O estado
e o crescimento
Desde 1994, a carga tributária aumentou 12 pontos porcentuais, algo próximo
de 320 bilhões
Para entender a tragédia de nossa excessiva carga tributária, basta um instante de reflexão. Quando o Brasil crescia robustamente em torno de 9%, com o emprego aumentando a 3% ao ano, a carga era de 24% do produto interno bruto (PIB) e o estado investia quase 20% dos seus recursos, ou cerca de 4% do PIB. Com esses recursos foram construídos portos, estradas e toda uma infra-estrutura de energia e telecomunicações. A taxa de inflação era, então, decrescente. Hoje a carga tributária é da ordem de 36% do PIB, a maior do mundo emergente. A média de crescimento do PIB entre 2001 e 2007, no entanto, será da ordem de 3,2%, com modesto aumento do emprego. Temos hoje os benefícios de uma inflação civilizada e de um equilíbrio externo produzido mais por um acidente histórico do que por nossas virtudes, mas o estado investe menos do que 5% dos seus recursos. Isso monta a menos de 2% do PIB, volume insuficiente até para repor a depreciação da infra-estrutura consumida nos últimos vinte anos. O que significa isso fisicamente? Um contrafactual é esclarecedor. Neste ano o PIB deverá ser da ordem de 2,6 trilhões de reais. De 1994 aos nossos dias, a carga tributária aumentou 12 pontos porcentuais em relação ao PIB. Isso significa que o governo elevou sua apropriação, na forma de imposto, em algo próximo a 320 bilhões de reais por ano. Esse valor é igual a quatro anos de receita do estado de São Paulo! Imaginem o efeito disso nas mãos do setor privado mais eficiente: ele estaria produzindo mais investimentos, mais empregos e mais salários. O contrafactual não reforça algumas críticas ideológicas equivocadas às políticas sociais do governo. Quando este é incapaz de construir as condições para gerar postos de trabalho socialmente úteis, ele deve, sim, promover a assistência e melhorar a igualdade de oportunidade para os menos favorecidos pelo mercado. No regime de sufrágio universal, as políticas sociais são condição da própria sobrevivência da economia de mercado. Esta é compatível com a liberdade individual, mas, sendo um processo competitivo feroz, ignora o desejo de relativa igualdade impresso no DNA do Homo sapiens. Sendo uma "competição", o mercado só adquire o mínimo de moralidade quando todos os competidores, no ponto de partida, têm capacidades relativamente iguais. Esse é o papel das políticas sociais. Encarar essa realidade não é dar apoio à evidente ineficiência do estado, mas reconhecer as condições objetivas hoje existentes. Depois da Constituição de 1988, não se pode esperar dele muito mais do que melhorar a sua gestão no provimento dos bens públicos que só ele pode fazer – segurança interna e externa, razoável grau de justiça, universalização da saúde e da educação e a estabilidade do valor da moeda. E, paralelamente, convencer os governos – que são o estado em trânsito – de que, se querem mesmo estimular o crescimento e o emprego, devem levar em conta:
Esses são os estímulos fundamentais para colocar o Brasil na trilha do crescimento acelerado com equilíbrio interno e externo e mais justiça social.
* O economista Antonio Delfim Netto foi deputado federal, ministro da Agricultura e da Fazenda.
Fonte: Rev. Veja, ed. 2027, 26/9/2007.
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