Ensino que é bom ...
Mãe
ganha na Justiça o direito de protestar contra o colégio da filha.
Na cartilha sobra ideologia e falta conteúdo
"O
aparecimento da propriedade privada deu origem à desigualdade social em
comunidades neolíticas e na Grécia antiga. Esse é um mal que os
capitalistas hoje procuram acobertar." Esse samba do sociólogo louco
parece guardar distante parentesco com a teoria de Karl Marx, mas o
rigoroso filósofo alemão ficaria chocado com a letra. Criticar o
capitalismo é saudável, como qualquer crítica. Mas fazer proselitismo
esquerdista usando fatos errados é de lascar. As análises em questão
circulam pelos vários capítulos de uma apostila de história e geografia
usada em classes de ensino médio de 200 escolas particulares do país. O
dono do material é o grupo COC, de Ribeirão Preto, que vende as
apostilas às escolas. Ao se interessar pelo material didático usado |
|
Mirian com a filha, Luísa: indignada com
os erros factuais e com a doutrinação esquerdista. |
na escola da
filha, a dona-de-casa Mírian Macedo, 53 anos, levou um susto. Ela correu
ao Colégio Pentágono, de São Paulo, um dos que aplicam as apostilas,
decidida a cancelar a matrícula da filha. Luísa, de 15 anos, estudava lá
havia nove. Mírian condensou as passagens que soavam a ela como
"panfletagem grosseira" em um texto no qual denuncia o que chama de
"Porno-marxismo". Em março, o artigo da dona-de-casa passou a circular
na internet. O caso acabou na Justiça. Por meio de uma liminar, o COC
exigiu a retirada do nome da instituição do documento. Há duas semanas,
a Justiça reavaliou a questão e deu a Mírian o direito de divulgar a
versão original. O COC, por sua vez, avisou que fará uma revisão de suas
apostilas, usadas por 220.000 estudantes. Reconhece Chaim Zaher, o dono
do grupo: "Erramos mesmo". |
Ao chamar atenção para
o viés ideológico nas apostilas de sua filha, Mírian (que se define como
"marxista desiludida") expõe um problema bem maior. Apostilas e livros
didáticos adotados pelas escolas brasileiras estão contaminados pela
doutrinação política esquerdizante. Resume o sociólogo Simon Schwartzman:
"As crianças não aprendem mais o nome dos rios ou as datas relevantes da
história da humanidade. Elas estão tendo contato com uma ciência social
superficial, marcada pela crítica marxista vulgar". É esse o ponto. As
editoras deveriam ser mais criteriosas na erradicação desses dogmas e das
simplificações que, como diz Schwartzman, vulgarizam o ensino. Karl Marx foi
um pensador profundo e complexo que tirou a filosofia das nuvens e a colocou
no mundo real. Nisso é equiparado ao grego Aristóteles, cuja obra deu vida
material aos ensinamentos essencialmente teóricos de Platão. Reduzir Marx ao
esquerdismo de botequim que se nota em alguns livros e apostilas é uma
ofensa ao filósofo alemão e um desserviço à educação dos jovens brasileiros.
Muitos dos livros e
apostilas que servem de base para as aulas apresentam problemas ainda mais
básicos, como erros factuais e de português – e redações primárias. O texto
"Como se conjuga um empresário", panfleto anticapitalista sem graça nem
gosto reproduzido nesta página, foi o que mais chamou a atenção de Mírian.
Mas a mãe se indignou com muitas coisas mais. O colégio onde estuda a filha
reagiu com coragem e correção. Não renovou o contrato com o COC e mandou
tirar de sua própria apostila o texto em questão. Assinado por um
desconhecido escritor cearense que atende pelo nome de Mino, a peça já havia
cativado outros deseducadores. Em 2005, serviu de tema para a redação no
vestibular da Universidade Federal de Minas Gerais. Inspirados na obra, os
candidatos deviam produzir um texto crítico sobre o comportamento do
empresário. Com um detalhe: o narrador da história seria uma "secretária
anticapitalista", indignada com as peripécias do patrão. "Os jovens estão
expostos a uma salada de slogans que não esclarecem nada sobre o mundo em
que vivemos – isso só emburrece", diz o filósofo Roberto Romano. Como mostra
a reação de Mírian Macedo, as escolas ensinam, mas cabe aos pais educar – no
sentido mais amplo possível.
ERROS E DOGMAS ESQUERDISTAS
Trechos das apostilas da 1ª série do ensino médio do COC e do
Colégio Pentágono
"A escravidão no Brasil é justificada pela condição de
inferioridade do negro, colocado como animal, pois era
'desprovido de alma' (...). Além da Igreja, que legitimou tal
sandice, a quem mais interessava tamanha besteira?"
(Capítulo "Nós e a história", pág. 97 da apostila do COC)
Comentário: a Igreja já era, então, contrária à escravidão.
O papa Paulo III escreveu, em 1537: "Ninguém deve ser reduzido à
escravidão"
"A dissolução das comunidades neolíticas, como também da
propriedade coletiva, deu lugar à propriedade privada e à
formação das classes sociais, isto é, a propriedade privada deu
origem às desigualdades sociais (...)."
(Capítulo "A pré-história", pág. 103 da apostila do COC)
Comentário: o conceito de "classes sociais" não se aplica a
uma sociedade organizada em clãs. As desigualdades subsistem
desde que a humanidade vivia da caça, da pesca e da coleta
"O surgimento da propriedade privada dos meios de produção (...)
provocou, na Grécia, a formação da sociedade de classes
organizada sob a cidade-estado."
(Capítulo "O período arcaico", pág. 128 da apostila do COC)
Comentário: as classes na Grécia antiga eram determinadas
pela ascendência dos cidadãos – e não por sua riqueza
"Como se conjuga um empresário: vendeu, ganhou, lucrou, lesou,
explorou, burlou... convocou, elogiou, bolinou, estimulou,
beijou, convidou... despiu-se... deitou-se, mexeu, gemeu,
fungou, babou, antecipou, frustrou..."
(Pág. 14 da apostila de redação do Pentágono)
Comentário: tolice ideológica que, além de ser sem graça,
predispõe os alunos contra o sistema de geração e distribuição
de riqueza que é a base da democracia, a economia de mercado.
|
|
Fonte: Rev. Veja, Camila Antunes, ed. 2012,
13/6/2007.
|