Esperteza Atômica
Passada a marolinha diplomática do Brasil no Oriente Médio, ficou claro que o megalonanismo da diplomacia brasileira serviu mesmo para acobertar os objetivos bélicos dos iranianos
Nada do que aconteceu na última semana – nem o "acordo" celebrado com euforia por Brasil e Turquia em Teerã, nem a proposta americana de sanções ao regime dos aiatolás – alterou a seguinte realidade: • O Irã continua tocando no mesmo ritmo seu projeto nuclear bélico, do qual faz parte também um veículo lançador de ogivas e para o qual até o primeiro alvo já foi escolhido e reiteradamente declarado – Israel, país que o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, não perde a chance de dizer que precisa ser "varrido do mapa." Os cientistas iranianos já transpuseram a fase mais difícil, que consiste em enriquecer o urânio a 3,5%. A partir desse ponto, a infraestrutura e o conhecimento necessários para produzir urânio a 90%, o combustível das armas nucleares, estão praticamente garantidos. Bastam algumas modificações, como instalar as centrífugas em cadeia. "O país já trilhou 80% do caminho para ter um arsenal nuclear", diz a física búlgara Ivanka Barzashka, da Federação de Cientistas Americanos, em Washington. O Irã tem 2.300 quilos de urânio, quantidade suficiente para produzir material para duas bombas atômicas. Em menos de um ano, o país conseguirá adaptar as instalações já existentes e enriquecer o urânio a 90%. O passo seguinte é colocar o material em uma ogiva e instalá-la na ponta de um míssil, com um detonador eficiente. Os engenheiros a serviço dos aiatolás estão projetando esses artefatos. Estima-se que essa fase demore entre três e cinco anos. Ou seja, no cenário mais pessimista, em 2013, antes que o Brasil consiga terminar de reformar os seus estádios para a Copa do Mundo, o Irã já terá a bomba atômica. Enquanto isso, a comunidade internacional assiste a tudo inerte. Em relação ao "acordo", acertado depois de onze horas de negociação entre diplomatas brasileiros, turcos e iranianos em Teerã, este se desintegrou menos de 24 horas depois de ser assinado. A Declaração Conjunta de Irã, Turquia e Brasil foi divulgada na segunda-feira 17, com a presença do primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, do presidente Lula e do iraniano Mahmoud Ahmadinejad. O texto traz uma série de palavras que parecem tiradas de uma reunião de terapia de casais, como "processo prospectivo" e uma "atmosfera positiva, construtiva, não confrontacional", mas não fala em momento algum em suspender o enriquecimento de urânio pelo Irã. Isso prova que o "acordo" foi elaborado como uma peça de propaganda da liderança global almejada por Brasil e Turquia e como um instrumento para o Irã adiar as sanções que os Estados Unidos querem lhe impor. No mesmo dia em que Lula, Erdogan e Ahmadinejad se abraçaram e ergueram os dedos em V de vitória, o ministro de Relações Exteriores do Irã, Manouchehr Mottaki, disse que seu país não abdicará de enriquecer urânio a 20% – a meio caminho para a tecnologia da bomba. O consolo é que o documento não possui nenhuma legitimidade. Lula viajou para Teerã sem representar ninguém, exceto o Brasil. Não falava em nome da ONU, do Conselho de Segurança (CS) ou de qualquer outro grupo de países capazes de desempenhar a tarefa mais difícil: policiar o cumprimento das promessas iranianas. Pelo "acordo", o Irã deve entregar 1 200 quilos de urânio levemente enriquecidos à Turquia. Em menos de um ano, o Grupo de Viena (Estados Unidos, Rússia, França e AIEA) devolveria 120 quilos de urânio a 20% para uso médico e pesquisas. Mas o Grupo de Viena não participou das conversas em Teerã nem de sua preparação. "É como se uma pessoa vendesse a alguém 1 tonelada de pão sem combinar antes com o padeiro", diz Maristela Basso, professora de direito internacional da Universidade de São Paulo. Em direito, quem faz isso é chamado de gestor de negócios alheios. "O resultado é que, para outros chefes de estado, Lula se tornou um interlocutor não confiável, que negocia sem procuração", diz Maristela. A diplomacia brasileira entrou nessa enrascada com o intuito de aumentar sua influência internacional, mas saiu com uma estatura política ainda menor.
O único vencedor foi o
Irã, que espertamente ganhou um álibi para se fazer de vítima quando o CS
votar as sanções propostas pelos Estados Unidos. O assessor especial de
Lula, Marco Aurélio "top, top" Garcia, numa demonstração de que o seu
negócio é mesmo defender os interesses iranianos e não a segurança mundial,
rogou uma praga: "Se os Estados Unidos optarem pela sanção, vão se dar mal.
Vão sofrer uma sanção moral e política". Em junho, o México substituirá o
Líbano na presidência do CS e deve abrir caminho para a votação das sanções
contra o Irã. Rússia e China, que relutavam em aprovar mais punições por ter
negócios com os iranianos, consentiram depois de os americanos abrandarem as
medidas do embargo. O objetivo principal ago-ra é sufocar a Guarda
Revolucionária, criada após a revolução islâmica, em 1979, e que hoje domina
boa parte da economia, incluindo a indústria nuclear. "Mais do que conter o
programa militar iraniano, a esta altura já bastante adiantado, essas
sanções servem como mensagem a outros países árabes que também poderiam
desejar a bomba", diz o embaixador Rubens Barbosa. Se os Estados Unidos, sob
o presidente Barack Obama, assumem com timidez o seu papel de superpotência
e não conseguem barrar a ameaça atômica do Irã, ao menos pode-se esperar que
o problema não se alastre.
Fonte: Rev. Veja, Duda Teixeira, ed. 2166, 26/5/10.
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