e deveria levar em conta as características de cada uma delas para selecionar seus estudantes. Aí, entraria a questão da regionalidade que é indispensável para cada uma das instituições", avalia Cunha.

O assessor da pró-reitoria da PUCRS também acredita que o Enem é um instrumento de avaliação complementar válido, mas não pode ser adotado como modelo único. "A universidade tem de ter seus critérios particulares de avaliação. No caso do ProUni (Programa Universidade para Todos) é válido utilizar a nota do Enem para a classificação. Ao todo, temos mais de 4 mil alunos que ingressaram na PUCRS com as notas do Enem, mas não creio que ele possa ser usado como único instrumento".

 

Fonte: Universia Brasil, Lilian Burgardt, 28/4/2008.

 


Coletânea de artigos


Home