Faxina jurídica

 
 

Uma liminar do STF suspende a lei feita na ditadura para censurar e intimidar jornalistas
 

 


Miro Teixeira, autor da ação:
"Incompatível com a democracia"

 

O Supremo Tribunal Federal começou a remover, na semana passada, um resquício autoritário que afronta o arcabouço legal da democracia brasileira. Uma decisão liminar do ministro Carlos Ayres Britto revogou vinte artigos da chamada Lei de Imprensa. Editada em 1967, durante o regime militar, pelo general Humberto Castello Branco, então presidente da República, ela reúne medidas que, na origem, visavam a cercear e punir jornalistas e veículos de comunicação que se contrapunham à ditadura. Mais de duas décadas depois da redemocratização, a lei nunca deixou de ser utilizada nos tribunais – principalmente por democratas que não gostam quando a democracia os alcança. A decisão do STF ainda precisa ser confirmada pelo plenário do tribunal, mas, até que isso ocorra, todos os processos e condenações anunciadas com base nessa legislação encontram-se automaticamente suspensos. "Essa lei é totalmente incompatível com o regime democrático, que não existe sem uma imprensa livre", diz o deputado Miro Teixeira, do PDT do Rio de Janeiro, autor da ação. "A ditadura acabou, mas o armário até hoje continuava no meio da sala."

Entre outras aberrações, a Lei de Imprensa prevê penas de prisão para jornalistas, multas e até permissão para apreensão e destruição de jornais e revistas. "Como essa medida já vinha sendo aplicada de maneira seletiva, seu efeito é mais simbólico do que prático. Mas não há dúvida de que a lei precisa ser adequada aos novos tempos", diz o advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira, especialista em ações contra jornalistas e empresas de comunicação. Por se encontrar numa espécie de limbo jurídico, a Lei de Imprensa vinha sendo utilizada de maneira oportunista. Pessoas que se sentiam ofendidas por uma publicação costumavam usá-la como base para processos criminais, porque suas penas são mais duras que as previstas no Código Penal. Em seu despacho, o ministro Ayres Britto destaca que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não podem sofrer nenhuma restrição. "A imprensa e a democracia, na vigente ordem constitucional, são irmãs siamesas", escreveu o ministro.

 

Divulgação
O general Castello Branco: poder para apreender e destruir jornais.

A revogação da lei, caso seja confirmada pelo STF, não deve, porém, ser interpretada como uma licença para jornalistas e veículos de comunicação injuriarem, caluniarem e difamarem indivíduos, empresas e instituições. Todos esses crimes estão previstos no Código Penal. Qualquer pessoa que se sinta atingida pode acionar a Justiça para se defender de uma acusação injusta. O mesmo vale para os pedidos de indenização por danos morais, previstos no Código Civil. Pesquisa recente realizada pela ONG inglesa Article 19 revelou que o Brasil é o campeão mundial em indenizações por danos morais impetradas contra jornalistas e veículos de comunicação. O fim da Lei de Imprensa, portanto, não é uma conquista de classe. É uma garantia à sociedade de que o seu direito à informação não será mais ameaçado por um anacronismo engendrado por uma ditadura.

 

Fonte: Rev. Veja, Alexandre Oltramari, ed. 2049, 27/2/2008.


STF mantém liminar suspendendo artigos da Lei de Imprensa

Mas pela decisão do plenário processos e decisões judiciais não ficam mais suspensos.
Decisão vale até julgamento final, que terá que ocorrer em seis meses.
 

Por maioria, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve, nesta quarta-feira (27), decisão que suspende a aplicação de boa parte da Lei 5.250/67 – a Lei de Imprensa. O plenário da corte confirmou liminar (decisão provisória) concedida pelo ministro Carlos Ayres Britto na semana passada. 

A decisão será válida até o julgamento do mérito (decisão final) da ação, proposta pelo PDT, pelo plenário. O tribunal fixou prazo máximo de seis meses para que isso ocorra. 

Apesar de confirmar a liminar concedida por Ayres Britto, os ministros decidiram que os processos judiciais e decisões com base nos 22 artigos e parágrafos citados não estão mais automaticamente suspensos. 

Na prática, o juiz poderá adotar, em processos e decisões, a legislação prevista, por exemplo, no Código Penal, no Código Civil e na Constituição Federal, mas não a prevista nos artigos suspensos da Lei de Imprensa. 

As penas de prisão para jornalistas por calúnia, injúria ou difamação são previstas na Lei de Imprensa e também no Código Penal, onde as penas são mais brandas. 

A liminar foi concedida na última quinta-feira (21) pelo ministro Ayres Britto em resposta a uma ação do PDT. O partido alega que a Lei de Imprensa viola a Constituição. E pede, no julgamento de mérito (final), que ela seja totalmente revogada. 

O julgamento 

Durante a sessão, o deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), que assinou a ação, defendeu a suspensão total da Lei de Imprensa. “É uma lei que não serve à solução de conflitos, serve para intimidar, ameaçar”, disse. 

“É a única lei de imprensa restritiva no mundo. As Nações Unidas já orientaram: os países precisam ter uma lei de pleno acesso à informação”, complementou. 

O ministro Carlos Alberto Menezes Direito concordou. E votou pela suspensão total da lei. “Existe fundada dúvida quanto à compatibilidade da lei e a Constituição de 1988. E quando se tem conflito possível entre liberdade e restrição à liberdade deve-se imperativamente defender a liberdade. O preço do silêncio para a saúde institucional dos povos é muito mais alto que o preço da livre circulação de idéias”. 

“Democracia depende de informação e não apenas do voto. Esse às vezes pode servir de mera chancela à manipulação. Os regimes totalitários convivem com o voto, nunca com a liberdade de informação”, complementou. 

Depois do longo debate, que durou praticamente toda a sessão desta quarta, os ministros confirmaram a liminar concedida pelo ministro Ayres Britto. E que vão decidir, em no máximo seis meses, se a Lei de Imprensa será revogada, como pediu o PDT.

 

Fonte: G1, Mirella D'Elia, 27/2/2008.

 


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