Erro bilionário contra a educação        

 

Dinheiro do salário-educação foi parar nas contas do Sistema S
 

Dinheiro das escolas públicas de 1 a 8 séries de todo o Brasil ajudou a engordar nos últimos anos o bilionário orçamento do chamado Sistema S, que reúne entidades como o Sesi (Serviço Social da Indústria), o Sesc (Serviço Social do Comércio) e o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).

Estimativa do Ministério da Educação (MEC) indica que cerca de R$ 3,3 bilhões arrecadados com o salário-educação — valor suficiente para financiar o programa de merenda escolar durante três anos — deixaram de ser investidos no ensino fundamental e foram parar nas contas do Sistema S e de outros órgãos do governo, entre 2000 e 2004.

A falha que deu origem à dívida foi corrigida, mas o MEC estuda agora como reaver os recursos, que pertencem também a estados e municípios.

O salário-educação é uma contribuição paga pelas empresas sobre a folha de pagamento e deverá render este ano R$ 6,2 bilhões ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão do MEC responsável por programas como a distribuição de merenda a 36 milhões de alunos, a compra de livros didáticos e o transporte escolar.

O superintendente corporativo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Antônio Carlos Brito Maciel, responsável por Sesi e Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), reconhece que houve falha do governo na redistribuição de verbas do salário-educação e admite que o MEC, os governos estaduais e as prefeituras podem ter perdido dinheiro.

Mas classifica de desbaratada a estimativa de R$ 3,3 bilhões divulgada pelo FNDE, já que o estudo técnico considerou apenas discrepâncias registradas em setembro e outubro de 2004.

— Havia uma distorção que foi corrigida. Desde janeiro, ninguém perde mais nada. Qualquer raciocínio para o passado pode ter distorções: R$ 3,3 bilhões é um número totalmente solto. Qualquer ilação nesse sentido é temerária e corre-se o risco de estar se dizendo uma coisa desbaratada.

O FNDE divulgou que a estimativa de R$ 3,3 bilhões considera os dados disponíveis no momento. O valor poderá ser revisto à medida em que forem cruzadas informações relativas a todo o período de 2000 a 2004.

Guia unificada provocou distorções

Em 1999, o salário-educação era arrecadado tanto pelo FNDE quanto pelo INSS. Naquele ano, o INSS unificou a guia de recolhimento das contribuições sobre folha de pessoal que geram receita para o FNDE, o Sistema S e o Incra, entre 14 órgãos ou entidades.

Para dividir o bolo dessa arrecadação, foram estipulados índices que levavam em conta a arrecadação dos três anos anteriores. Assim foi estabelecido que o FNDE, por exemplo, ficaria com 33% do total. O problema é que esse índice não foi atualizado nos anos seguintes.

‘O Sesi perdia dinheiro, enquanto o Sebrae ganhava e agora deve estar perdendo’, diz Maciel, que não vê problema caso fique comprovado que o Sistema S recebeu dinheiro a mais e tenha que devolvê-lo.

‘Nesse caso, haverá uma mesa-redonda entre o governo e representantes do Sistema S. O importante é que haja bom-senso.’

Na gestão de Tarso Genro, o MEC percebeu a discrepância na arrecadação do salário-educação e pressionou o INSS a rever o cálculo de rateio.

Constatou-se que a participação do FNDE deveria subir de 33% para 42,5%, o que deverá representar um acréscimo de cerca de R$ 650 milhões na receita do salário-educação em 2005, conta o presidente do FNDE, José Henrique Paim Fernandes.

Na busca de recursos para ampliar programas educacionais para o ensino fundamental e também para o ensino médio, Paim Fernandes diz que medidas administrativas tomadas pelo governo permitirão elevar de R$ 4,8 bilhões para R$ 6,2 bilhões a receita com o salário-educação este ano.

O ministro da Previdência, Romero Jucá, afirmou que vai analisar o caso e corrigirá qualquer irregularidade.

Desvio do Fundef atrasa salários de professores

Criado para tentar melhorar a qualidade do ensino e assegurar salários dignos aos professores, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef) chega a seu oitavo ano de operação sem resolver o problema do atraso nos vencimentos do magistério.

Balanço parcial da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) mostra que em pelo menos 13 estados há municípios que deixam de pagar seus professores.

O problema, admitem técnicos do Ministério da Educação, não é generalizado, mas indica que há desvios de finalidade no uso das verbas do Fundef, já que pelo menos 60% do dinheiro do fundo devem ser investidos na remuneração de professores.

Sem contar os casos de corrupção em que os recursos simplesmente desaparecem.

Além de infringir a lei do Fundef, o problema provoca greves no magistério, deixa professores desmotivados e afeta a qualidade do ensino.

‘É um absurdo. Não há justificativa, já que os recursos são depositados regularmente em conta específica das prefeituras’, afirma o secretário de Educação Básica do MEC, Francisco das Chagas.

‘É sinal de que o dinheiro está sendo usado para outras finalidades, não sabemos nem se para a educação’, complementa a presidente da CNTE, Juçara Dutra Vieira.

O problema preocupa petistas, tucanos e sindicalistas. O ex-ministro Paulo Renato Souza, responsável pela criação do Fundef, em 1998, lamenta que ocorram desvios:

‘Se o dinheiro é repassado às prefeituras e só pode ser gasto em ensino fundamental, então é sinal de que está sendo usado para outras coisas.’

Este ano, o MEC já recebeu 46 denúncias de irregularidades no Fundef por atraso no pagamento de professores. No ano passado, foram 180. As denúncias são enviadas ao Ministério Público e aos tribunais de contas, mas os processos são lentos.

Em Camaragibe (PE), por exemplo, o prefeito João Lemos (PCdoB) abriu sindicância para apurar o caos financeiro e administrativo que diz ter herdado ao assumir o cargo em janeiro.

Segundo ele, R$ 1 milhão teria sido transferido irregularmente da conta do Fundef para o caixa único da prefeitura, na administração petista que o antecedeu. Ou seja, dinheiro carimbado para o ensino fundamental pode ter sido usado para outros fins.

Em Gonçalves Dias (MA), a 360 quilômetros de São Luís, os 129 professores municipais passaram nove meses sem receber em 2004, conta o secretário de Educação, Francisco Carlos Custódio.

Em dezembro, após cerca de três meses de greve, a prefeitura pagou parte da dívida. Agora, o novo prefeito fez um acordo no qual os professores abrirão mão de 60% do passivo, com a condição de receber em dia daqui para a frente.

‘Alguns professores acharam ruim, mas aceitaram porque só assim será possível evitar que o problema se repita. O ensino em 2004 foi uma calamidade’, diz Custódio.

Fonte: O Globo, Demétrio Weber, 28/03/2005.


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