Enxergando o Big Bang
Marcelo Gleiser* 

  

"Em um piscar de olhos, a luz dá sete voltas e meia na Terra"

Nebulosa de Eagle  

Qual é o ponto mais distante que podemos enxergar no cosmo? Quando olhamos para o céu noturno numa noite sem lua e longe das luzes da cidade, podemos ver talvez alguns milhares de estrelas.

Com poucas exceções, são todas nossas vizinhas cósmicas, a distâncias de não mais do que dezenas de anos-luz.

É bom lembrar que astrônomos usam o ano-luz, a distância que a luz percorre em um ano no espaço vazio, na velocidade de 300 mil quilômetros por segundo, como unidade de distância.

(Em meios materiais, como a água, a luz viaja mais devagar.)

Num piscar dos seus olhos, a luz dá sete voltas e meia em torno da Terra.

O Sol está a 8 minutos-luz da Terra: a luz que vemos saiu dele 8 minutos antes. São 150 milhões de quilômetros em 8 minutos -nada mau. Quanto mais distante um objeto, maior a distância que sua luz viaja para chegar até nós.

Portanto, a luz que vemos corresponde ao objeto como era no passado e não no presente: olhar para o cosmo é viajar para o passado. Quanto mais distante o objeto mais para o passado olhamos.

Por exemplo, a luz de nossa galáxia vizinha, Andrômeda, saiu de lá há 2 milhões de anos, quando o gênero humano começava a despontar na África.

Hoje, astrônomos observam radiação de objetos a 13 bilhões de anos-luz. Como comparação, a Terra foi formada há 4,6 bilhões de anos.

Como o Universo tem uma idade de 13,8 bilhões de anos, é natural indagar se podemos ver o seu próprio nascimento. Será possível ver o Big Bang?

Infelizmente, não. Ao menos não por meio da captação de radiação eletromagnética, da qual a luz visível faz parte. (Os objetos mais distantes são vistos em ondas de rádio, que têm freqüência bem menor do que a da luz visível.)

A história do Universo pode ser dividida em duas eras, antes e depois dos 400 mil anos. Após essa idade, o cosmo ficou transparente, ou seja, a luz podia propagar-se livremente pelo espaço.

É por isso que podemos receber radiação de objetos a 13 bilhões de anos-luz daqui. Mas, antes disso, o cosmo era opaco; a luz interagia intensamente com os elétrons e outras partículas de matéria e não se propagava longe.

Conseqüentemente, é impossível receber informação, por meio de radiação eletromagnética, do que ocorreu durante os primeiros 400 mil anos de existência do cosmo.

Mas nem tudo está perdido. Existe um outro tipo de radiação que pode ser detectado e que existiu desde o início da história cósmica, a radiação gravitacional.

O próprio Einstein, que mostrou que a gravidade é produto da curvatura do espaço causada pela presença de massas, supôs que, se essas massas estão em movimento, a curvatura também muda no tempo, causando ondas na própria geometria do espaço.

O leitor pode imaginar-se pulando num colchão de molas e observando como a curvatura em torno do seu traseiro muda. Tal como ondas na água, essas ondas podem ser detectadas.

A dificuldade, e a razão pela qual não foram detectadas até hoje, é que são extremamente fracas, quase que imperceptíveis.

Os detectores que estão em fase final de construção podem detectar variações de dimensões atômicas. Mesmo assim, nada. A cada vez que algo de dramático ocorreu com a geometria cósmica, ondas gravitacionais foram produzidas.

E a grande vantagem delas é que atravessam todos os obstáculos, inclusive a opacidade que caracterizou os primeiros 400 mil anos que se seguiram ao Big Bang.

Portanto, os detalhes da infância cósmica estão registrados nas ondas gravitacionais tal qual uma música está registrada em ondas de rádio. Basta construirmos antenas capazes de detectá-las para "vermos" o Big Bang.
 

* Marcelo Gleiser é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo".
 

Fonte: Folha de S. Paulo, Caderno Mais!, 25/2/2007.


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