Os esquemas do ex-líder estudantil
Fitas de vídeo e gravações com ex-assessores revelam como o ex-presidente da
UNE Lindberg Farias se envolveu com uma série de fraudes e casos de propina
depois que virou prefeito
|
LINDBERG Em Nova
Iguaçu, funcionários fantasmas, favores à mulher e ao irmão, Fred Farias |
|
Nascido
em 8 de dezembro de 1969, quase um ano depois que o AI-5 mergulhou o País
nas trevas da repressão política, o paraibano Luís Lindberg Farias Filho se
tornaria nacionalmente conhecido como um dos mais importantes líderes
estudantis da geração surgida com a redemocratização. Em 1992, como
presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Lindberg liderou o
renascimento do movimento estudantil ao colocar nas ruas os chamados
"caras-pintadas", que pediam o impeachment, por corrupção, do então
presidente Fernando Collor de Mello - ele acabaria renunciando em dezembro
daquele ano. Enrolado na bandeira da ética na política, Lindberg elegeu-se
deputado federal pelo PCdoB em 1994. Recebeu nota dez do Diap e bandeou-se
para a extrema-esquerda, no PSTU - o que lhe custou a reeleição em 1998.
Entrou para o PT e voltou à Câmara em 2002, na esteira da vitória de Luiz
Inácio Lula da Silva. Dois anos depois, elegeu-se prefeito de Nova Iguaçu
(RJ) - cidade que tem o quarto orçamento do Estado do Rio de Janeiro - com o
apoio entusiasmado do presidente Lula e da cúpula do PT. Agora, em plena
campanha pela reeleição, Lindberg Farias está enfrentando graves denúncias
de corrupção feitas pela ex-secretária de recursos humanos Lídia Cristina
Esteves, que o acusa de montar um esquema na prefeitura para se manter no
poder. Além disso, várias ações suspeitas de seu governo estão sendo
investigadas pelo Ministério Público Estadual (MPE) do Rio de Janeiro, pelo
Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
ISTOÉ obteve com exclusividade fitas gravadas em que assessores e
ex-assessores acusam o prefeito de montar um esquema que beneficia empresas
que financiaram sua campanha política, paga propinas a funcionários, dá
cargos e dinheiro a vereadores em troca de apoio político e conduz
licitações viciadas. Um deles, Jaime Orlando, ex-presidente da Comissão de
Licitação, diz que Lindberg "trata as coisas e depois eu é que tenho que me
virar para atender".
Um dos casos mais
graves ocorreu na área de educação. Há alguns meses, a Secretaria de
Educação de Nova Iguaçu foi denunciada pelo Ministério Público Estadual por
causa de uma licitação superfaturada para compra de merenda escolar em 2006.
Esta denúncia provocou o afastamento da secretária de Educação, a vereadora
Marli de Freitas, e do presidente da Comissão de Licitação da prefeitura,
Jaime Orlando. Por conta disso, o MPE determinou o bloqueio das contas e a
indisponibilidade dos bens de Marli e de Orlando. Também na área de educação
ocorreu outro caso polêmico, a contratação do Instituto Paulo Freire para
elaborar o arcabouço pedagógico do Programa Bairro-Escola, carro-chefe do
prefeito na área de educação. A responsável pelo programa era a mulher do
prefeito, Maria Antônia Goulart. A ex-secretária de recursos humanos da
prefeitura Lídia Cristina Esteves diz que havia desvio de dinheiro do
programa para o prefeito e sua mulher. O convênio da ONG com a prefeitura
custa aos cofres municipais R$ 800 mil por ano.
|
CONFRATERNIZAÇÃO (da
esq. para a dir.) Fausto Trindade, David Escaleira (diretor da Cemig), seu
motorista e Jaime Orlando |
|
O MP também investiga
irregularidades na Secretaria de Saúde do município. Na campanha de 2004, o
empresário João Moroni, proprietário da Gráfica Lastro, situada no bairro de
São Cristóvão, apresentou-se a dois dos principais assessores de Lindberg,
Antonio Neiva Moreira, coordenador da campanha, e Francisco José de Souza, o
"Chico Paraíba", que depois ocuparia o cargo de secretário da Fazenda do
município, oferecendo-se para ajudar na campanha em troca de serviços
futuros no governo. Moroni já havia colaborado em outras campanhas do PT. Em
2005, no primeiro ano de governo, a Gráfica Lastro ganhou a licitação para
fornecer material para a Secretaria de Saúde, um contrato no valor de R$ 1,8
milhão. No início de 2006, Chico Paraíba - já secretário da Fazenda - e
Neiva Moreira solicitaram a Moroni ajuda para a campanha de Vladimir
Palmeira, candidato petista ao governo do Estado. Em contrapartida, segundo
a denúncia, houve um aditamento de 100% no valor do contrato da Lastro. O
material da Secretaria de Saúde, contudo, nunca foi entregue. Uma CPI foi
aberta na Câmara dos Vereadores, mas não deu em nada - Lindberg controla 16
dos 20 vereadores de Nova Iguaçu.
Ainda na Secretaria de
Saúde, três cooperativas que contratam pessoal nessa área financiaram a
campanha de Lindberg: a Total, a Captar-Cooper e a Multiprof. A Total
Saúde pertence aos irmãos Walter e Wagner Pellegrino, que começaram a
atuar na administração do governador Marcelo Alencar (1995-1999). Há
pouco tempo, ela ganhou a licitação para administrar o Hospital de
Acari, da Prefeitura do Rio de Janeiro, e tem em suas mãos todos os
postos de saúde do Rio e o Hospital de Posse.
A Total está sendo investigada |
|
CARA-PINTADA Lindberg
Farias quando pedia ética na política |
pelo MPT por suspeita
de colaborar em campanhas eleitorais e posteriormente prestar serviços a
prefeituras. Já a cooperativa Captar-Cooper, que também ajudou na
campanha eleitoral de 2004, entrou em janeiro último com um termo
aditivo ao contrato no valor de R$ 43.415.281,20, contrariando parecer
do MPT. Na segunda-feira 5, o MPT requereu a intervenção em Nova Iguaçu
por causa de nãocumprimento de decisão judicial que impede a contratação
de trabalhadores por meio de cooperativas. Documentos do MPT mostram que
a Captar-Cooper fornece cerca de mil trabalhadores "cooperados". "A
contratação de trabalhadores por intermédio de cooperativas, além de
prejudicar os contratados, que têm vários de seus direitos sonegados,
constitui fraude ao princípio do concurso público", diz o procurador do
Trabalho Carlos Augusto Sampaio Solar. A Multiprof apenas colaborou com
a campanha. |
CÍRCULO DO PODER Chico
Paraíba (à esq.) e Fausto Trindade, a dupla poderosa que controla o esquema
montado em Nova Iguaçu. Estela Aranha, do PT de São Paulo, é ligada a
Trindade |
|
O círculo de poder em
torno de Lindberg está sob suspeita de montar um esquema gigantesco de
corrupção. O primeiro nome desse círculo é o de Chico Paraíba, médico
radicado no Rio de Janeiro, amigo e sócio do prefeito em vários
empreendimentos empresariais. Ele foi tesoureiro da campanha e virou
secretário da Fazenda do município. Todas as contas e liberações de
verbas da prefeitura passavam por Chico Paraíba. Ele acumulou o cargo de
secretário da Fazenda com a presidência do Instituto de Previdência de
Nova Iguaçu (Previni). Outro assessor |
muito próximo do
prefeito é Jaime Orlando, velho amigo de Lindberg dos tempos do
movimento estudantil da PUC-RJ. Na época, ele chegou a dividir o
apartamento com o prefeito. Como presidente da Comissão de Licitação de
Nova Iguaçu, centralizou todas as compras do município, mesmo em áreas
que desfrutavam de autonomia, como a Secretaria da Saúde. Um processo no
MP que identificou um desvio de R$ 600 mil para a empresa de comunicação
Supernova Mídia obrigou-o a se afastar do cargo. Outro colaborador de
Lindberg é Fausto Severo Trindade. Ex-assessor do ministro Guido
Mantega, quando este ocupava a Pasta do Planejamento, ele virou uma
espécie de curinga da administração de Nova Iguaçu. Na assessoria
especial, com status de secretário, ele teria sido o responsável pela
montagem de um "mensalinho" na Câmara Municipal de Nova Iguaçu, segundo
denúncia de Lídia Cristina Esteves. Através desse esquema, por meio de
cargos e favores, ficou garantido o apoio político à administração.
Evitou-se que várias CPIs fossem adiante. Depois, como secretário de
Administração, Trindade ficou responsável pela movimentação da folha de
pagamento da prefeitura, subordinado à Comissão de Licitações. Trindade
deixou a prefeitura com a expectativa de ganhar a Secretaria Executiva
do Ministério de Minas e Energia. Completava o grupo a paulista Estela
Aranha, ex-secretária de Controle, ligada a Trindade. |
A ex-secretária de
recursos humanos da prefeitura Lídia Cristina Esteves foi contratada
para montar toda a estrutura de pessoal camuflando os cargos oferecidos
aos vereadores - centenas, segundo ela. Cada vereador envolvido tinha
cerca de 100 cargos à disposição - muitos deles são fantasmas, mas todos
os nomes listados retiravam pagamentos mensalmente no banco. |
|
NOVA IGUAÇU O quarto
orçamento do Estado do Rio |
Segundo Lídia, a folha
de pagamento da prefeitura era rodada em João Pessoa, capital da
Paraíba, por uma empresa ligada a Chico Paraíba e ao irmão do prefeito,
Frederico Farias. Essa empresa foi contratada por R$ 1,2 milhão através
de uma fundação, a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da Universidade
Federal de Pernambuco (Fade). Seria uma alternativa para burlar o
processo licitatório convencional. |
O prefeito Lindberg
Farias responde a duas ações civis por improbidade administrativa na Justiça
fluminense proposta pelo MP do Rio de Janeiro. Uma delas refere-se à
contratação de uma militante do PT de Belém, Valéria da Cunha Santos, para
um cargo inexistente na estrutura da prefeitura. A outra refere-se à
contratação da Muripi Comunicação Integrada, cujo nome anterior era
Supernova Mídia Comunicação, com sede em São Paulo. Esta empresa fez o
projeto de marketing da campanha de Lindberg à prefeitura e foi contratada,
em 2005, para prestação de serviços por seis meses, por R$ 598.460. Para o
MP, houve irregularidade na licitação. Outra empresa havia proposto fazer o
mesmo trabalho por menor preço. Nesta ação, a Justiça determinou o seqüestro
dos bens de Lindberg e da empresa. Existem ainda oito investigações, civis e
criminais, no âmbito da Procuradoria Geral da Justiça do Rio. Algumas foram
iniciadas há quase três anos.
O procurador-geral da
Justiça do Rio, Marfan Martins Vieira, não quis falar à ISTOÉ sobre a
possibilidade de que a lentidão das investigações resulte numa espécie de
proteção a Lindberg. Ele disse, através de sua assessoria de comunicação,
que estava muito ocupado.
CONFISSÕES DA
EX-SECRETÁRIA
Lídia Cristina Esteves
revela o que sabia sobre o esquema do governo Lindberg
Lídia Cristina Esteves
ocupou o cargo de secretária de recursos humanos no início do governo
Lindberg, montando toda a estrutura de cargos e salários. Ela foi obrigada a
permitir que toda a folha de pessoal da prefeitura fosse rodada na Paraíba,
sob o comando de Frederico Farias, irmão de Lindberg. Lídia diz que, ao
perceber a facilidade com que nomes eram colocados na folha de pagamentos da
prefeitura, resolveu colocar três de sua escolha. Flagrada por um colega,
foi exonerada pelo secretário de Governo, Fausto Severo Trindade, que
prometeu continuar honrando seu salário, mas não o fez. Em uma gravação
obtida por ISTOÉ, ela faz revelações sobre o funcionamento desse esquema.
- Toda essa alteração
tem a minha assinatura e a do Fausto... Limpar isso é impossível, sabe por
quê? Sabe qual é o grande erro de lá? É o excesso de cargos, uns 400 cargos.
Isso é impossível de limpar de um dia para o outro. Não tem como limpar
porque é retroativo, de agosto do ano passado. Agosto do ano passado é um
tempão! Tem a parte toda de estagiário que está totalmente ilegal.
- Eu devo tipo 800
pratas. Porque, com minha mãe doente, eu tenho muito custo e eu tive que
fazer empréstimos. Tenho três empréstimos.
- O Fausto chega na
minha sala e diz: "O que você está fazendo?" Aí eu falei: Porra, eu tô
cruzando cooperativas (verificando o número de funcionários das
cooperativas. Muitos são fantasmas). "Pára com isso! Pára com isso agora.
Porque isso não interessa! Aqui quem te dá as prioridades sou eu". Tem gente
com três, quatro empregos. Tem uma médica que ganha de três lugares. Eu não
sei o nome, não. Mas tenho nome pra
- Dois mil e porrada
(funcionários municipais). Quando a gente entrou lá, tinha mil. São pessoas
dos vereadores.
- Ele (Fausto) pegou o
dinheiro para a Maria Antônia (mulher de Lindberg). Eu falei: Olha, Fausto,
cuidado. Tem três processos que são de arrepiar. O primeiro, o da
Fundação...aquela fundação de São Paulo, o Instituto Paulo Freire. R$ 440
mil para fazer a estrutura da educação e quem fez tudo fui eu.
- Que nada, eu não
roubei, eu botei três pessoas nomeadas na minha conta e acho que eu tenho
esse direito, tem gente com 60. Tem a Neide, tem mais de 20 num gabinete.
- Foi muito estranho,
foi o seguinte: eu tenho o Banco do Brasil, eu tenho a Caixa Econômica. A
palhaça aqui paga a Caixa, manda o arquivo inteiro para a Caixa, faz os
testes todos da Caixa e a folha de pagamento minha sabe onde é que é paga?
Na Paraíba. A Caixa é aqui. E aqui, não é João Pessoa. A folha é da Fundação
de Amparo à Pesquisa da Cidade de João Pessoa. Um contrato de R$ 1,2 milhão.
Você compra uma folha aí, qualquer titica por 40 pratas, não compra? E a
folha fica em João Pessoa, olha, a lista fica em João Pessoa. O destino dela
é João Pessoa. Na conta do Chico, quando eu cheguei lá estavam 600 (cargos).
- A aposentadoria do
pai do vereador Marcos Fernandes é 50 0 paus e ele está
levando seis mil. Eu tirei de todo mundo. Na hora de tirar
do pai do Marcos Fernandes não deixaram.
Aí nomearam o pai dele, ele, a mulher, a filha,
todo mundo. Passou de seis mil,
passou para 60 mil. |
|
"Eu tenho medo, muito
medo. Eu estou sem dormir" |
|
- Acho o Jaime
(Orlando) uma pessoa legal, mas ele está no bolo, né. Tô preocupada com ele,
não vai durar muito.
- Bandidagem, eles
chamam. Sabe como Neiva (secretário de Articulação Política) trata aquilo: é
quadrilha. Trata-se de quadrilha. Na cooperativa eu sei que o Chico passa o
dinheiro para o Fausto.
- Eu tenho medo, muito
medo, desde o ano passado. Eu falei: cara, eu tô sem dormir. Eu durmo, eu
durmo com os seus mapas (de cargos) embaixo do meu travesseiro.
|
|
CENAS DE UM ESCÂNDALO
Os principais
personagens do caso Lindberg foram filmados contando dinheiro e revelando
tramas comprometedoras
R$ 150 MIL NA MOCHILA
Numa tarde no final do
mês de março, Jaime Orlando, assessor do prefeito Lindberg Farias, se
encontra com um personagem não identificado. Ele carrega uma mochila preta
às costas, traja calça jeans, camiseta com uma estampa no peito na qual se
lê Life Guard (salva-vidas, em inglês) e porta R$ 150 mil guardados na
mochila. Em seguida, Jaime usa uma máquina de contar cédulas e faz
comentários sobre a administração e o comportamento de Lindberg.
- O Lindberg tem essa
mania. Trata as coisas e depois eu é que tenho de me virar para atender.
Tive que conseguir em uma empresa esse dinheiro porque fui o avalista desta
história.
- Estou chateado com
essa história do Renato (Colocci, secretário particular do Lindberg), me fez
correr atrás, desesperado, de R$ 60 mil, no mesmo dia, dizendo que era para
o Marfan ( procurador-chefe do MP do Rio de Janeiro). Eu me preocupo porque
o meu processo está lá. Se eu deixar, o Lindberg não acompanha. Ele me disse
que está tudo sob controle.
- Quando os caras
(donos de empresas que prestam serviços ao município de Nova Iguaçu) estão
com suas faturas em atraso, eles vêm em cima de mim, porque eles cumprem
todo mês a parte deles.
- O Lindberg trata as
coisas e as pessoas ficam o tempo todo me cobrando.
30% COM O CHICÃO
Elza Helena Barbosa
era secretária de Francisco José de Souza, o Chico Paraíba, secretário de
Fazenda e tesoureiro da campanha. Ela procurou um amigo que gravou a
conversa em que ela revela o desvio de verbas da prefeitura para um esquema
pessoal do seu chefe com o irmão de Lindberg.
- Daquela última
fatura de R$ 4 milhões, 30% ficou com o Chicão (empresário e prestador de
serviço da prefeitura, do setor de saneamento).
- Chico (Paraíba)
mandava fazer os depósitos para o Fred (Frederico Farias, irmão de
Lindberg), usando uma construtora, uma tal de construtora Flamboyant, lá na
Paraíba. Foram vários depósitos, inclusive tenho guardados comigo todos os
documentos.
- É um absurdo o
Hospital da Posse daquele jeito e eles metendo a mão no dinheiro que é para
a saúde, para a merenda. Se a polícia me chamar, eu conto tudo, tenho tudo
documentado.
- Eu tenho comprovante
de depósito, tenho quais foram as contas que eu mandei. Ele
(Chico) agora está namorando a minha irmã. Pega um avião
aqui e vai com minha irmã só para passar uma noite em São
Paulo. O Chico está investindo em |
|
"O Lindberg trata as
coisas e as pessoas ficam me cobrando" |
|
imóveis lá em São
Paulo, comprou um flat tudo com dinheiro daqui. Se eu
quisesse me beneficiar desse esquema sujo, para mim era
fácil, mas acho uma sacanagem. Dinheiro da saúde, da
educação é sacanagem.
|
|
|
|
Fonte: Rev. IstoÉ, Mino Pedrosa, ed. 2010,
14/5/2008.
|