Ética e Corrupção
"Herança maldita", "Lei de Gérson", "jeitinho brasileiro", "o país que não é sério". Não faltam expressões populares para designar aqueles fenômenos espúrios que todos conhecemos muito bem. O fato é que, depois de 500 anos de acomodação, já está mais do que na hora de a sociedade brasileira acordar. Temos diante de nós a realidade sombria da permissividade e da tolerância no tratamento da coisa pública e no conceito de civilidade e igualdade social dos cidadãos brasileiros. Desde o tempo do Brasil Colônia, adotaram-se práticas pouco recomendáveis para escapar dos altos impostos da Corte. Ora aproveitava-se da ineficácia da fiscalização no imenso território nacional; ora da falta de comprometimento dos que "cuidavam" da ordem e da arrecadação. Assim, a propina, o conchavo, o lobby (no mau sentido da palavra), a negociata e o "acerto" vieram sendo consolidados como práticas corriqueiras de comerciantes e empresários que aqui se propunham a fazer fortuna. Antes mesmo de Cabral chegar ao Brasil, já havia por aqui gente que fazia suas próprias leis. Esses homens negociavam diretamente com os índios e, em benefício próprio, desprezavam qualquer preceito ético. Juntaram-se a esses os sobrenomes famosos dos donatários das capitanias hereditárias, que compunham as elites da época. Criou-se deste modo o cenário ideal para as preciosidades culturais do tipo "Quem te indicou"?, "Dá para dar um jeitinho?", "Quanto eu levo nisso?" etc. A crise no PT, cuja história sempre se norteou pelo combate ao fisiologismo, pela defesa e respeito à coisa pública e à ética na política, desnudou alguns mitos que tínhamos com relação a corrupção. Por exemplo: 1) a esquerda não se corrompia pois era imune às tentações da sociedade capitalista; 2) somente as elites roubavam; 3) um governo popular será sempre confiável. Com os recentes escândalos e a inabilidade do líderes petistas, tentando colocar a sujeira embaixo do tapete, percebemos que o poder eleva o pensamento dos homens a níveis tão assustadores que começam a se confundir com o próprio Criador, colocando-se à parte e acima da lei. Alguns homens acreditam piamente que os fins serão justificados em benefício da "causa". Ficou demonstrado que a desonestidade era coisa de um determinado grupo que sempre se beneficiou dela. A grande questão, hoje, não é solucionar o imbróglio político em que o país se viu envolvido, mas reinventar a forma de disseminar os conceitos de moral e cívica nas escolas. Que tipo de médicos, advogados, engenheiros ou, por acaso, publicitários estamos formando? Os que vão construir o Brasil do futuro ou os que vão ser experts, ricos e bem-sucedidos em suas profissões, mas com pomposas contas em paraísos fiscais? Necessitamos de um esforço ímpar para redimensionar a responsabilidade do segmento educacional nessa questão tão sensível para a sociedade brasileira. Herdamos, sim, uma cultura de mercadores, traficantes de escravos e clandestinos que aportavam pelos trópicos, mas herdamos também Os Lusíadas de Camões, os poemas de Fernando Pessoa, a visão de mundo, a coragem e a capacidade de superação dos desafios dos que fundaram este país. Nós, brasileiros, não fizemos a lição de casa. Acomodamo-nos às idéias mesquinhas daqueles que imaginam que, quando se lesa o Estado, não se está tirando de ninguém. Nós somos o Estado. Não há Estado sem nação e toda nação tem de cuidar do que lhe pertence. Sejam as estatais, os programas sociais ou o orelhão da esquina. Precisamos mais e mais analisar quais são os valores que realmente valem a pena. Há que ser retirada da mente dos jovens a ilusão de que o dinheiro, a ostentação, os bens materiais e o status são os verdadeiros valores da sociedade. Para conquistá-los o homem não mede conseqüências. Os verdadeiros valores morais e éticos parecem ter sido esquecidos. Nenhum cidadão consciente que imagina viver numa sociedade desenvolvida, igualitária e justa será feliz focado apenas nas coisas materiais. É hora de valorizar os atributos morais mais elevados. A honestidade, a ética, o respeito ao outro, a polidez, a humildade, a lealdade, a paciência, a harmonia e etc. A corrupção, o nepotismo e o desvio de dinheiro público fazem parte de nossa história há mais de 500 anos. A diferença é que hoje a imprensa, os políticos e os juristas de boa fé crescem nos debates públicos e na preferência do eleitor. Nunca houve tanta participação da sociedade organizada como na história recente do país.
Dentro do propósito de
se fazer realmente uma faxina no país, a educação constitui uma ferramenta
valiosa, na medida em que é capaz de promover a visão social e a inclusão.
Quantos cursos, workshops, simpósios, congressos e seminários temos a
realizar! Há muito a ser feito. Nós, educadores, devemos aprender com nossas
falhas, reorganizar nossos valores como nação e mostrar aos jovens que as
sociedades que se desenvolveram, as nações que prosperaram, as organizações
que realmente se perpetuaram e transformaram seus líderes em ícones de
pensamento e realizações foram aquelas que acreditaram nesses valores
elevados. E são líderes como Churchill, Lincoln, Carter, De Gaulle,
Juscelino e tantos outros que nos inspiram nesse momento difícil. Chegou a
hora de realizarmos um grande movimento em prol da moral e da ética no
coração de nossos jovens. Fonte: Revista Ensino Superior, Edição 85 – outubro/2005. |