Entre animais
"É aquela mesma gororoba
pseudo-intelectual usada pelos liberais nova-iorquinos
e atrizes de Hollywood, que chamam os negros de 'afro-americanos'
e se referem ao anão como 'pessoa verticalmente prejudicada'"
Os burros estão solidários
com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Entusiasmaram-se com a
Cartilha do Politicamente Correto, divulgada pelo governo, em Brasília. Diz
a cartilha que os brasileiros não devem usar expressões que sejam ofensivas
a pessoas, carreiras ou instituições. É aquela mesma gororoba
pseudo-intelectual usada pelos liberais nova-iorquinos e atrizes de
Hollywood, que chamam os negros de "afro-americanos", com pânico de fazer
qualquer referência a uma cor, e referem-se ao anão como "pessoa
verticalmente prejudicada". Segundo a cartilha petista, devem-se evitar
termos como "branquelo", "comunista", "palhaço", "baitola" ou "sapatão".
Homossexual deve ser substituído por "entendido". Barbeiro, para definir
quem guia mal no trânsito, não pode ser empregado porque ofende os
cabeleireiros. "A coisa ficou preta" – essa nem pensar.
As pessoas da elite, quando educadas, não usam essas palavras grosseiras.
Diferenciam-se assim da massa bronca, que se delicia com a vituperação dos
semelhantes no trânsito e nos estádios de futebol. São expressões que trazem
um pesado sabor popular. O PT quer mudar isso. Quer educar os peões, depois
que os pais fundadores do partido se elitizaram.
No reino animal, a iniciativa da Secretaria dos Direitos Humanos foi
recebida com grande euforia. Os bichos sempre foram ofendidos pelas pessoas,
que se xingam mutuamente de porco, vaca, tartaruga, jumento, para citar
alguns casos que vêm mais facilmente à memória. Ao saber da cartilha dos
bons modos, divulgada pela secretaria do ministro Nilmário Miranda, o burro
correu a espalhar a novidade a todos os animais.
"Senhor veado", disse o burro, dirigindo-se ao companheiro quadrúpede. "O
senhor está convidado a participar de uma manifestação de apoio ao governo,
na frente da Secretaria dos Direitos Humanos. Vamos convidar todos os
animais que caíram na boca do povo. Teremos lá, além de mim e do porco, a
piranha, a vaca, a perereca, o bicho-preguiça, a cadela, a maritaca e todos
os animais cornudos." A fauna ressentida pretendia acrescentar um adendo à
cartilha da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, tratando
especificamente da questão dos bichos. A secretaria avisou que a cartilha
tinha ido para a revisão porque foi mal recebida pelos suspeitos de sempre –
os intelectuais. Eles consideraram o documento patético, troglodita e, com o
perdão da palavra, muito burro.
"Estamos ingressando numa era totalitária?", reagiu o escritor João Ubaldo
Ribeiro. "Quanto tempo falta para que os burocratas desocupados que incham a
máquina governamental regulem nossa conduta sexual doméstica ou nosso uso
das instalações sanitárias?" O escritor e jornalista Carlos Heitor Cony
lembrou, em tom de deboche, que o Rio teve um prefeito e governador que se
chamava Negrão de Lima, hoje nome de rua e viaduto. Cony sugere a mudança
nas placas da rua e do viaduto para "Afro-descendentão de Lima". Pois eu
digo o seguinte: os petistas fizeram uma enorme barbeiragem com a edição
desse documento, posaram de palhaços e devem estar com vergonha dos
comunistas que têm trancados no armário.
Fonte: Revista Veja, Tales
Alvarenga, Edição n 1904, 11/05/2005 |