Escancarar o mercado do Brasil. De novo

 

A abertura acelerada do mercado brasileiro a importações de todo o tipo, iniciada no governo Fernando Collor de Mello (1990-92) e consolidada por Fernando Henrique Cardoso em seu primeiro mandato (1995-98), impôs custos elevados ao Brasil e empurrou setores estratégicos para um claro retrocesso, avalia o economista Júlio César Gomes de Almeida, diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). "Houve a perda de elos importantes da cadeia produtiva na indústria, embora não tenha ocorrido uma desindustrialização geral", afirma.

Na sua visão, o país "perdeu o bonde" da eletrônica e microeletrônica, o que inclui a indústria que fornece componentes para aqueles setores, além de ter desperdiçado a chance de consolidar um parque importante nas áreas de fármacos (que produz os princípios básicos dos medicamentos), farmoquímica e indústria farmacêutica - em função do barateamento excessivo e deliberado das importações que, literalmente, inundaram o mercado brasileiro naquele período.

A indústria eletrônica, acrescenta Gomes de Almeida, forneceu as bases para o crescimento acelerado de países como a Coréia do Sul, Malásia e, mais recentemente, Irlanda e China - refletindo experiências de êxito reconhecido, mas desprezadas pelos governos brasileiros.

RADICALIZAÇÃO

O mais grave, lem-bra o diretor execu-tivo do Iedi, é que o país tinha uma indústria importan-te no setor de eletrônicos, que de-finhou diante da enxurrada de im-portações, e nunca mais se recuperou. "Foi um erro estratégico capital, que nos levou a um atraso injustifi-cável", aponta o economista.

 

Para justificar a abertura escancarada do mercado interno, no entanto, seus defensores diziam (e dizem agora, novamente) que a medida estimularia a atração de investimentos estrangeiros em empreendimentos de tecnologia de ponta e incentivaria o crescimento da economia como um todo, diante de uma prometida redução de custos para a indústria e conseqüentes ganhos de efi ciência. Foi justo o contrário: o crescimento tem sido pífi o, desde então e, diferentemente do apregoado, empresas de tecnologia fecharam as portas.

AMEAÇA

Mas há setores dentro do governo, e fora dele, que ainda planejam radicalizar esse tipo de política. No próximo dia 19, a Câmara de Comércio Exterior (Camex), órgão que reúne sete ministros de Estado para definir políticas para aquela área, decide se aprova ou não uma proposta de uma nova, e ainda mais radical, abertura do mercado brasileiro a produtos industriais estrangeiros.

Elaborada pelo Ministério da Fazenda (Minifaz), aquela proposta sugere um corte de 35% para 10,5% na tarifa máxima consolidada apresentada pelo país na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Para alguns setores, os cortes propostos seriam ainda mais severos. No caso da indústria automobilística e fabricantes de autopeças, por exemplo, cujas importações estão sujeitas, hoje, a uma tarifa máxima de 33,31%, passariam a pagar apenas 10,31%. (Veja tabela)

 

FARRA

Roupas e acessórios comprados lá fora estariam submetidos a uma tarifa de 10,50%, diante de 35% hoje. Idem para calçados, brinquedos, guarda-chuvas, jóias, pérolas e pedras preciosas (de 35% para 10,5%). Televisores e aparelhos de som importados deixariam de recolher 32,65% no desembarque para passar a pagar 10,14%.

 

Pode-se prever, desde já, o retorno à "farra dos importados", que levou a economia para o buraco, com crises recorrentes causadas pela falta de dólares para honrar compromissos externos. Mais do que isto, haveria um estrangulamento da capacidade acumulada pela indústria para produzir tecnologia e inovações, contrariando um dos pretextos apresentados pela equipe da Fazenda para justificar sua proposta.

O Minifaz, em sua espantosa generosidade com os países mais desenvolvidos, sequer leva em consideração a possibilidade de exigir atitude igual dos governos ricos, com abertura de mercados para o Brasil, especialmente na área agrícola. No texto do documento encaminhado ao Ministério de Relações Exteriores, a Fazenda afirma que o Brasil, ao lado da Índia e Argentina, estão isolados nas negociações da OMC para liberalização do comércio mundial. Daí a necessidade de uma "política mais arrojada".

PROTEÇÃO

Em todos os países, sobretudo os mais ricos, as empresas exportam excedentes de produção, produtos, bens, mercadorias que não foram absorvidos pelo mercado doméstico. Por isso mesmo, esses produtos podem ser vendidos no mercado externo a preços mais baixos do que aqueles cobrados internamente, sem o risco de perdas para as empresas (pois seus custos já foram mais do que compensados pelas vendas realizadas aos consumidores em seus respectivos países).

Como a competição no mercado internacional é muito grande, com ofertas de descontos e prazos de pagamento a perder de vista, com juros muito mais baixos do que os cobrados no Brasil, por exemplo, todos os países - inclusive os ricos - adotam vários tipos de barreiras, além de impor tarifas sobre o valor dos bens importados.

Fazem isso para proteger seus mercados da concorrência de indústrias e grupos econômicos mais fortes e preservar empregos (já que a importação mais barata tende a substituir a produção local, causando o fechamento de empresas e, portanto, desemprego).
 

Para quem tem memória curta...

Entre 1989, último ano do governo José Sarney, e 1997, já no de Fernando Henrique Cardoso, a abertura do mercado brasileiro resultou em um salto de 226% nas importações, para 60 bilhões de dólares. No mesmo período, as exportações avançaram 54% Resultado: um buraco recorde na balança comercial, com as importações superando as exportações em 7 bilhões de dólares em 1997. Entre 1995 e 2000, o rombo chegou a 24 bilhões de dólares. O país ficou sem dólares para pagar seus compromissos externos, o governo arrochou toda a economia, via aumento de juros e corte de gastos públicos, criando desemprego em larga escala.

 

Fonte: BrasildeFato, Lauro Veiga Filho, Ed. n. 133, 15 a 21/09/2005.


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