Brasil
R$ 5,8 milhões escândalo dos cartões em dinheiro vivo para Lula, Marisa e suas equipes
Istoé revela as contas do SIAF sobre os gastos mais secretos dos cartões
corporativos
No Palácio do Planalto existem três caixas eletrônicos do Banco do Brasil. Ali e em máquinas conveniadas espalhadas por Brasília e pelo País, várias vezes ao dia, dez ordenadores de despesas, chamados de ecônomos, fazem saques em dinheiro vivo com o cartão corporativo do governo a fim de cobrir as necessidades pessoais e de rotina do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da primeira-dama Marisa Letícia e do restrito staff que os cerca. Segundo levantamento exclusivo feito para ISTOÉ pelo site Contas Abertas junto ao Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siaf), os saques na boca do caixa apenas para servirem Lula, Marisa e suas equipes somaram R$ 5,8 milhões, entre 1º de janeiro de 2003 e 31 de janeiro de 2008, o equivalente a R$ 97 mil por mês. Só em 2004, foi R$ 1 milhão e no mês passado R$ 70 mil. O valor corresponde a cerca de 50% do total sacado em espécie por toda a Presidência da República no mesmo período: R$ 12 milhões. Até aqui, só eram conhecidas as movimentações dos cartões da Presidência feitas através de faturas. O levantamento do Siaf mostra o total de saques em dinheiro - a grande caixa-preta guardada em sigilo pelo governo. Na Presidência, há 80 servidores responsáveis por custear despesas do diaa- dia relacionadas à segurança e manutenção do gabinete, além das residências oficiais (Granja do Torto e Palácio da Alvorada). São eles que, durante as viagens presidenciais, cobrem com o cartão de crédito corporativo as despesas com diárias, hospedagem, locomoção e alimentação da comitiva palaciana. Mas apenas dez foram destacados para atender especificamente às necessidades do presidente Lula, da primeira-dama e de um círculo restrito de auxiliares mais próximo dos dois. O grupo é gerenciado por Swedenberger Barbosa, ex-número dois de José Dirceu na Casa Civil, que hoje divide os poderes no gabinete presidencial com Cesar Alvarez e Gilberto Carvalho. Um dos principais ecônomos do presidente, que viaja com Lula pagando todas as suas contas, é Clever Pereira Fialho. Funcionário administrativo desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, alçado a ordenador de despesas durante o governo petista, Fialho sacou desde 2003 um total de R$ 959,1 mil em dinheiro. É o campeão dos saques. Em 2006, o ecônomo, que acompanhou o presidente na maior parte das viagens da campanha à reeleição, retirou R$ 143 mil em espécie a fim de atender às necessidades de Lula. Ex-funcionário do Ministério da Fazenda, Anderson Aguiar também ganhou a confiança de Lula, embora tenha começado a exercer a função no segundo governo FHC. Filho de um ex-diretor-geral do Planalto, Aguiar sacou desde 2003 para Lula R$ 716,8 mil. Outro que ocupa o topo da lista de saques é Adhemar Paoliello. Já fez retiradas em espécie que somam R$ 629,2 mil. Só que, ao contrário de Fialho e Aguiar, Paoliello desembarcou na Presidência no governo Lula. Pelas mãos do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Dona Marisa também tem sua ecônoma preferida. Trata-se de Maria Emília Matheus Évora. Até o início de 2005, ela resgatava sozinha os valores em dinheiro destinados a cobrir as despesas da primeira- dama. Retirou na boca do caixa R$ 614,7 mil. Mas a servidora deixou de ser exclusiva de Marisa depois que seu nome veio a público. Com a descoberta, a partir de 2005 os ecônomos do gabinete presidencial passaram a se revezar nos saques para a primeira-dama.
Na última semana, depois da demissão da ministra Matilde Ribeiro (Igualdade Racial), flagrada utilizando o cartão corporativo do governo em free shops, foram tornados públicos os gastos faturados no cartão de crédito corporativo por integrantes do primeiro e segundo escalões do governo. Débitos em tapiocaria, feitos pelo ministro Orlando Silva (Esporte), e a utilização do cartão corporativo até para reformar uma mesa de sinuca no Ministério das Comunicações mostraram a diluição da fronteira entre o público e o privado pelo governo petista. As faturas também mostraram um segurança pessoal de Lurian Cordeiro Lula da Silva, filha do presidente, gastando, em Florianópolis, onde ela mora, quase R$ 55 mil nos últimos nove meses em lojas de autopeças, materiais de construção e de ferragens, supermercados, livrarias, com combustível e em uma casa de venda de munição. Ao contrário das faturas que podem ser encontradas no Portal da Transparência, mantido pela Controladoria Geral da União na internet, a maioria das retiradas em dinheiro vivo na boca do caixa pelos ecônomos de Lula e dona Marisa está protegida pelo sigilo, segundo o governo, "para garantia da segurança da sociedade e do Estado". E, no que depender de integrantes do governo, permanecerá escondida. Ou seja, não se sabe e dificilmente se saberá onde e com o que foram gastos os R$ 5,8 milhões. É uma decisão de governo, mas não é o que diz a Constituição. "Não há restrição legal à divulgação de gastos da Presidência da República", diz o presidente do TSE e ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello. "Se a Presidência tem gastos, esses gastos devem ser revelados", defende. "A família real britânica costuma divulgar seus gastos. Não vejo razão para o sigilo", diz o deputado Augusto Carvalho (PPS-DF), da Associação Contas Abertas. Os gastos com o cartão embalam o pedido de CPI endossado agora até pela própria base de apoio ao governo no Congresso. Na semana passada, o governo agiu em duas frentes na tentativa de sair das cordas empurrado pela crise envolvendo os gastos com os cartões corporativos. O primeiro passo foi anunciar que os ministros não poderão usar mais esse mecanismo para pagar suas despesas. O segundo passo foi apoiar uma investigação no Congresso. A estratégia foi anunciada em entrevista coletiva pelos ministros Dilma Rousseff (Casa Civil), Franklin Martins (Comunicação Social) e Jorge Armando Félix (Segurança Institucional). "Apoiamos qualquer investigação", disse Dilma. "A diferença é que a partir de agora há uma avaliação por parte do Ministério do Planejamento no sentido de que ministro não pode ter cartão, porque fere o princípio da impessoalidade", acrescentou. O martelo em favor da CPI foi batido numa conversa do senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado, com Lula, por telefone, na manhã da quarta-feira 6. O presidente estava no Guarujá, onde passou o Carnaval. Jucá inicialmente avaliou que a CPI já seriam favas contadas. O governo poderia resistir por um tempo, mas a oposição acabaria conseguindo o número mínimo de assinaturas para instalá-la. "Isso, então, só vai nos desgastar. Nós vamos ficar resistindo, e vão surgir notícias dizendo que nomeamos fulano ou fizemos tal coisa para evitar a CPI. Melhor é sair das cordas e partir para o ataque", sugeriu Jucá. "Você está certo", respondeu Lula. "Não temos nada a esconder. Você tem carta branca", continuou. Jucá, então, comunicou a decisão também a José Múcio Monteiro, ministro das Relações Institucionais, e a Dilma Rousseff. Em seguida, começou a recolher as assinaturas.
Politicamente, a
estratégia é esvaziar o balão da oposição. Tomando a iniciativa de pedir a
CPI, o governo planeja deixar a oposição sem discurso. Além disso, Jucá puxa
a investigação até 1998, para envolver também o segundo mandato de Fernando
Henrique Cardoso. É uma jogada de risco. Jucá sabe que CPI não se controla.
Desvios que deixarão mal um ou outro ministro e funcionário graduado do
governo provavelmente aparecerão.
Fonte: Rev. IstoÉ, ed. 1997, 13/2/2008.
|
|