O estrago é bem maior

 

Como se não bastasse a seca, estudos mostram que a devastação da Amazônia supera a que aparece nos números oficiais.
 

 

Marcio Silva/Correio Amazonense/AE

Peixes mortos pela redução do nível de água em um lago da Amazônia: estudos revelam que o fenômeno natural e o desmatamento ampliam o risco de colapso

 

A maior seca dos últimos quarenta anos na Amazônia, que já provoca efeitos devastadores na economia e no meio ambiente, pode ser o começo de uma crise da floresta em larga escala. Dois dos mais respeitados ecólogos que trabalham na região, Daniel Nepstad e Paulo Moutinho, alertam para os efeitos colaterais do fenômeno. Experimentos realizados por eles comprovam que em um cenário de seca as árvores têm sua capacidade de fotossíntese reduzida e minguam. Como as copas estão menos densas e o chão, coberto de folhas secas, o sol alcança o solo, transformando em bombas-relógio extensas áreas de mata antes consideradas inatingíveis por incêndios.  

Como se não bastasse tanta má notícia para a floresta, a edição da revista Science desta semana traz outro diagnóstico aterrador. Segundo os autores, a área danificada da floresta é entre 60% e 123% maior do que se pensava, dependendo do ano analisado. Isso significa que o ritmo de destruição, que já era assustador – seguiu no ano passado à velocidade de um Parque do Ibirapuera a cada meia hora –, pode ter dobrado. Esta é a primeira vez que cientistas conseguiram medir com precisão um tipo de estrago que sempre se fez na floresta, mas que, até então, jamais havia sido quantificado em larga escala e com a exatidão dos satélites. O artigo avalia o impacto da indústria madeireira sobre a mata – um tipo de dano que era invisível aos sistemas que medem o tamanho do desmatamento. Os pesquisadores, liderados pelo americano Gregory Asner, da Universidade Stanford, desenvolveram um programa de computador capaz de descobrir, em cada uma das unidades que compõem a imagem de satélite, sinais da redução da densidade da cobertura florestal, que ocorre quando a área sofre exploração seletiva de madeira. Ou seja, avalia áreas em que não se corta tudo, mas apenas as árvores de maior interesse comercial. Com o novo recurso, os cientistas passam a "enxergar" o que acontece por baixo da cobertura das árvores e, com isso, a medir com exatidão as cicatrizes deixadas pela exploração seletiva de madeira na Amazônia.  

Os cientistas analisaram cinco estados – Acre, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima – responsáveis por cerca de 90% do desmatamento da Amazônia. O resultado: enquanto os estudiosos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) anunciaram que em 2000, nessas regiões, o desmatamento foi de 16 112 quilômetros quadrados, a área modificada pelos madeireiros foi de 19 823. "Esperamos que esses números dêem uma sacudida no governo", afirma José Natalino Silva, um dos autores do estudo e pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, em Belém. Para ele, a amplitude do impacto da indústria madeireira no interior da mata exige providências imediatas, que garantam o funcionamento do setor e sua correta fiscalização. O Inpe pediu uma verificação dos dados publicados na Science, temendo que tenham sido superestimados. Dada a extensão da Amazônia, sempre existe a possibilidade de algum erro em qualquer metodologia. Mas, diante de um ecossistema tão frágil, ninguém perde por superestimar a possibilidade de um desastre. É sempre menos perigoso errar para mais quando se fala em destruição ambiental.  

A pesquisa concluiu que de 1999 a 2002, somente em terras indígenas e unidades de conservação localizadas na área de estudo, cerca de 1 350 quilômetros quadrados de floresta foram detonados pelos madeireiros. Um terço dessa atividade foi identificado apenas nas reservas dos índios caiapós, no Pará. Além disso, os cientistas alertam para o fato de que as fatias exploradas da floresta aumentam o risco de incêndios. Como cerca de 50% das copas das árvores são destruídas, a luz do sol seca a camada de folhas secas e galhos que forra o chão, tornando-o inflamável e deixando a floresta suscetível ao fogo. Eles afirmam, ainda, que o volume de madeira tirado pode representar uma adição de 100 milhões de toneladas de carbono – o equivalente a 50% das emissões anuais provocadas pelo desmatamento da Amazônia.  

Para a bióloga Claudia Azevedo-Ramos, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, autora de um estudo que mede o impacto das madeireiras sobre a fauna local, a tendência é que o tamanho da área impactada pelas serrarias aumente com a aprovação das concessões florestais, em tramitação no Congresso. A cientista pondera que, apesar de mais madeireiras se espalharem pela mata, a proposta pode exercer um papel positivo. As empresas terão de trabalhar com técnicas corretas, o que em tese reduzirá o impacto nocivo na floresta.  

Em outro estudo, publicado na última edição da revista especializada Remote Sensing of Environment, o geólogo Carlos Souza Júnior, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, apresenta outra poderosa ferramenta para detectar a destruição e monitorar a floresta. Resultado de sua tese de doutorado, aprovada pela Universidade Santa Bárbara, na Califórnia, Souza Júnior desenvolveu uma maneira original de ler as informações captadas pelos satélites, tornando possível realçar nas fotografias todo tipo de dano à floresta. Cicatrizes da exploração em pequena escala, vestígios de queimada e qualquer tipo de desmatamento passam a ser visualizados nas imagens processadas por Souza Júnior. "É uma nova forma de enxergar a floresta", anuncia o cientista, que testou o sistema sobre os registros da cidade de Sinop, em Mato Grosso, e ali encontrou uma área de floresta alterada três vezes maior que a considerada oficialmente como desmatada. As imagens processadas pela equipe de Souza Júnior servirão de base para um novo mapa do desmatamento da Amazônia. Com a releitura de cada uma das fotos, deverá ser obtido o mais fiel e detalhado diagnóstico do uso e preservação da Amazônia.

 

Fonte: Rev. Veja, Leonardo Coutinho, ed. n. 1928, 26/10/2005.


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